Por José Renato Nalini
Eleições municipais são as mais importantes para a maioria das pessoas. André Franco Montoro repetia como um mantra: ninguém nasce na União, nem no Estado. As pessoas nascem na cidade. A naturalidade marca uma trajetória e o berço natal é a melhor referência. É raro nascer por acaso em outro lugar, que não aquele em que se tem lastro. O território que guarda os ossos dos antepassados, que sela a ideia de pertencimento. Já foi comum o radicar-se por toda uma existência numa só cidade. Só recentemente o mundo ofereceu a oportunidade de se viajar e de se tornar nômade. Algo que a pandemia reverteu. Vai demorar até que a volúpia das viagens retome o ritmo frenético dos últimos anos.
Tudo isso para falar que a cidade em que moramos precisa merecer mais carinho. Todos nós temos responsabilidade por sua higidez. E se a figura do Prefeito é considerada a mais importante, o grande “chefe” municipal, o vereador não é personagem subalterno.
Na formatação de Montesquieu para a interminável discussão a respeito da divisão de funções estatais, o Parlamento é o Poder mais relevante. É aquele que formula as regras do jogo. A rigor, na concepção de Estado de direito, o Executivo é mero aplicador da lei. Administrar é cumprir a lei. Ao Judiciário resta a missão de fazer incidir a vontade concreta da lei quando surgir o conflito.
Quem detém as rédeas do poder é o Legislativo. Só que por uma perversa deformação, aos poucos o Executivo foi se tornando cada vez mais poderoso e o Legislativo foi perdendo espaço. O Brasil é um exemplo típico dessa deterioração no tenso mecanismo da convivência harmônica, porém independente, entre os Poderes.
O constituinte de 1988 estabeleceu uma fórmula insólita de Federação, convertendo o Município em uma das entidades federativas. Mas isso não parece ter sido para valer. O representante do povo na Casa de Leis do Município tem sido coibido de sua função de ordenar a convivência cidadã, pois a maior parte das normas produzidas nas Câmaras Municipais é considerada inconstitucional.
Sempre optei por reconhecer ao Município o seu status de entidade federativa e de poder solucionar as questões locais de acordo com a cultura da cidade. São Paulo tem 645 municípios, a maior parte deles desprovida de condições de exercer com relativa autonomia e de acordo com o desejo de seus munícipes, o seu papel desenvolvimentista.
Se o legislador local não puder estabelecer normas, ele verá reduzida a sua competência, mutilado o rol de suas atribuições. O Município é, ou não é, uma entidade da Federação? Se essa foi a escolha do constituinte, o encarregado de pactuar a vontade popular, por que não observar o princípio e dar-lhe consistência?
O vereador é a autoridade mais próxima à população. É aquele que vive a realidade da rua, do bairro, da região. Tem condições de estabelecer as normas de conduta reclamadas para um convívio digno. Se impedido de elaborar leis, só restará aquela função reducionista de conceder títulos, propor denominações e homenagens.
Já houve tempo, no Brasil colonial e do Império, em que o Intendente municipal era um integrante da Câmara dos Edis. Verdadeiro parlamentarismo que funcionava bem. Mas que foi abandonado por um regime em que, aos poucos, as Câmaras Municipais foram perdendo poder, prestígio e autoridade.
É importante retomar a boa senda. Devolver prestígio à Câmara Municipal. Fazê-la a voz do povo junto ao Executivo. Reconhecer o seu papel precípuo de legislar. Incentivar a coligação de municípios para exigir o cumprimento da Constituição, naquilo que concerne a uma verdadeira Federação. Para isso, o município precisa ter maior autonomia e, também, recursos para exercê-la com proficiência.
Grande parte desse fenômeno de depauperamento edilício é devido ao comportamento omisso da própria população. Vota-se no vereador e depois há uma completa desvinculação dele no exercício do mandato. Uma Câmara que vier a contar com a participação ativa da cidadania, estará fortalecida para atuar com audácia e ousadia, além da imprescindível coragem.
É urgente voltar ao modelo de Montesquieu. Ele prevaleceu e se mostrou viável e factível até o século XXI. Não existiu ainda uma formulação diversa. Então, para escolher um vereador, é preciso atentar para as suas condições de ser o seu representante junto à Casa que tem por atribuição estabelecer as regras do jogo.
A vida municipal será mais importante a cada dia, depois que a praga impediu deslocamentos, aglomerações e a prudência recomenda a fixação no seu espaço doméstico, familiar e de um círculo social que não abranja o universo. O vereador é o seu porta-voz para os problemas que realmente interessam. Escolha bem e acompanhe o seu trabalho. Fiscalize, cobre, opine, dê sugestões e critique. Esse o dever cidadão de toda pessoa consciente e desejosa de que o Brasil que temos chegue um dia ao Brasil com que sonhamos.
*José Renato Nalini é reitor da Uniregistral, docente da pós-graduação da Uninove e presidente da Academia Paulista de Letras – 2019-2020