O senador Ciro Nogueira (PI), presidente do PP e ex-ministro de Jair Bolsonaro (PL), reconhece que uma parte do partido quer integrar a base de apoio do governo Lula (PT). Ele afirma, no entanto, tratar-se de uma minoria na sigla.
Apesar de parte do partido articular para ocupar cargos na gestão atual, o parlamentar defende em entrevista à Folha que o PP fique na oposição.
Ciro ainda relata que integrantes do governo Lula o procuraram para saber se ele gostaria de manter indicados em cargos. Ele diz ter rechaçado a proposta.
O senador também critica a articulação política de Lula no Congresso e a classifica de “desastrosa”. “Parece até que tem um membro da oposição lá no Palácio do Planalto.”
O senador avalia ainda que seria uma injustiça do TSE (Tribunal Superior Eleitoral) tornar Bolsonaro inelegível e aponta o governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas (Republicanos), como potencial candidato à Presidência.
Temos acompanhado articulações de integrantes do PP em busca de espaços do governo Lula. O PP vai integrar a base? Se depender de mim, e acho que tenho uma certa influência no partido, em hipótese nenhuma. Nos manteremos como partido de oposição. E sinto que, além da minha vontade, a grande maioria do partido prefere ficar na oposição.
Mas o sr. admite que existe o desejo de parte do partido de integrar o governo Lula? Temos alguns parlamentares, principalmente do Nordeste, onde tem uma força maior do Lula, que têm uma identificação maior com o projeto dele. Mas não chega a 20%, 30% desses deputados da Câmara.
Ainda assim há integrantes do PP que têm cargos no governo. O presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), tem indicados na Codevasf. E há a informação sobre demanda do PP pelo Ministério da Saúde. Como existe uma demanda desse tamanho se é uma ala minoritária? Deixa eu te explicar, a situação do presidente Arthur é muito semelhante à minha. Tínhamos cargos dentro do governo Bolsonaro. Eu acho que não existe nenhum caso de o Arthur ter indicado alguma pessoa nesse atual governo. O que aconteceu é que o governo manteve [os cargos], e até em respeito ao Arthur, pela posição que ele se encontra.
Aconteceu comigo a mesma coisa. O governo, no início, manteve vários cargos que eu tinha, chegando ao ponto até de me consultar se eu não gostaria de parar de bater [no governo] para manter esses cargos. Eu disse que em hipótese nenhuma eu iria deixar de fazer oposição.
Integrantes do governo Lula fizeram isso? Foi. Eu tinha diretoria de Codevasf, [cargos] no próprio estado do Piauí, e fui sondado. Se eu quisesse manter esses cargos, tinha que cessar as minhas críticas, nem precisava apoiar. E eu disse que esses cargos estavam me constrangendo, que eu gostaria que fossem todos demitidos. Acho que com o Arthur é isso, o governo manteve em respeito ao cargo que ele ocupa.
Não há incongruência entre manter os indicados e ser oposição ou não integrar o governo? Nesse caso não, porque os cargos são muito pequenos para o Arthur —não tem nenhum cargo de relevância. Arthur, se quisesse ter indicado um ministro, ele tinha certeza que o governo tinha entregue. Ele não achou por bem fazer isso ou não me disse que iria fazer essa indicação.
E sobre o PP querer o Ministério da Saúde… Olha, eu acho que fica muito mais nas especulações do que… O Arthur me disse que nunca fez esse pleito ao presidente Lula.
Nem pretende? Espero que não.
Se fizerem a indicação, como o partido deve se posicionar? Jamais essa indicação será em nome do partido. Teríamos que ter uma reunião da Executiva para definir isso, e a maioria não quer essa indicação. Se for uma indicação pessoal dele [Lira], eu não tenho poder de veto. Mas do partido com certeza eu vetaria.
