Críticos argumentam que polêmica legislação aproxima país da Rússia e o distancia de aderir à União Europeia. Governo defende que medida visa “mais transparência” de organizações com financiamento do exterior.O Parlamento da Geórgia aprovou nesta terça-feira (14) um projeto de lei sobre “agentes estrangeiros”, apesar do repúdio da oposição e do Ocidente, que acreditam que a nova regulação aproxima o país da Rússia e o afasta da Europa.
O texto foi aprovado na terceira e última votação, por 84 votos a favor e 30 contra, de acordo com a televisão pública do país, citada por agências internacionais.
A nova lei, muito semelhante à aprovada em 2012 pela Rússia e endurecida em 2022, determina que organizações, meios de comunicação social e entidades similares que recebam pelo menos 20% de financiamento do exterior se registrem como “organização que busca os interesses de uma potência estrangeira”.
O governo alega que a medida visa obrigar as organizações a serem “mais transparentes” em relação ao seu financiamento e afirma que a lei é necessária para conter o que considera uma influência estrangeira prejudicial à atividade política da Geórgia.
Por outro lado, críticos consideram a nova lei uma ameaça à liberdade de imprensa e às aspirações do país de aderir à União Europeia (UE). A oposição defende que se trata de uma “lei russa”, alegando que Moscou utiliza uma legislação muito semelhante para estigmatizar os meios de comunicação independentes e as organizações críticas ao Kremlin e ao presidente Vladimir Putin. Os deputados da oposição acusaram o partido com maioria no Parlamento, o Sonho Georgiano, de tentar arrastar o país para a esfera de influência da Rússia.
A lei será enviada à presidente da Geórgia, Salome Zourabichvili, que é pró-Europa e está cada vez mais em desacordo com o partido o Sonho Georgiano. Ela prometeu vetar o documento, uma ato meramente simbólico, já que a legenda tem maioria suficiente para anular o veto.
Violentos protestos
Antes da votação, na segunda-feira, o primeiro-ministro georgiano, Irakli Kobakhidzé, afirmou que o Parlamento iria adotar a lei, “de acordo com a vontade da maioria da população”, para proteger os “interesses nacionais” do país.
“Confrontada com compromissos injustificados e com a perda de soberania, a Geórgia partilhará o destino da Ucrânia. Ninguém fora da Geórgia pode impedir-nos de proteger os nossos interesses nacionais”, defendeu na mesma ocasião.
O que se vê nas ruas, porém, é uma parcela da população extremamente descontente com a nova legislação. A lei foi alvo, desde início de abril, de grandes manifestações da oposição, algumas das quais reprimidas. Cerca de mil pessoas passaram a madrugada de segunda para terça-feira à porta do Parlamento georgiano.
No sábado, mais de 50 mil pessoas protestaram contra a lei pelas ruas da capital Tbilisi. No domingo, dezenas de milhares mantiveram-se durante a noite em frente ao Parlamento para impedir a entrada dos deputados. Assim que amanheceu, a polícia prendeu vários dos manifestantes.
No ano passado, um texto quase idêntico foi retirado da pauta após protestos semelhantes.
Problemas com a UE
Desde dezembro do ano passado, a Geórgia tem estatuto de país-candidato à UE. A aprovação da nova lei, porém, pode frustrar a tentativa do país de entrar no bloco. Nos últimos dias, 12 ministros das Relações Exteriores da UE enviaram uma carta ao chefe da diplomacia do bloco europeu, Josep Borrell, criticando a intenção de Tbilissi de aprovar a lei dos “agentes estrangeiros”.
“O Governo da Geórgia – para nosso profundo pesar – parece estar no caminho de comprometer a oportunidade de avançar na integração europeia e euro-atlântica do país”, dizia o texto.
Borrell descreveu a decisão do Parlamento como “muito preocupante” e alertou que “a adoção final desta legislação teria um impacto negativo no progresso da Geórgia no seu caminho para a UE”.
Anteriormente, ele já havia ressaltado que a lei “não estava em conformidade com as normas e valores fundamentais da UE” e limitaria a capacidade dos meios de comunicação social e da sociedade civil de agirem livremente.
O presidente do Conselho Europeu, Charles Michel, também disse depois da aprovação que, “se quiser aderir à UE, a Geórgia tem de respeitar os princípios fundamentais do Estado de Direito e os princípios democráticos”.
A presidente do Parlamento Europeu, Roberta Metsola, afirmou por sua vez que a instituição está ao lado da população da Geórgia, que “com orgulho está a empunhar a bandeira” da UE.
Relação entre Moscou e Tbilisi
A Geórgia é um dos países candidatos à adesão à UE, juntamente com Albânia, Bósnia-Herzegovina, Moldova, Montenegro, Macedónia do Norte, Sérvia, Turquia e Ucrânia.
Os laços entre Tbilissi e Moscou são tensos e turbulentos desde o colapso da União Soviética em 1991 e da independência georgiana.
Em 2008, a Rússia travou uma breve guerra contra a Geórgia, que tinha feito uma tentativa fracassada de recuperar o controle sobre a província separatista da Ossétia do Sul.
Moscou reconheceu então a Ossétia do Sul e outra província separatista, a Abcásia, como estados independentes e reforçou a presença militar nessas regiões. A maior parte do mundo considera ambas as regiões como partes da Geórgia, e Tbilisi cortou relações diplomáticas com Moscou.
O estatuto dessas regiões continua a ser um fator de perturbação dominante, apesar de as relações entre os dois países terem melhorado nos últimos anos.
O Movimento Nacional Unido, formação de oposição fundada pelo ex-presidente Mikheil Saakashvili, que foi condenado a seis anos de prisão por corrupção e abuso de poder, acusa o Sonho Georgiano, criado por Bidzina Ivanishvili, um antigo primeiro-ministro e oligarca que fez fortuna na Rússia, de servir os interesses de Moscou.