Prefeito do interior do Estado do Rio de Janeiro corre para criar plano de prevenção a idosos da cidade
“Parece um filme de terror”, diz o prefeito Mario Esteves, do município de Barra do Piraí, no Estado do Rio de Janeiro, que ainda não registrou contaminados por coronavírus, mas é vizinho da cidade de Volta Redonda, que tem já duas mortes confirmadas pela Covid-19.
O município tem 100.000 habitantes, e um orçamento anual de 200 milhões de reais. Entre 10% e 20% da população é de idosos, mais vulneráveis ao vírus. Por ora, há 31 cidadãos com suspeita de coronavírus, e 19 descartados. Há 12 camas de UTI na cidade, e o prefeito correu para garantir outras 7, antevendo a chegada do vírus em algum momento. Mas já sofre por antecipação diante de cenários sombrios que assiste em outros países, como Itália e Espanha, e que poderiam se repetir no Brasil, e na sua cidade. “Se 1000 pessoas vierem a contrair o coronavírus ao mesmo tempo aqui, teremos de escolher quem atender”, constata Esteves, angustiado por ter de encarar esse fantasma.
Conforme reportagem do jornal El País, eleito em 2016 pelo Partido Republicano Brasileiro (PRB), com 41% dos votos da cidade, o prefeito de Barra de Piraí vive o mesmo pesadelo dos gestores públicos não só do Brasil, como do mundo, que precisam fazer escolhas para um dos momentos mais duros da humanidade no século 21. Esteves segue o decreto estadual de fechamento de comércios e de respeitar o isolamento social neste momento. Mas não sabe se vai conseguir pagar os servidores da cidade diante da falta de arrecadação que o confinamento exige. Tem conversado com empresários da região para pensarem juntos alternativas de preservação de vidas, ao mesmo tempo em que se garanta alguma atividade econômica. Uma das ideias que surgiu entre eles é a de aproveitar a rede hoteleira da cidade para abrigar idosos que ficariam em isolamento social.
Decidiu publicar uma carta à população na sua página do Facebook para ver a reação de quem o segue na rede. “Estamos 100% convictos de que não se trata apenas de uma ‘gripezinha’. A ameaça é muito maior e requer de nós exatamente uma tomada de atitude severa”, avisa o prefeito ao longo do texto, lembrando que seguiu todos os protocolos determinados para o Estado pelo governador do Rio de Janeiro, Wilson Witzel, e as recomendações da Organização Mundial da Saúde (OMS). “No entanto, também estamos MUITO PREOCUPADOS com a situação de Barra do Piraí. O município não vai aguentar, por exemplo, três meses com tudo parado”, completa.
A ideia cogitada pelo prefeito seria bancado pelo governo municipal e a iniciativa privada. O município conta com empresas de porte, como a Vigor, de laticínios, e outras de ramo de metalurgia, além do setor hoteleiro. A proposta é que “com os idosos seguros, possamos retomar, pouco a pouco, as atividades em Barra do Piraí”, explica Esteves.
O prefeito colocou a enquete para testar o apoio e 65% concordaram com a ideia. O problema é que nem todos têm Facebook em Barra do Piraí, o que levaria a uma amostragem parcial. “Aqui, não mudo o que está decidido no decreto estadual, não vou me deixar levar por pressões”, avisa Esteves. “Enquanto não houver consenso, unificação de discurso federal e estadual, não se pode fazer nada”, diz ele, que a partir de segunda-feira, cobrará multas de idosos que estiverem circulando nas ruas sem justificativa. Sua angústia é se dividir entre a “coragem” que ele enxerga no presidente Bolsonaro por insistir na retomada econômica, e a necessidade de preservar vidas na cidade que administra. “Muito triste tudo isto, numa hora de trocar experiência sobre uma situação que nunca ninguém viveu, cada um está puxando de um lado para o outro”, conclui ele, que vê tempo precioso se perder no meio de um tiroteio político entre o Governo de Bolsonaro e os governadores.
Semeador de dúvidas
A insistência do presidente Jair Bolsonaro em reduzir os riscos da pandemia acabou semeando a dúvida entre brasileiros, algo que poderia fragilizar um consenso abraçado por 82% dos brasileiros até esta semana, como mostrou a pesquisa Atlas Político. Num sacolão, na zona oeste de São Paulo, por exemplo, o movimento aumentou nos últimos dias. Em corredores estreitos, clientes quase se esbarravam com seus carrinhos cheios. Alguns, munidos de máscaras para proteger o rosto, tentavam desviar dos ‘”apertos”. Mas nem de longe se respeitava o distanciamento recomendado de ao menos um metro de distância uns dos outros.
Questionada sobre o risco a que tanto a equipe interna do comércio, como os próprios clientes corriam diante de uma epidemia, uma funcionária justificou. “Aqui não estava tão cheio assim. Foi depois da fala do presidente que o pessoal começou a vir mais aqui”, explicou. O sacolão fica justamente na zona oeste, região paulistana onde mais casos haviam sido registrados até esta quinta. Embora parte da clientela, de classe média alta, estivesse alheia a essa informação, as demais lojas vizinhas seguiam fechadas. Poucas pessoas caminhavam nas ruas, e somente postos de combustíveis estavam abertos.
Na avenida Sumaré, no mesmo bairro, tudo estava fechado. A região tem tido panelaços diários contra o presidente, chamado de “assassino” e “genocida” desde que se colocou contrário ao confinamento. Mas apoiadores de Bolsonaro se esmeram em aumentar o som do hino nacional e gritam “Mito” para salvar a honra de seu presidente eleito. São minoria. Mas mostra a fissura de um país no meio de mensagens desencontradas sobre o que é certo e errado na condução da crise do coronavírus, que já contamina famílias inteiras, e aumenta dia a dia o número de mortos pela doença.
Desde quinta, anúncios de carreata para este domingo com o slogan “O Brasil não pode parar” — slogan similar ao utilizado por Milão, na Itália, “Milão não para” — circulam em whatsapps bolsonaristas, com proposta similar. De Curitiba a São Paulo, de Altamira, no Pará, a Salvador, na Bahia, há propostas de carreatas. No Pará, o governador do Estado, Helder Barbalho, resolver endurecer. Avisou que quem sair em carreata será impedido sob risco de ser preso.
Ironicamente, o prefeito de Milão, Giuseppe Sala, foi notícia nesta sexta ao pedir desculpas por ter apoiado a campanha de retomada econômica antes do tempo. À época, havia 17 mortes na Itália. Hoje, o país vive as consequências de uma abertura que devastou a região da Lombardia, onde fica Milão, soma mais de 3.000 e um verdadeiro colapso do sistema de saúde local.