Há quatro anos, Eduardo Paes (PSD) conquistou a prefeitura do Rio de Janeiro gastando R$ 11,2 milhões do fundo eleitoral (valores atuais). Em busca da reeleição, ao que tudo indica em primeiro turno, o atual prefeito recebeu até o momento R$ 21,3 milhões de seu partido – ou melhor, do contribuinte brasileiro.
O Congresso Nacional decidiu que o fundo eleitoral deste ano será de R$ 4,9 bilhões, o maior da história. Quatro anos atrás, o valor foi de R$ 2,035 bilhões – corrigido pelo IPCA, isso daria R$ 2,65 bilhões em dinheiro de hoje.
Ou seja, sem nenhuma justificativa plausível, os deputados e senadores (com a conivência de Lula, que não vetou a proposta) elevaram o volume de recursos públicos nas campanhas eleitorais em praticamente 85%.
Até a última sexta-feira (27), os partidos já haviam gastado R$ 3,8 bilhões nas campanhas. Assim, mesmo faltando R$ 1,1 bilhão para aplicar na última semana do primeiro turno e ainda nas disputas que ficarem para ser decididas definitivamente no dia 27 de outubro, os partidos já dispenderam R$ 1,15 bilhão (43%) a mais do que no pleito municipal anterior, descontada a inflação do período.
Com tanta folga de caixa, é importante verificar para onde está indo essa dinheirama. A primeira constatação é que os partidos estão direcionando muito mais recursos para candidatos a vereador e vice-prefeito nestas eleições.
Embora os aspirantes à chefia do Poder Executivo municipal ainda recebam a maior fatia do bolo (40,2% até o momento), em relação a 2020 o volume distribuído aos candidatos a vereador já subiu 326,5%, e para os vice-prefeitos 239,2%. Aliás, Marta Suplicy (PT), companheira de Guilherme Boulos (Psol) na chapa para a prefeitura de São Paulo, é até agora a candidata que mais dinheiro recebeu do fundão eleitoral neste ano: R$ 30 milhões. Amanda Brandão, a Índia Armelau (PL), vice de Alexandre Ramagem no Rio, já recebeu R$ 19,5 milhões.
Mesmo com a ressalva de que mais de um quarto da dotação total do fundão ainda não foi gasta, salta aos olhos como alguns Estados estão sendo inundados com dinheiro nesta disputa.
O estado de Mato Grosso do Sul por enquanto é o campeão: o volume recebido por seus candidatos mais do que quintuplicou em relação à eleição anterior (de R$ 13,2 milhões para R$ 74,8 milhões). Na sequência vêm Rondônia (variação de 354,4%), Santa Catarina (344,2%), Mato Grosso (318,6%) e Rio Grande do Norte (306,2%).
Nos municípios, a força do financiamento público de campanhas segue uma lógica mista de tamanho do eleitorado e acirramento da disputa. São Paulo (R$ 182,3 milhões), Rio de Janeiro (R$ 117,3 milhões) e Belo Horizonte (R$ 63,5 milhões) lideram. Com cinco candidatos com chances de ir para o segundo turno, de acordo com as pesquisas, a capital mineira recebe neste ano quase quatro vez mais recursos (285%) do que na disputa anterior.
Há aumentos expressivos na alocação do dinheiro do fundão em outras capitais com desfechos para o primeiro turno em aberto, como Campo Grande (+454%), Cuiabá (+343%) e Belém (+320%), entre outras.
Com o fundão turbinado, os investimentos vazam para além das capitais, principalmente para municípios com grande eleitorado.
A campanha para a prefeitura e a Câmara de Niterói-RJ já movimentou até o momento R$ 18,4 milhões, quase seis vezes a mais do que o gasto total em 2020 (R$ 3,2 milhões). Guarulhos-SP, Duque de Caxias-RJ, Uberlândia-MG, São Bernardo do Campo-SP, São Gonçalo-RJ, Campina Grande-PB, Caruaru-PE e Santos-SP são todas cidades nas quais os partidos já alocaram mais de R$ 10 milhões nesta eleição.
Analisando a prestação de contas das legendas, é possível identificar que não apenas os candidatos estão gastando mais. Até o momento, os diretórios nacionais dos partidos já contrataram diretamente R$ 82,7 milhões em bens e serviços, bem acima da despesa total de R$ 40,1 milhões quatro anos atrás.
As cúpulas dos partidos elevaram o montante de pagamentos por serviços contábeis (R$ 18,8 milhões até agora), escritórios de advocacia (R$ 17,8 milhões) e programas de rádio e TV (R$ 11,7 milhões).
Os diretórios nacionais ampliaram os gastos com impulsionamento de conteúdo nas redes sociais de R$ 310 mil nas eleições de 2020 para R$ 2 milhões neste ano. Na direção oposta, a contratação de pesquisas eleitorais recebeu até agora R$ 1,7 milhões, menos do que os R$ 4,03 milhões do pleito anterior.
Com tanto dinheiro público circulando entre políticos, é bom a Justiça Eleitoral abrir o olho quanto ao risco de desvios.
Nas prestações das contas dos diretórios nacionais, já aparecem evidências de maus feitos: até o momento foram registrados R$ 305,7 milhões de despesas comprovadas com simples recibos, contra apenas R$ 21,7 milhões registrados em notas fiscais.
Sobra dinheiro, falta controle e a cada eleição os brasileiros se afastam mais da política, que virou um espetáculo grotesco que mistura reality show, culto e MMA.
Por Bruno Carazza – Ele é professor associado da Fundação Dom Cabral e autor de “O País dos Privilégios (volume 1) e “Dinheiro, Eleições e Poder”, ambos pela Companhia das Letras. Escreve às segundas-feiras no jornal Valor.