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quinta-feira 22 de dezembro de 2022 às 16:03h

Parei de imitar políticos por causa de ameaças, diz humorista Marcelo Adnet

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Sua atuação durante a Copa do Mundo teve um estilo bastante informal para o padrão Globo. Foi difícil aprová-lo?
O esporte na Globo tem uma estrutura bem menor do que a dramaturgia e eu funciono melhor com produções pequenas. Muitas vezes a gente usa uma lógica de produção da dramaturgia e isso torna todo o processo um pouco mais pesado, com mais gente envolvida. No caso do esporte, nossa equipe era reduzida e bastante ágil. Tudo que a gente gravava ia ao ar logo na sequência. Funcionou bem porque a Globo é uma emissora fantástica, e porque cobrimos a Copa com essa agilidade.

Você gosta dessa liberdade, é isso?
Dizendo assim parece que na Globo não há liberdade, e não é isso. É uma lógica completamente diferente.

Parece que você gosta de agir em um sistema mais solto, ágil, leve.
É como eu trabalho melhor, mas isso não é necessariamente uma forma para os outros. Digamos que, no esquema tático, esse formato me favorece.

Ainda acredita em programas de humor nos formatos mais tradicionais, como Zorra Total e A Escolinha? Que tipo de humor se vê fazendo no futuro?
O que me dá prazer é fazer crônica. Pegar um acontecimento e brincar em cima disso. Também gosto de comédia musical, adoro compor e criar paródias. Gosto das imitações, do humor político. Sinto falta de programa com galera, de fazer esquete, contracenar. Mas o fato é que o humor passa por uma crise, por um reposicionamento. Na própria TV aberta quase não tem mais humor, praticamente acabou. Tem A Praça é Nossa, o talk-show da Tatá Werneck, o programa do Leandro Hassum. Mas o humor já teve mais espaço.

Por quê? O brasileiro está menos bem humorado?
Não acho que seja por causa do brasileiro. É um fenômeno da TV, não do público. Na internet dá para fazer humor com custo baixo. Não dá para fazer dramaturgia assim, porque é preciso que as pessoas acreditem que aquilo é real. Precisa de investimento. No humor você pode representar, é mais barato. Há milhares de humoristas nas redes sociais, uma galera que acha que o pessoal da TV é ruim, sem graça, ultrapassado. A internet cresceu e fez com que o humor de personagens fosse caindo. Até porque a internet trouxe personagens reais fabulosos. Então por que fazer um personagem se ele já existe?

Isso também é reflexo do mau momento na economia?
A crise econômica fez as grades de TV serem pressionadas por conteúdos diversificados e nichos definidos. A TV ficou com a dramaturgia e o jornalismo. Todos os programas fora disso ficaram apertados. É um processo complexo, derivado de muitas coisas. Mas é uma coisa de momento, não acho que seja definitivo. Os canais terão de reagir, buscar de novo esse gênero tão necessário. Não só para ter a grade mais flexível, mais leve, mas porque o povo brasileiro é engraçado e gosta de rir.

Em seu novo filme, Nas ondas da Fé, você faz o papel de um locutor que vira pastor só para ficar rico. O que acha do mundo evangélico?
É um desafio enorme para a sociedade brasileira entender o que é o fenômeno pentecostal e neopentecostal. Vivemos esse fenômeno há muito tempo, mas nunca conseguimos explicar. Chamávamos os fiéis de ignorantes, depois dizíamos que a igreja era a única opção para essas pessoas por causa da desigualdade social. Depois avaliamos que era um fenômeno eleitoral, cujos estereótipos pioraram ainda mais a tensão e a incompreensão.

Qual é a ideia, então, do filme?
O objetivo é desmistificar isso. Claro que o filme quer fazer humor, quer contar a trajetória de um cara que é habilidoso, bem intencionado, e acaba exercendo um papel questionável. Todos nós fazemos papéis que não queremos, por um salário ou porque temos obrigações. Fora a elite, a massa brasileira agarra a primeira oportunidade que aparecer.

No filme, os líderes da igreja só querem o dinheiro dos fiéis.
Com certeza. Mostra que quem sobe ali dentro são os “cabeças”, como o personagem “Grande Apóstolo”. São eles que mandam. O cara nem aparece, mas quer ter uma TV, provavelmente para lavar dinheiro. É uma figura muito comum. Nomes como Silas Malafaia e Edir Macedo são extremos, por isso há muitos pentecostais que não gostam ou até detestam essas duas figuras. Você tem um líder carismático, que ninguém de fato confia, mas respeita e abaixa a cabeça porque ele é o líder. A massa de fiéis não tem essas características.

Na eleição, os evangélicos foram alvo da campanha de Bolsonaro. Após a eleição, ele nunca voltou a uma igreja.
Esses caras se envolvem com a política porque é um rebanho muito grande. É óbvio: como há um número de fiéis enorme e cada vez maior, passam a explorar isso eleitoralmente e financeiramente. Criou-se uma estrutura que abriga corrupção e mistura fé real com falsos profetas. Uma parte que pode ser podre e uma parte genuína para caramba, que são os fiéis.

