Os três principais nomes cotados para rivalizar com o candidato à reeleição Ricardo Nunes (MDB) na disputa pela Prefeitura de São Paulo se diferenciam em muitos pontos, menos em um: são todos deputados federais.
Guilherme Boulos (PSOL), Ricardo Salles (PL) e Tabata Amaral (PSB) têm o mandato como trunfo —tanto para exposição quanto para ações que podem servir à eventual campanha. Eles conquistaram, respectivamente, a primeira, a quarta e a sexta maior votação entre os candidatos no estado.
O retrato que saiu das urnas da capital paulista em 2022 dá indícios do perfil do eleitorado e dos desafios do trio para 2024. Dados levantados pela reportagem de Joelmir Tavares, Daniel Mariani e Nicholas Pretto, da Folha, mostram que os votos de Boulos foram mais distribuídos no território, Salles teve picos em regiões nobres e a densidade de Tabata foi maior em áreas ricas.
Questões específicas da capital são frequentes nas agendas e nas redes sociais dos três parlamentares. Eles também disparam críticas à gestão Nunes, recorrem à Justiça contra medidas do prefeito e falam da cidade na tribuna do Congresso.
Boulos já usou o microfone para atacar Nunes por retirar barracas da população de rua. Na fala, o coordenador de movimentos de moradia se justificou por levar um assunto paulistano para a Câmara, dizendo que esse “não é um debate local” porque outras cidades no país têm quadro parecido.
O psolista também se pronunciou contra a privatização do aeroporto de Congonhas e lamentou que São Paulo mantenha aterros sanitários em detrimento de soluções mais modernas para o lixo.
Salles fez referência à “minha cidade de São Paulo” ao comentar a cracolândia e defender internações compulsórias. “É caso de lei e de ordem na cidade de São Paulo, que está precisando muito disso”, disse o ex-ministro do Meio Ambiente do governo Jair Bolsonaro (PL).
Tabata usou seu primeiro discurso do segundo mandato para se declarar “paulistana com muito orgulho” e salpicar menções à avenida Paulista e ao bairro da zona sul onde cresceu, a Vila Missionária, “onde a má política, como a compra de votos, ainda prevalece”, afirmou.
Levantando sua principal bandeira, a da educação, ela repercutiu no plenário o ataque a uma escola da zona oeste de São Paulo que matou uma professora e feriu outras cinco pessoas.
Tabata ainda intensificou a estratégia de acionar o sistema de Justiça contra medidas de Nunes, mecanismo também adotado por Boulos para fustigar o rival.
A pessebista entrou com ações contra um edital de publicidade de R$ 80 milhões aberto pela prefeitura e a contratação de serviços de comunicação por R$ 20 milhões a poucos meses da campanha eleitoral.
O líder do MTST (Movimento dos Trabalhadores Sem Teto) foi ao Ministério Público contra a terceirização da fiscalização de terminais de ônibus e capitaneou pedido judicial contra a remoção de barracas de pessoas de rua. Nunes reagiu, associando a ofensiva às intenções eleitorais do autor.
Salles, por sua vez, acabou sendo acionado pelo prefeito, depois que disse querer concorrer para tirar “os ladrões” da prefeitura. A Controladoria-Geral e a Procuradoria-Geral do Município cobraram do deputado que informe o que sabe sobre supostos esquemas de corrupção.
A busca de conexão com a população paulistana é crucial na tentativa dos três de manterem eleitores e atraírem novos. Boulos, Salles e Tabata receberam mais votos no restante do estado do que na capital, conforme dados do TSE (Tribunal Superior Eleitoral) tabulados pela Folha.
O ex-ministro amealhou na capital apenas 27% de seus votos, mas foi impulsionado pelo interior, com destaque para redutos do agronegócio e do conservadorismo, como Barretos e Araçatuba.
Considerando os resultados apenas no município de São Paulo, algumas diferenças ficam evidentes.
O nome do PSOL teve votação mais heterogênea em relação à renda por distrito, com performance positiva tanto em áreas pobres como Capão Redondo (zona sul) quanto nas de rendimento médio, casos do Campo Limpo (também na zona sul) de Santa Cecília (região central).
A capilaridade pode estar ligada ao fato de Boulos ter concorrido a prefeito em 2020, quando chegou ao segundo turno contra Bruno Covas (PSDB) e perdeu, com 40,6% dos votos válidos, ante 59,3% do tucano.
O apoio a Salles foi concentrado em distritos mais abastados, caso do Itaim Bibi (zona sul). Curiosamente, a região do Itaim também deu votação expressiva a Tabata, uma oposicionista do bolsonarismo.
A vantagem para a pessebista é que sua base eleitoral inclui bairros mais pobres. Um relatório de sua equipe mostra que, em comparação com a campanha de 2018, a votação dela cresceu em torno de 25% em todas as regiões da cidade, inclusive nas franjas da zona leste.
Segundo o cientista político Bruno Schaefer, do Observatório do Legislativo Brasileiro, a votação dos três para a Câmara fornece pistas de pontos fortes e fracos, mas o pleito municipal possui outra dinâmica, já que as urgências locais são relevantes para o eleitor.
“Ao mesmo tempo, as eleições estão cada vez mais nacionalizadas, como vimos em 2020”, pondera.
A visibilidade da Câmara, no entanto, pode ser útil às campanhas. Boulos tentou assumir a relatoria da MP do Minha Casa, Minha Vida, mas acabou tendo que ceder o posto para atender a uma articulação do Planalto. Salles é o favorito para assumir a relatoria da CPI do MST.
Procurados, os três parlamentares disseram em linhas gerais, via assessoria, que estão focados nos atuais mandatos e que estratégias eleitorais serão abordadas mais adiante.
Boulos salientou sua atuação nas pautas da população de rua, da perda de renda dos mais pobres e das dificuldades da periferia e citou relatorias de projetos e participações em comissões.
“Até por ter mais de um quarto da população do estado e uma grande participação no PIB, é natural que São Paulo tenha um espaço de destaque no processo político de qualquer parlamentar oriundo da capital. Além disso, nasci e me criei em São Paulo, moro no Campo Limpo”, disse.
Salles afirmou que tem discutido na Câmara temas que interessam aos municípios, como marco do saneamento e destinação do lixo, mas ressalvou que trabalha “sem distinguir nem privilegiar” nenhuma cidade. “A diferença é que, pelo seu tamanho, na capital paulista tudo tem uma proporção maior.”
Para o deputado do PL, o mandato atual “ajuda, sim” sua provável candidatura a prefeito, e o fato de ter sido o quarto deputado mais votado do estado “projeta naturalmente” seu nome na disputa.
Tabata afirmou que sua vida política está diretamente ligada à experiência como moradora da periferia de São Paulo e que, por isso, trabalha por mais igualdade de oportunidades para os cidadãos não só da capital, mas de todo o estado.
“Temos projetos de abrangência nacional, mas que impactam diretamente a pessoa da ponta, da periferia. Meu trabalho impacta todo o país. Muitos dos problemas que vivemos aqui [em São Paulo] são problemas também em outros lugares”, disse ela.