O avanço do coronavírus no país colocou as restrições ao contato social entre as principais medidas contra o avanço da doença covid-19 e levantou o debate no meio político sobre o eventual adiamento das eleições de outubro, quando serão escolhidos prefeitos e vereadores em todos os municípios brasileiros.
A preocupação é que não seria prudente promover as tradicionais filas e aglomerações nos locais de votação, que poderiam se tornar, assim, um foco de propagação do vírus.
O adiamento das eleições chegou a ser sugerido pelo ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, mas foi rejeitado pelo presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), e por ministros do TSE (Tribunal Superior Eleitoral).
Segundo o ministro da Saúde, em declaração em entrevista recente, a velocidade de transmissão do vírus deve começar a cair nos meses de agosto e setembro.
O primeiro turno das eleições está previsto para o dia 4 de outubro, e o segundo turno, 25 de outubro. A campanha eleitoral começa 16 de agosto, pelo calendário atual.
Além de não haver consenso político, esse tipo de mudança também não é juridicamente simples.
Mudança na Constituição
Primeiro, seria necessário a aprovação de uma PEC (Proposta de Emenda à Constituição), pois as datas das votações do primeiro e segundo turno eleitorais estão fixadas na Constituição Federal: o primeiro e o último domingo de outubro.
As emendas à Constituição são o tipo de proposição legislativa que exigem maior consenso para serem aprovadas: o voto de 3/5 dos parlamentares, o que equivale a 308 dos 513 deputados e a 49 dos 81 senadores.
Além disso, o rito de votação é mais complexo: são dois turnos de votação na Câmara dos Deputados e mais dois turnos no Senado Federal. Se em alguma das quatro rodadas de votação o apoio mínimo de 3/5 dos parlamentares não for atingido, a proposta é rejeitada.
“Não tem jeito de mudar a data das eleições sem uma emenda constitucional, esse primeiro passo é indispensável”, afirma a advogada Marilda Silveira, professora de direito eleitoral do IDP (Instituto Brasiliense de Direito Público). “As modificações subsequentes têm que ser feitas na Lei 9.504, que é a Lei das Eleições. É lá que está previsto o prazo das convenções partidárias, por exemplo”, diz a professora.
Alteração nos prazos eleitorais
Além de aprovar uma PEC alterando a data das eleições deste ano, o Congresso Nacional também teria que mudar uma série de regras sobre prazos eleitorais previstas na Lei das Eleições (Lei 9.504/1997).
Por exemplo, seria preciso ajustar a data limite para o registro dos candidatos e o início da propaganda eleitoral, hoje fixados em 15 de agosto.
A alteração na lei possui um rito de aprovação mais simples. Basta que a maioria dos parlamentares presentes à votação seja favorável à mudança no texto legal e, se aprovada sem alterações relevantes, basta uma única votação na Câmara e no Senado.
Em seguida o texto segue para a sanção do presidente da República, diferentemente da PEC, que é promulgada pelo próprio Congresso, sem precisar do aval do Executivo.
Já outros prazos importantes da disputa eleitoral seriam alterados automaticamente com a eventual mudança na data da votação. Isso valeria, por exemplo, para a exigência de estar filiado a um partido a pelo menos seis meses do dia da votação, e de estar alistado como eleitor no local do cargo ao qual pretende concorrer, pelo mesmo prazo.
Novos partidos
Outro prazo que seria alterado junto com a mudança da data da votação é a data limite para que novos partidos possam disputar as eleições.
A Lei das Eleições exige que os partidos estejam registrados no TSE a pelo menos seis meses antes da eleição. Hoje, esse prazo termina no dia 4 de abril.
Na hipótese de as eleições deste ano serem adiadas, isso daria mais prazo para a tentativa do presidente Jair Bolsonaro (sem partidos) de colocar de pé o partido Aliança pelo Brasil. Atualmente o projeto está na fase de recolhimento de assinaturas de apoio para a criação da nova legenda.
Para criar um novo partido político, o tribunal exige uma lista com assinaturas equivalentes a 0,5% do total de votos válidos na última eleição para a Câmara dos Deputados, o que equivale a 491.967 apoiadores sem filiação partidária divididos em pelo menos nove estados. Hoje é considerado improvável que o Aliança apresente esse número de assinaturas até o dia 4.
Unificação das eleições
O debate sobre o adiamento das eleições também jogou luz sobre uma proposta antiga no meio político, a de unificar os pleitos para prefeito, presidente e governador. Dessa forma, em vez de votarem a cada dois anos, os brasileiros iriam às urnas apenas de quatro em quatro anos, quando escolheriam todos os seus representantes, do nível municipal ao federal.
A proposta foi defendida pela CNM (Confederação Nacional dos Municípios), que reúne os prefeitos de todo o país, e foi defendida por senadores que tentam angariar apoio para a apresentação de uma PEC (Proposta de Emenda à Constituição) com a mudança.
Juridicamente, essa medida encontraria maiores dificuldades por causa da questão sobre o que fazer com os mandatos em curso. Ou seja, prefeitos e vereadores que foram eleitos em 2016 ficariam nos cargos até 2022, ganhando mais dois anos de mandato?
“Uma coisa é prorrogar o tempo do mandato numa reforma eleitoral, para os próximos mandatos. Outra coisa é prorrogar os mandatos em curso, isso encontraria uma restrição severa na Constituição”, avalia a advogada Marilda da Silveira.
Isso porque, segundo Marilda, o prolongamento dos mandatos só poderia ser feito no limite estritamente necessário para a realização das eleições em segurança. Ela baseia esse raciocínio no princípio da periodicidade do voto, previsto na Constituição como cláusula pétrea, ou seja, que não pode ser modificada nem mesmo por uma PEC.
“O Supremo já enfrentou esse tema e entendeu que essa periodicidade está vinculada ao mandato que a pessoa exerce”, afirma a advogada.
Luciana Lóssio também diz acreditar ser inconstitucional prorrogar os mandatos atuais de prefeitos e vereadores até 2022.
“Você vota para que o candidato permaneça por quatro anos. Eu entendo que isso é inconstitucional”, afirma Luciana. “Faça uma nova eleição para que o eleitor compareça sabendo que vai entregar seu voto a alguém que vai governar por dois anos e depois se faz uma outra eleição [em 2022]”, diz.
A ex-ministra do TSE afirma acreditar que a agilidade conferida pelo voto eletrônico ao processo eleitoral faz com que seja possível realizarmos as eleições ainda em 2020, mesmo que seja necessário adiar a votação de outubro.
“O adiamento das eleições está sendo debatido em razão de preservar a saúde pública, para que todos os brasileiros possam comparecer à urna e exercer seu direito à cidadania, não para utilizar esse momento dramático para repensar em projetos como o da unificação das eleições daqui a dois anos”, afirma a advogada.