O sr. foi procurado para ter uma conversa com o presidente Lula? Fui procurado por intermediários e eu disse que não seria conveniente essa conversa. Eu tenho muito respeito e carinho pelo presidente Lula, mas é lógico que essa conversa seria para tentar uma aproximação, para tentar um apoio, e isso em nenhuma hipótese irá acontecer. Então não tinha motivo para acontecer. Chance zero de neste mandato nós estarmos juntos ao presidente Lula. Acredito que até o final dos meus dias eu jamais me aliarei ao PT.
Isso é forte para quem já foi aliado do governo Lula no passado. Eu fui, mas eu sempre fui uma pessoa de centro-direita. No passado, nós tínhamos uma falsa centro-direita, que era o PSDB. E hoje você viu, com a união do Geraldo [Alckmin] com o Lula, que eles eram muito parecidos. Agora, nós temos uma direita fortíssima e de que tenho muito orgulho de participar. Jamais irei deixá-la. Tenho esse papel a cumprir, de ser um dos líderes da direita, da centro-direita.
O fato de haver essa direita é o que justifica as dificuldades que o presidente tem enfrentado na articulação com o Congresso? A posição do governo parece ser uma coisa juvenil ainda, infantil. Eu não entendo como —já é o quinto governo do PT— eles atuam de forma tão infantil e desastrosa. Parece até que tem um membro da oposição lá no Palácio do Planalto. É o próprio Lula que tem errado absurdamente e não estava preparado para esse novo momento da política brasileira. Não adianta culpar ninguém.
O que o sr. chama de juvenil? Fazer a composição ministerial tentando buscar uma base da forma como foi feita na Câmara dos Deputados, principalmente. O governo hoje tem uma base lá, entregando ministérios, de 140, 150 deputados. É impressionante. Quem é o ministro da base que tem votos ali na Câmara dos Deputados? É um desastre. Veja hoje essa celeuma com a Daniela do Waguinho [ministra do Turismo]. Quantos votos ela tem lá?
Qual é a demanda dos parlamentares? Isso é causado pelo fim das emendas de relator? Não. Foi um novo momento da política, implantado pelo presidente Bolsonaro. Os partidos tinham muito mais aproximação com o sucesso do governo do que com cargos. Hoje, os parlamentares, diferentemente da época em que o Lula governou da outra vez, são muito mais cobrados pelos eleitores. Nós temos dois terços do Congresso que não têm identificação nenhuma com o governo. Isso tem influenciado esse insucesso do governo na composição da base.
Mas o governo Bolsonaro também distribuiu cargos. Um ou outro cargo até vá lá. Mas estatal, ministério, não.
Muitos parlamentares atrelam a dificuldade do governo de formar a base ao fim das emendas de relator. Vê essa influência? Acredito que não, acho que é mais [o problema] de identificação [com o governo]. Lógico que [as emendas] tinham influência. Mas, se fosse assim, por que a gente ia entregar emendas de relator para o PT, como aconteceu? Foram distribuídas para todos os parlamentares do Congresso Nacional. E elas não acabaram, não, pega as emendas de comissão, vá procurar a diferença.
Como o PP vai se posicionar em matérias relevantes do governo? Por exemplo, o arcabouço fiscal no Senado. Não vamos votar contra o arcabouço, vamos tentar melhorar para tornar mais rígido o controle das contas públicas. Sobre as outras matérias, vamos avaliar caso a caso. Temos uma posição de não ser contra tudo.
O julgamento do TSE que pode tornar Bolsonaro inelegível será na semana que vem. O que restaria da direita se isso ocorrer? Se essa injustiça acontecer, o TSE estará criando um líder político sem precedentes na história. Tirar o direito de um líder de 48% da população [de disputar a eleição] é vitimizá-lo e torná-lo um líder que vai poder eleger um número sem precedentes de prefeitos e vereadores no próximo ano. E o seu candidato ganhará facilmente a eleição de 2026.
