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domingo 27 de setembro de 2020 às 14:29h

Pandemia põe saúde no foco da campanha eleitoral

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Pandemia faz SUS reduzir em 1,1 milhão número de atendimentos eletivos, retrocedendo 12 anos na prevenção de doenças; tema está no centro do debate das eleições 2020

A cada quatro anos, a saúde é tradicionalmente apontada por eleitores como a área a ser priorizada por candidatos a comandar os 5.570 municípios brasileiros. Pesquisa Ibope divulgada pelo Estadão mostra que 33% dos paulistanos apontam a saúde como a sua maior preocupação.

Nas eleições 2020, a pandemia de covid-19 torna ainda mais urgente a demanda por propostas que reduzam a fila por exames, consultas com especialistas e cirurgias de menor complexidade – uma atribuição da Atenção Primária, sob o comando de prefeituras.

O Ministério da Saúde aponta uma queda de 16,3% nesse tipo de atendimento de janeiro a julho deste ano se comparado ao mesmo período do ano passado. Segundo levantamento feito pelo Estadão, todos os 31 procedimentos considerados padrão pelo Sistema Único de Saúde (SUS) tiveram redução. Foram pouco mais de 6 milhões – uma diferença de 1,16 milhão em relação a 2019.

Na prática, a prioridade dada pelas redes de saúde de todo o País ao tratamento de pacientes infectados com o novo coronavírus fez com que o SUS retrocedesse ao menos 12 anos na prevenção de doenças por meio de atendimentos eletivos. Em 2008, primeiro ano da série histórica disponível para consulta, foram feitos 6,3 milhões de procedimentos padrão.

No caso de cirurgias de mama, por exemplo, o Sistema Único de Saúde (SUS) realizou 12.003 procedimentos neste ano. Em 2016, entre janeiro e julho, haviam sido 19.880. A queda também é acima da casa de 30% em cirurgias de visão e do aparelho digestivo.

O retrocesso no número de cirurgias é acompanhado pelo total de consultas com especialistas, que antes registrava ligeiro aumento ano a ano, mas que caiu diante do coronavírus. Foram 188,4 mil atendimentos em 2020, contra 218,6 mil em 2016.

Na contramão, a pandemia forçou os municípios a ampliarem o número de leitos clínicos de suas redes hospitalares, elevando ainda os custos do sistema e deixando uma herança para os futuros governantes.

Neste primeiro dia de campanha, especialistas ouvidos pela reportagem apontam os principais desafios e também algumas soluções possíveis. Os vencedores das eleições 2020 terão de comandar um sistema ainda mais deficitário por estrutura e verba e apto a vacinar a população contra o novo coronavírus.

O cenário geral, especialmente dos municípios grandes e médios, é de um sistema público inchado, em decorrência da recessão econômica e da alta do desemprego. Mas também desigual, por causa dos modelos de gestão estarem em boa parte divididos entre a administração direta e a crescente participação das Organizações Sociais, nem sempre de forma exitosa.

Professor da Faculdade de Saúde Pública da USP, Gonzalo Vecina afirma que atualizar as agendas médicas das doenças crônico-degenerativas que deixaram de ser cumpridas é medida urgente a ser tomada. Por causa da pandemia, não se deu início, por exemplo, a internações para tratamento de câncer, cirurgias cardíacas e colocação de marcapasso, entre diversos outros procedimentos.

Pressão por mais recursos atingirá todas as prefeituras

Diante de uma economia em recessão, manter o volume de gastos da saúde será, se não o maior desafio a ser enfrentado pelos eleitos e eleitas, o mais difícil de ser alcançado. Em tempos ditos normais, a inflação da saúde já é um empecilho, quem dirá durante uma pandemia.

A Constituição Federal determina que os municípios devem aplicar ao menos 15% de sua receita na saúde pública. Nas capitais, isso nem sempre é o suficiente. São Paulo, por exemplo, aplicou 18,6% de seu orçamento na área em 2019.

Porta de entrada do SUS, as redes municipais têm pago uma parcela cada vez maior do custo do sistema. Apesar de, na média nacional, o governo federal ainda ser o maior patrocinador da saúde pública, com 43%, o que se observa é uma crescente participação dos demais entes federativos.

No Estado de São Paulo, por exemplo, as prefeituras já pagam quase a metade dessa conta, segundo dados de 2017 do Siops, o banco de dados do ministério. São R$ 601 por habitante, na média. Resultado da recessão que se arrasta desde 2014 e leva pacientes que tinham plano de saúde de volta para a fila municipal.