Como ídolo popular e carismático, teria algum interesse em entrar para a política?
Já fui convidado. Foi um pré-convite do Otávio Leite (PSDB-RJ), na época em que eu estava na MTV. Sempre gostei de política, ele deve ter visto isso em algum lugar e me ligou. Até fiquei envaidecido, honrado por ele ter me enxergado nesse sentido. Fiquei feliz, mas eu tinha uma outra vida pela frente.

Você pensa nessa possibilidade mais para frente?
No dia em que eu enlouquecer, acho que sim. Há muita gente que não tem nada a ver com política se lançando, e isso se aprofundou de uns oito anos para cá. Com o fenômeno do Macaco Tião, do Tiririca e, mais recentemente, de figuras mais perigosas que eles, isso me faz pensar que tem espaço. No campo bolsonarista, da extrema-direita, teve muito. Gente que ficou dez anos sem fazer novela, de repente vira político, como Mário Frias e Regina Duarte.

Muitos foram impulsionados pela falta de trabalho. Por estarem estagnadas, quiseram aproveitar a popularidade. A gente se pergunta: “como é que pode?” É que eles estão com tempo. Se a esquerda tivesse essa cara de pau, ia ser bem interessante, mais equilibrado. Acho que é necessário, inclusive. Mas eu não tenho coragem. Não tem nada a ver com a vida que eu levo.

Você está otimista em relação à cultura no novo governo? Tem esperança de que essa área destruída nos últimos anos possa ser salva?
Existe administração boa e ruim. Não sei se a próxima será boa, mas se for mais ou menos já está ótimo. Uma coisa que o Brasil tinha e não vai ter mais é um líder da pasta da cultura que tentava destruir a cultura. Mário Frias é um cara que não sabe nada de cultura, um cara extremamente limitado como político e pensador. Mas ele tinha uma missão: destruir a cultura. Assim como o presidente (Sérgio Camargo) da Palmares tinha como objetivo destruir a Fundação. Isso já é um grande marco: ter um ministro que queira impulsionar sua área, não destruí-la por vingança, revanche ou ressentimento. Então acho que sim, há uma esperança.

O discurso bolsonarista é muito crítico aos artistas. O que acha disso?
Há na cabeça das pessoas a ideia de que o artista é um vagabundo, um amador de dinheiro público. Bandidos antiéticos que fazem o ‘L’ porque querem ganhar milhões da Lei Rouanet.

Como reverter isso?
Com tempo. Não existe outra forma. Uma das estratégias do fascismo é acusar um grupo e persegui-lo para transformar suas críticas inválidas por virem de um grupo “contaminado, subversivo”. Essa ideia de que o artista é um ladrão de cofre público foi construída com esforço de muita gente, inclusive das autoridades da cultura, da presidência da República, da sociedade civil. E essa estratégia deu certo.

Você tem esperança no Brasil?
Nada cai do céu, as coisas têm de ser construídas. As pessoas têm de ter capacidade de construir suas vidas e trajetórias de forma livre, sem muita interferência. Não estou falando do tamanho do Estado, mas desse clima dividido, odioso. Bolsonaro cutucava as minorias, artistas, jornalistas, mulheres, negros. Quando as pessoas começarem a tocar suas vidas, o País começará a andar sem clima de racha tão violento. Vai depender também se vai ter anistia ou não, se vai ter acordo para não prender ninguém. A herança depende do que acontecer agora.

Por que você parou de imitar o presidente Jair Bolsonaro?
Parei porque a política está perigosa, as pessoas me ameaçam, me pressionam. Lidar com a emoção das pessoas é perigoso. É um campo violento. Bolsonaro é uma figura nefasta e as minhas imitações ajudavam a suavizar sua imagem. Então pensei: será que vale a pena fazer graça com ele? Cabe fazer humor com um cara que para muitos promoveu uma espécie de genocídio? Foi aí que quis parar. Tenho uma filha para criar.

Esse mundo bizarro da extrema-direita acabou virando um tipo de concorrência para os humoristas?
Gente que reza para pneu ou pede intervenção de ETs é engraçada, embora eles façam um tipo de humor involuntário. O Brasil chegou a um ponto absurdo. Agora que podemos filmar essas pessoas, estamos tendo contato com um mundo que nunca tínhamos visto antes. São figuras surreais. Fica mais difícil para a gente.

Como sobra tempo para compor sambas-enredo para o carnaval?
Sempre adorei samba, desde pequeno. Amo ter que resumir uma história numa canção. A escola onde sou compositor fixo, a São Clemente, tem enredos irreverentes. Já fiz para Bangu, Ponte e Acadêmicos de Niterói. Ganhamos com a Dragões da Real, em São Paulo. Tenho um pequeno estúdio em casa e adoro me dedicar a essas composições. É uma boa oportunidade de aprendizado.

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