A Parada do Orgulho LGBT+ realizada em São Paulo, no último domingo (11), colocou o governo de Tarcísio de Freitas (Republicanos) segundo Bianca Gomes e Guilherme Caetano, do O Globo, novamente em rota de colisão com a ala radical do bolsonarismo.
O evento, considerado o principal da comunidade LGBTQIAP+ do país, é realizado há cerca de três décadas e conta com patrocínios públicos e privados. Tanto a Prefeitura de São Paulo quanto o governo estadual destinam verbas à realização do festival.
Discípulos do escritor Olavo de Carvalho, ideólogo do bolsonarismo, morto em janeiro de 2022, agora acusam Tarcísio de “financiamento público da ideologia de gênero” — como a direita radical trata a agenda de costumes e direitos ligados à causa LGBTQIAP+.
Tarcísio investiu R$ 750 mil em um edital que promove as paradas e outras ações similares na capital e em cidades do litoral e interior do estado, de acordo com informações divulgadas no site oficial do governo.
Apesar da destinação de verba, houve apenas uma citação ao evento, que trazia orientações sobre o funcionamento do metrô. No site da gestão estadual, a única matéria sobre o tema foi para ressaltar a queda de roubos e furtos no megaevento da capital.
A rede de páginas em apoio a Tarcísio, controlada de dentro do Palácio dos Bandeirantes, precisou ir a campo para apagar o fogo depois de Silvio Grimaldo, diretor-executivo do site Brasil sem Medo, criado por Olavo, atacar a verba pública da Parada LGBT.
“O que faz o governador Tarcísio de Freitas, eleito com o voto bolsonarista, entregar quase R$ 300 milhões do contribuinte paulista para o movimento homossexual usar na promoção da ideologia de gênero, uma das agendas mais nefastas da esquerda?”, questionou Grimaldo em seu site.
Na segunda-feira após o festival, a página @tarcisiospgovernador, uma das contas administradas pelo irmão da ex-primeira-dama Michelle Bolsonaro, Diego Torres, lotado no palácio como assessor especial de Tarcísio, rebateu o olavista:
“Por que a direita insiste em atrapalhar a própria direita? O que faz Silvio Grimaldo, intelectual de direita, atacar gratuitamente o governador Tarcísio?”, publicou a página no Instagram. Em seguida, afirmou que não houve aumento de gasto em relação ao ano anterior. E colocou em destaque: “Este programa não foi criado pela atual gestão, mas sim por governos anteriores”.
A verba destinada à Parada não é o único alvo de críticas de bolsonaristas. Também causou incômodo a retomada da instalação do Centro Internacional de Cultura da Diversidade no Casarão Franco de Mello, na avenida Paulista. No fim de fevereiro, Tarcísio qualificou o projeto no âmbito do Programa de Parcerias de Investimentos de São Paulo (PPI-SP). A estimativa de investimento é de R$ 60 milhões, segundo o governo.
A página controlada por Torres minimiza a destinação da verba: “O projeto segue em análise pelo governo. Essa reforma ainda está sob aprovação”.
Ofensiva contra TV Cultura
A relação do Executivo estadual com olavistas passou por outra tensão recente. A secretária de Cultura do governo Tarcísio, Marília Marton, tentou emplacar o cineasta Josias Teófilo no conselho curador da Fundação Padre Anchieta, a que a TV Cultura é vinculada, e precisou voltar atrás após reação negativa do colegiado. A informação foi publicada pelo jornal Folha de S.Paulo.
Teófilo dirigiu o documentário Jardim das Aflições, dedicado a Olavo de Carvalho, e Nem Tudo se Desfaz, que conta a turbulência da última década, dos protestos de 2013 até a eleição de Jair Bolsonaro à Presidência da República, da ótica da direita.
— Foi uma reação muito feia. Engraçado que se venha na sala de uma secretária de Estado depois pedir diversidade, né? A fundação virou um clube de amigos — afirma Marília.
A secretária então sugeriu aos conselheiros o nome de Aldo Valentim, secretário da Economia Criativa e Diversidade Cultural do governo Bolsonaro. O segundo nome teve aprovação. Já Teófilo diz ter visto o episódio como “interessante”:
— Alguns dos membros do conselho disseram que não poderiam sentar comigo porque eu fiz um filme sobre Olavo de Carvalho. Então existe censura temática ou ideológica no conselho da Fundação? — diz ele.
Procurados, a TV Cultura e o governo de São Paulo não responderam.
A área cultural tem sido palco de disputa entre o governo de São Paulo e a direita radical. Apoiadores do ex-presidente Jair Bolsonaro consideram que o setor passa por uma “dominação esquerdista” no Brasil e no mundo — motivo que tem engajado ultraconservadores a tentar desmontar políticas públicas consideradas progressistas.
Como O Globo mostrou em abril, a TV Cultura vem passando por um cabo de guerra com bolsonaristas. A emissora é vinculada ao governo de São Paulo por meio da Fundação Padre Anchieta, custeada com verba do estado e recursos próprios obtidos junto à iniciativa privada, e está sob o guarda-chuva da Secretaria de Cultura e Economia Criativa.
Naquele mês, a TV Cultura apagou de sua conta no YouTube um documentário crítico à extrema direita após pressão do deputado federal Eduardo Bolsonaro (PL) e de seus aliados. Intitulado “O Autoritarismo está no ar — 3 anos depois”, o programa produzido pela emissora era uma atualização de um documentário sobre os riscos democráticos com o avanço da extrema direita no Brasil e no mundo, veiculado em 2020. Após a repercussão negativa, a emissora republicou o material.