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Legenda: Os CAPS AD são unidades voltado para o tratamento dos usuários que fazem uso de álcool e outras drogas Foto: JL Rosa
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domingo 24 de outubro de 2021 às 16:21h

Pandemia acentua uso abusivo de álcool e amplia alerta sobre necessidade de garantia de tratamento

NOTÍCIAS, SAÚDE


Uma droga socialmente aceita, cujo consumo, culturalmente, não costuma ser mal visto. Também por isso, quando o uso de álcool é abusivo e, portanto, problemático, o enfrentamento à situação é mais complexo.

Na pandemia de Covid, com o agravamento de problemas sociais, emocionais e financeiros, dentre outros, o dilema quanto ao alcoolismo, que desde 1967, é considerado pela Organização Mundial da Saúde (OMS) uma doença crônica, de aspectos comportamentais, cresce.

Quem lida com o tratamento de pessoas que fazem uso abusivo de álcool, tanto no Hospital de Saúde Mental, em Messejana, como nos Centros de Atenção Psicossocial Álcool-Drogas (Caps AD), nas Capitais, conforme o Diário do Nordeste.

Profissionais ressaltam a necessidade de garantir atendimento, sobretudo, em tempos tão difíceis.

Além disso, tendo em vista que os efeitos da dependência do álcool nem sempre são imediatos, as consequências do atual contexto poderão ser sentidas, de forma mais aguda, apenas nos próximos anos.

Uma pesquisa feita pela Organização Pan-Americana da Saúde (OPAS) em 33 países e dois territórios das Américas apontou, em novembro de 2020, que 42%, dos 3,3 mil brasileiros entrevistados, relataram alto consumo de álcool durante a pandemia.

Estudo divulgado neste mês por um grupo da Escola Paulista de Medicina da Universidade Federal de São Paulo (EPM-Unifesp) aponta que 23,7% dos brasileiros com 60 anos ou mais consomem álcool, e destes, 6,7% consomem várias doses em uma única ocasião, padrão de consumo abusivo. Além disso, 3,8% costumam beber de 7 a 14 doses por semana.

Agravantes na pandemia

Os dados evidenciam o problema realçado no contexto da crise sanitária. Em Fortaleza, no Caps AD da Regional III, onde, em geral, são tratados casos crônicos de uso problemático das drogas, a psicóloga Raquel Cerdeira explica que cerca de “metade dos usuários fazem uso abusivo de álcool”.

Na pandemia, a percepção é que quadros de usuários do serviço que já eram problemáticos, pioraram.

“O álcool é separado na política pública nacional de outras drogas para dar ênfase no problema que ele é. De todas as drogas é a que causa o maior problema de saúde pública. Porque ele é legal, por essa cultura (do consumo) que é milenar. Ele é um uso social. Por conta disso, é bem aceito e causa mais problemas de saúde pública”.

RAQUEL CERDEIRA
Psicóloga

De acordo com ela, na pandemia a demanda por atendimentos teve variações, sendo reduzida durante os períodos de isolamento rígido e voltando a ter ênfase no atual momento, de melhoria do cenário da crise sanitária.

“O que vimos foi que durante os lockdowns, a procura caiu, seja porque as pessoas que tinham uso dependente ou abusivo problemático, como a gente chama, passaram a consumir mais álcool e outras drogas, seja porque as pessoas tinham medo. A pandemia piorou de forma muito importante o que quadros que já eram problemáticos”.

RAQUEL CERDEIRA
Psicóloga

Ela também explica o que é oferecido no Caps aos usuários. “O paciente é acolhido. É feita uma primeira avaliação. Se o usuário está buscando o serviço para ter um uso mais saudável, ou se ele quer parar completamente de usar aquela substância. E dependendo do grau do uso, existem várias ofertas do que chamamos de Projeto Terapêutico Singular”.

Busca e ter acesso ao tratamento

O morador de Fortaleza, Chico Gois, 56 anos, por fazer uso abusivo de álcool e outras drogas, em 2010, procurou pela primeira vez um Caps. Deixou o tratamento e retornou em 2013. Desde então, é acompanhado no Caps da Regional V e ressalta:

“O primordial de você conseguir ajuda, é você assumir que tem aquele problema. É admitir que tem aquele problema. Um segundo passo é você aceitar ajuda. Eu tentei esse serviço dos Caps AD. As pessoas acham que só tem as comunidades terapêuticas. Nos Caps é um serviço humanitário, diferenciado”.

CHICO GOIS
Usuário de um CAPS AD

Ele conta que quando retornou ao tratamento terapêutico em 2013 optou pela abstinência e há 8 anos não faz uso do álcool. Na pandemia, relata que felizmente, apesar das dificuldades do momento, não voltou a fazer uso abusivo da substância.

“Acompanhando o Caps, a gente acaba, além das nossas experiências, vendo as das outras pessoas e sabe que aumentaram o consumo de álcool e outras drogas. A pandemia não me afetou nesse sentido, mas há dois meses sofri um assalto e quebrei alguns dentes. Isso me abalou. A ligação que a gente tem com a droga é muito emocional, muitas vezes, faz com que você volte”, reforça.

Chico destaca que o tratamento no Caps é extremamente relevante e ressalta que por isso também é necessário a ampliação da rede na Capital e a melhoria dos Caps AD.

“O serviço, apesar de necessário, não cresce de acordo com a procura. Quando procurei em 2010 era uma realidade, hoje a demanda está muito maior”.

Danos à saúde mental

No Hospital de Saúde Mental de Messejana, o médico psiquiatra Arão Pliacekos,  explica que o uso abusivo do álcool é nocivo à saúde mental por gerar sintomas depressivos, ansiosos, medos infundados e fazer com o que o usuário acredite em uma realidade imaginária com discurso delirante e alucinações.

Dentre os danos físicos, explica ele, “altera o metabolismo do usuário causando doenças crônicas graves: cirrose, pancreatite, coma hepático e até demência alcoólica”.

Na pandemia, relata o psiquiatra, com os protocolos de distanciamento social em vigor, “o dependente químico fica mais vulnerável à recaída e exacerbação do quadro clínico por se sentir desprotegido, abandonado sem vislumbrar perspectiva de ascensão psicossocial pessoal e com a família e amigos. A tendência é o autoabandono”.

Diante disso, o que se observa, diz o médico, é um acréscimo de “demanda reprimida de internações por intoxicação de álcool e outras drogas, situações hospitalares emergenciais por abstinência e/ou situações constrangedoras dos pacientes cronificados e desacreditados ou incompreendidos pela família”.

Arão reforça que o tratamento precede da vontade e disponibilidade das pessoas que fazem o uso abusivo do álcool em aceitar ajuda especializada em Caps AD, bem como a internação na unidade de desintoxicação do Hospital de Messejana, onde segundo ele, contam “com a possibilidade de dar seguimento clínico e terapêutico no Elo de Vida (serviço do HSM), ambiente que proporciona a reinserção psicossocial do paciente e apoio terapêutico para familiar cuidador”.

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