A cobrança pública de Jair Bolsonaro (PL) ao governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas (Republicanos), por sua postura favorável à aprovação da Reforma Tributária deu sinal verde para aliados expressarem a insatisfação com o ex-ministro da Infraestrutura. Após a divulgação de registros feitos de uma reunião do PL antes da votação na Câmara, em que Tarcísio aparece sendo hostilizado pelos presentes, a militância bolsonarista passou a cobrá-lo com ainda mais desenvoltura.
Para aliados do governador na política paulista, o episódio desta semana fez reviver segundo nota de Guilherme Caetano, no O Globo, uma série de outros casos de estresse entre o Palácio dos Bandeirantes e sua base eleitoral. Relembre, abaixo, outras vezes em que Tarcísio irritou os bolsonaristas.
1) Formação do gabinete
Tarcísio cercou-se de pessoas de confiança trazidas de Brasília, como Arthur Lima (Casa Civil), Lais Vita (Comunicação), Natália Rezende (Meio Ambiente e Infraestrutura), Jorge de Lima (Desenvolvimento Econômico) e Rafael Benini (Parcerias em Investimentos), mas deu cargos de poder e influência ao grupo de Gilberto Kassab, presidente do PSD. O próprio Kassab ficou com a Secretaria de Governo, incumbida da articulação política. O conselheiro da campanha, Guilherme Afif Domingos, ficou responsável pela Secretaria Especial de Projetos Estratégicos.
Duas pastas foram entregues a “bolsonaristas raiz”: Sonaira Fernandes (Políticas para a Mulher) e Guilherme Derrite (Segurança Pública). Até hoje, aliados próximos ao ex-presidente reclamam da falta de espaço e orçamento para seus projetos.
O grupo do deputado federal Eduardo Bolsonaro (PL-SP) com frequência pressiona o governo por mais espaço — ou ao menos para afastar a esquerda do Executivo. Eles têm especial queixa com os setores da Comunicação e da Cultura, e já chegaram a pressionar o palácio por causa de um documentário da TV Cultura, vinculada ao estado de São Paulo, que fez críticas à extrema-direita.
2) Encontro com Lula em Brasília
Após os ataques de apoiadores de Jair Bolsonaro aos prédios dos Três Poderes em Brasília, em 8 de janeiro, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) convocou todos os governadores para uma demonstração de união. Tarcísio viajou a Brasília para se encontrar pela primeira vez com Lula e foi bombardeado pela militância radical, que não engoliu a cena do governador eleito com o manto do bolsonarismo ao lado do maior inimigo do ex-presidente.
3) Aval a cannabis medicinal
Em janeiro, Tarcísio sancionou um projeto de lei que garante o fornecimento de medicamentos à base de cannabis pelo SUS de São Paulo. A proposta, de autoria do deputado Caio França (PSB), foi aprovada na Assembleia Legislativa de São Paulo (Alesp) em 21 de dezembro do ano passado sob a oposição da bancada evangélica e dos principais deputados bolsonaristas da Casa, como Gil Diniz (PL) e Douglas Garcia (Republicanos).
Embora boa parte de sua base seja contrária ao fornecimento desses medicamentos no SUS, Tarcísio disse a aliados que não se trata de uma pauta ideológica, e sim de saúde pública, visto que a medida deve beneficiar pessoas com síndromes raras, Parkinson, epilepsia e Alzheimer. O gesto foi lido como um ato de independência da agenda bolsonarista.
4) Autorização para feira do MST
O governo de São Paulo autorizou que o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) organizasse sua Feira Nacional da Reforma Agrária no parque da Água Branca, em São Paulo. Como o parque é estadual, é necessário o aval do Palácio dos Bandeirantes.
O evento não ocorria no local desde 2018. No ano seguinte, a realização da feira no parque foi vetada pelo governador João Doria — o que embasou a crítica de bolsonaristas sobre a decisão de Tarcísio permiti-la.
5) Ofensiva sobre a TV Cultura
Em março, a pressão do grupo de Eduardo Bolsonaro sobre a Secretaria de Cultura de Tarcísio levou a TV Cultura, emissora vinculada ao estado, a tirar do ar um documentário crítico à extrema-direita. O programa retratava os episódios do 8 de janeiro, quando apoiadores do ex-presidente depredaram os prédios dos Três Poderes em Brasília.
A transmissão do programa, em 23 de março, irritou bolsonaristas. Eduardo levou a queixa ao governo paulista, segundo relataram dois aliados do deputado. O vídeo foi republicado no dia 13 de abril, após repercussão na imprensa. A Fundação Padre Anchieta, no entanto, negou conflitos políticos e informou que se tratou de uma falha técnica.
Eduardo teria argumentado que o governo do PT jamais permitiria que a EBC, empresa de comunicação federal, transmitisse um documentário crítico ao MST, movimento social de trabalhadores sem-terra e próximo do partido do presidente Luiz Inácio Lula da Silva.
6) Reajuste aos policiais
Outro atrito recente ocorreu quando o governo Tarcísio inseriu na proposta de reajuste salarial de policiais um artigo que aumentava a taxa de contribuição previdenciária. Pressionados pela base eleitoral, deputados reclamaram ao governador, que recuou e retirou a medida do texto.
A bancada do PL na Alesp se enfureceu com uma mensagem enviada pelo coordenador das Secretarias de Administração Penitenciária e Segurança Pública, Rafael Ramos, a grupos de policiais no WhatsApp, segundo a qual a base governista teria traído Tarcísio por dificultar a aprovação do projeto. Policiais civis, penais e investigadores, preteridos do aumento, chegaram a realizar ato na Assembleia contra o reajuste menor em relação aos PMs.
A crise foi contornada após o recuo, e o projeto foi aprovado por unanimidade em 23 de maio. Deputados bolsonaristas criticaram, porém, o que consideraram falta de presença de Tarcísio em lidar com o caso.
7) Parada LGBT
A Parada do Orgulho LGBT+ realizada em São Paulo, em junho, colocou Tarcísio novamente em rota de colisão com a ala radical do bolsonarismo. O evento, considerado o principal da comunidade LGBTQIAP+ do país, é realizado há cerca de três décadas e conta com patrocínios públicos e privados. Tanto a Prefeitura de São Paulo quanto o governo estadual destinam verbas à realização do festival.
Discípulos do escritor Olavo de Carvalho, ideólogo do bolsonarismo morto em janeiro de 2022, no entanto, acusaram Tarcísio de “financiamento público da ideologia de gênero”. O governo de São Paulo investiu R$ 750 mil em um edital que promove as paradas e outras ações similares na capital e em cidades do litoral e interior do estado, de acordo com informações divulgadas no site oficial do governo.