A disputa por verbas para obras públicas reacendeu a pressão dentro do próprio governo Jair Bolsonaro e no bloco de partidos do centrão pela troca do ministro Paulo Guedes (Economia).
Segundo a Folha de S. Paulo, enquanto integrantes da articulação política pressionam por espaço no Orçamento deste ano, membros da equipe econômica afirmam que o respeito às regras fiscais, como o teto de gastos, é condição para que Guedes permaneça no cargo.
No Palácio do Planalto, que centraliza as negociações sobre a proposta, ministros têm apoiado parlamentares, que tentam preservar recursos para obras. O argumento é que o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) precisa fazer acenos ao Congresso para minimizar riscos de abertura de processo de impeachment.
A avaliação de assessores palacianos é de que, nessa queda de braço, Guedes tem perdido a disputa, sobretudo por estar do lado oposto ao do presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), líder do centrão e responsável por uma eventual abertura de um processo de impeachment.
No Ministério da Economia, o diagnóstico é de que a proposta orçamentária ainda está em discussão e que, por isso, ainda não é possível falar em derrota. Segundo eles, Bolsonaro não quer abrir margem para configuração de crime de responsabilidade e indicou que ouvirá a área econômica.
Procurado pela Folha, Guedes não respondeu aos contatos da reportagem. Em conversas reservadas, Bolsonaro sinalizou que, apesar da pressão contra o ministro, não pretende substituí-lo agora, ainda mais no momento em que enfrenta duas crises: uma econômica e outra sanitária.
O presidente, no entanto, tem se convencido da necessidade de fazer acenos ao centrão e de investir em obras públicas um ano antes da eleição presidencial, sobretudo em uma tentativa de retomar a queda de popularidade enfrentada com a escalada de mortes com a pandemia do coronavírus.
O argumento principal de integrantes da Esplanada dos Ministérios que defendem a troca é de que Guedes é exageradamente ortodoxo e não compreende que o aumento dos investimentos é crucial para que o presidente viabilize uma reeleição, mesmo que isso signifique a flexibilização da política de ajuste fiscal.
Para eles, neste segundo momento do governo, o ideal seria um ministro da Economia de perfil mais desenvolvimentista. Um dos nomes defendidos é o do atual presidente da Caixa, Pedro Guimarães, um dos auxiliares favoritos de Bolsonaro.
Como mostrou a Folha, Guedes já enviou recado ao presidente de que pode haver uma nova debandada na equipe econômica se os problemas do Orçamento não forem corrigidos.
Na aprovação das contas de 2021, os deputados e senadores autorizaram R$ 48,8 bilhões em emendas parlamentares –forma de um congressista colocar sua digital numa verba para projetos na base eleitoral, especialmente obras.
Para viabilizar essa cifra, foram cortados, artificialmente, R$ 26,5 bilhões em despesas obrigatórias, como benefícios previdenciários e abono salarial. A equipe econômica tenta reverter essa tesourada.
Protagonista de disputas com Guedes em episódios anteriores, o ministro Rogério Marinho (Desenvolvimento Regional) foi um dos maiores beneficiados pelas alterações no Orçamento. A verba da pasta subiu de R$ 6,4 bilhões para quase R$ 21 bilhões na versão final.
Por ser responsável por projetos na área habitacional, de saneamento e de gestão hídrica, o Desenvolvimento Regional normalmente é irrigado por recursos a serem apontados por deputados e senadores.
Em conversas com auxiliares, Guedes reclamou da forte expansão de verbas para Marinho. Para ele, as verbas para a pasta deveriam estar incluídas no acordo feito antes da aprovação do texto, que previam uma expansão de R$ 16 bilhões em emendas.
Segundo uma pessoa que acompanhou reuniões no Planalto, Guedes saiu dos encontros como voto vencido. Ele não conseguiu convencer os colegas a fazer todo o ajuste necessário no Orçamento.
O ministro da Economia defende um corte de R$ 20 bilhões a R$ 30 bilhões em verbas indicadas pelo Congresso para que seja possível recompor os recursos obrigatórios sem estourar o teto de gastos, regra que limita o crescimento das despesas do governo à variação da inflação.
Parlamentares e ministros do núcleo político não aceitam a proposta. O relator da matéria, senador Márcio Bittar (MDB-AC), aceitou abrir mão de até R$ 10 bilhões em emendas. Membros da cúpula do Congresso indicaram que aceitam aumentar esse corte para R$ 13 bilhões, patamar ainda distante do valor aceito por Guedes.
Bolsonaro tem até o dia 22 de abril para sancionar o Orçamento. Enquanto a equipe econômica defende veto parcial ao texto e o envio de uma nova proposta para fazer ajustes às contas, a articulação política pressiona para que a proposta seja integralmente sancionada e correções sejam feitas posteriormente.
Uma nova reunião deve ser realizada na segunda-feira (5), com as presenças de Guedes e Lira.
Desde o início da gestão de Bolsonaro, Guedes entrou em quedas de braço com o núcleo político do governo, que tem restrições à agenda liberal do ministro. Em alguns dos embates, o ele acabou perdendo parte de sua equipe.
Por conta da falta de avanço nas privatizações e na reforma administrativa, os então secretários Salim Mattar (Desestatização) e Paulo Uebel (Desburocratização) pediram demissão no ano passado.
A lista de baixas na equipe de Guedes ainda inclui Joaquim Levy, ex-presidente do BNDES; Marcos Cintra, ex-secretário da Receita Federal; Mansueto Almeida, ex-secretário do Tesouro; e Rubem Novaes, ex-presidente do Banco do Brasil.
As disputas em torno do teto de gastos são recorrentes no governo e já levaram a boatos de que Guedes poderia deixar o cargo.
Em abril de 2020, ainda no início da pandemia do novo coronavírus, as alas política e militar do governo elaboraram um plano de recuperação econômica baseado em investimentos em obras públicas, chamado de Pró-Brasil.
Contrária à ideia, a equipe econômica argumentou que o governo não tinha recursos para bancar obras sem romper o teto de gastos. O plano acabou deixado de lado.
Em outubro, o superministro entrou em uma briga pública com Marinho. Após o titular do Desenvolvimento Regional criticar Guedes em evento, o titular da Economia chamou o colega de “despreparado, desleal e fura-teto”.
A ameaça mais recente à regra fiscal veio do Congresso, durante a tramitação da PEC (Proposta de Emenda à Constituição) Emergencial. Parlamentares governistas articularam para que os gastos com o Bolsa Família fossem excluídos do teto. O plano acabou descartado e o texto foi aprovado sem essa manobra.