Quem deve ser candidato? Não sei nem se o presidente Bolsonaro disputaria a eleição [para presidente]. Ele já expressou para mim mais de uma vez que pensa em disputar o Senado, às vezes ele fala em não disputar mais nada. Se ele não for o candidato, quem vai escolher vai ser ele. Mas política tem fila, acho que o número um é o governador Tarcísio. [Romeu] Zema [governador de Minas Gerais seria o número dois], não tenha dúvida por causa do tamanho dos seus estados.
E a ex-primeira-dama Michelle Bolsonaro? Deve ser candidata ao Senado por Brasília.
Ela já disse isso? Não, mas pelo que conheço da vida, isso aí não tem chance de eu errar não.
Depois do 8 de janeiro, encontraram uma minuta golpista na casa do Anderson Torres [ex-ministro da Justiça] e documentos de cunho golpista no celular do major Mauro Cid, que era ajudante de ordens de Bolsonaro. Isso indica que circulava a ideia de tentar invalidar o resultado das eleições. O sr. sabia dessas articulações? Não, nunca soube de nenhum tipo de articulação. Com tanto indício, acho que fica claro que algumas pessoas pensavam isso. Mas eu não tenho nem dúvida que o presidente Bolsonaro, em minuto nenhum, nem autorizou, nem orientou, nem pensou nessa situação de golpe. Bolsonaro é um democrata. Até o último minuto ele achava que ia ganhar no voto.
Ele não sabia então o que tinha no celular do Cid, que estava com ele o tempo todo? Ele fala que não tem nada a ver com isso. Eu tenho certeza que ele não tem. Eu desafio, duvido que tenha alguma mensagem do Cid falando “olha, está aqui presidente, a minuta do ato golpista”; ou “olha, vamos fazer um golpe”.
Isso agora é alvo da CPI. O Cid foi convocado. Como vão agir? Não tenho nem por que defender o Cid. Não estou condenando, mas ele que explique o que está no celular dele, qual a participação dele.
Acredita que a posição do presidente de questionar o tempo todo a validade da eleição e das urnas foi o que levou ao 8 de janeiro? O 8 de janeiro tem muitos culpados. Acho que isso aí pode ser um fator, mas o grande culpado foi a inoperância das forças que deveriam proteger os palácios e agora nós estamos vendo um general, que é o [ex-]chefe do GSI, abrindo portas para os baderneiros entrarem.
O sr. endossou o discurso de questionamentos às urnas. Se arrepende? Você tem o direito de questionar qualquer situação, não vejo problema nenhum. Confio plenamente no sistema eleitoral brasileiro, mas não significa que ele não possa ser fraudado. Bolsonaro questionou se haveria votos auditáveis e tudo o mais. Mas eu não vi o presidente dizer que houve fraude.
Esse discurso contribuiu para a derrota do presidente? Não sei se foi, mas acho que perdemos tempo com isso. Perdemos essa eleição para nós mesmos. Houve alguns erros na condução da comunicação da pandemia, por exemplo, Paulo Guedes contestando a questão do salário mínimo. Aquele louco do Roberto Jefferson com aquela louca da Carla Zambelli saindo atrás de um negro no centro de São Paulo. Algumas decisões do TSE. Muitas coisas.
Vocês pregaram a bandeira de uma nova política, de não haver corrupção, mas Bolsonaro é alvo de várias investigações. Essa narrativa de tentar macular a imagem do presidente não vai colar porque as pessoas sabem que ele é um homem de bem, um homem sério e um homem simples. Aí não cola no presidente Bolsonaro.
CIRO NOGUEIRA, 54 ANOS
É formado em direito pela PUC (Pontifícia Universidade Católica) do Rio de Janeiro. Foi eleito deputado federal pela primeira vez em 1994 e teve quatro mandatos na Câmara. Senador pela segunda vez, preside o PP. Foi ministro da Casa Civil de Jair Bolsonaro.