Na capital, esse retorno levou a Prefeitura, em números correntes, a ampliar seu orçamento para a saúde de R$ 7,7 bilhões, em 2018, para R$ 8,2 bilhões – valor que representou 46% do total gasto na cidade pelas três esferas de poder.

Falta de estrutura de unidades de saúde dificulta uso da telemedicina

Apontada por especialistas como uma ferramenta capaz de melhorar a qualidade do serviço prestado pela rede pública, a telemedicina ainda é incipiente no Brasil. Segundo dados da Fiocruz, 43% das Unidades Básicas de Saúde do País não utilizam a Telessaúde, programa do Ministério da Saúde dedicado a ofertar conteúdos educacionais, consultorias, diagnóstico e monitoramento, além de sistema de regulação. Todos a distância.

Entre os empecilhos apresentados pelas unidades estão problemas que vão desde dificuldades de conectividade, como falta de internet ou rede lenta, falta de treinamento e ausência de infraestrutura, incluindo computadores insuficientes e salas inadequadas. Em 2017, 48% das UBSs nem sequer tinham uma linha de telefone.

“Ter acesso à telemedicina é mais fundamental ainda em locais remotos, onde é muito difícil chegar de forma presencial. A tecnologia favorece a qualidade do cuidado com o paciente, seja ajudando no diagnóstico ou fornecendo uma segunda opinião sobre tratamento. E, a médio prazo, ainda pode reduzir custos”, diz a pesquisadora Márcia Fausto, da Fiocruz.

Mesmo na maior cidade do País, o uso da tecnologia ainda engatinha na saúde. Em uma sala pequena, com apenas três computadores, uma equipe de 15 médicos de diferentes especialidades se reveza para ajudar remotamente 600 profissionais de UBSs das zonas norte e oeste de São Paulo.

Pioneiro, o projeto foi criado em julho do ano passado a partir de uma parceria entre a Associação Paulista para o Desenvolvimento da Medicina (SPDM) e a Secretaria Municipal da Saúde. Hoje, soma pouco mais de 1,3 mil atendimentos.

“A ideia surgiu a partir de dificuldades que percebemos em relação à contratação de especialistas, demora nas consultas e faltas de pacientes por conta de grandes deslocamentos na cidade”, conta o pneumologista João Ladislau Rosa, diretor técnico da Rede Assistencial da Supervisão Técnica de Saúde (Rasts) Vila Maria/Vila Guilherme.

O funcionamento é simples: toda vez que um profissional tem dúvidas sobre o diagnóstico do paciente que está atendendo, pode preencher um formulário eletrônico e solicitar ajuda a um especialista. A conversa pode ocorrer na presença do paciente, ser realizada por videoconferência ou mesmo por meio de um chat que permite não só a troca de mensagens, mas também o envio de fotos e exames.

“Com a telemedicina, você aumenta a resolutividade da ponta duas vezes. Primeiro, quando orienta o médico e resolve o problema do paciente ali no atendimento, evitando que ele enfrente filas para consultas. Segundo, porque capacita aquele profissional, que depois de algumas dúvidas vai saber resolver o caso sozinho”, explica a pneumologista Silvia Rondina Mateus, que presta atendimentos e é assessora técnica da rede. Outro benefício é a identificação de casos urgentes já na UBS.

Mesmo sendo a maior cidade do País, São Paulo enfrenta desafios para a implementação da telemedicina – o sistema exige treinamento dos profissionais e disponibilização de computadores em todos os consultórios, o que ainda não é realidade, segundo Ladislau. Mas o que a experiência na capital mostra é que os resultados, a longo prazo, valem a pena.

“Como há uma qualificação do atendimento, há uma necessidade menor de exames de alta complexidade, o que já reduz os nossos custos”, diz Silvia. Além disso, ela afirma que a resolução de casos na UBS evita idas desnecessárias ao pronto-socorro e internações. E também é mais fácil controlar o paciente na UBS e evitar crises agudas.

Segundo a pesquisadora Márcia Fausto, se a pandemia fez com que a sociedade valorizasse novamente o SUS, ela também mostrou que investir em telemedicina é investir na qualidade do sistema. “O atendimento presencial nunca será subjugado, é claro, mas a tecnologia pode favorecer em todos os sentidos.”

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