A flexibilização nas contratações públicas durante a pandemia do novo coronavírus acendeu o alerta de órgãos de controles e entidades de combate à corrupção e tem levado estados e municípios a serem cobrados por mais transparência. Alguns casos já chegaram à Justiça.
Em crises como essa, conforme reportagem do jornal Folha onde apontam que esses órgãos e entidades, correm os riscos de desvios de dinheiro, favorecimento de empresas e mudanças legislativas que afrouxem o controle sobre a destinação do dinheiro público aumentam exponencialmente.
O TCU (Tribunal de Contas da União), por exemplo, já colocou em operação desde o mês passado um plano de acompanhamento das ações de combate à pandemia em âmbito federal.
Um dos primeiros governos a pararem na Justiça foi o de Ibaneis Rocha (MDB), no Distrito Federal, após uma ação do Ministério Público que pedia a divulgação na internet, em tempo real e numa página específica, de todas as contratações emergenciais para combater a Covid-19.
O governo federal já tem feito isso, em conformidade com uma lei de fevereiro que estabeleceu medidas contra a pandemia.
“Temos o direito de saber de forma imediata e clara de que forma os recursos públicos estão sendo aplicados”, diz o procurador distrital José Eduardo Sabo, que lidera força-tarefa local de combate à pandemia.
No mês passado, a Justiça determinou que o Governo do Distrito Federal cumprisse o pedido da Promotoria. A gestão Ibaneis cumpriu a decisão, sem recorrer, e criou um portal com as informações sobre os gastos com a pandemia.
No Tocantins, o Ministério Público do estado ingressou com ações civis públicas tanto contra o governo Mauro Carlesse (DEM) quanto contra a Prefeitura de Palmas, também cobrando transparência nas contratações.
“Cumpre observar que a transparência ativa e passiva se revela como uma das mais eficazes formas de prevenção à corrupção e aos ilícitos administrativos”, diz ação civil pública assinada pelos promotores Edson Azambuja e Thais Massilon Bezerra.
No último dia 1º, o Governo do Tocantins passou a publicar todos os gastos emergenciais em seu Portal da Transparência. A reportagem não conseguiu contatar a Prefeitura de Palmas.
Em Ribeirão Preto, no interior paulista, a Promotoria instaurou processo administrativo e pediu cópias de contratações sem licitação por causa da pandemia, com a justificativa para cada escolha de fornecedor e a justificativa de preço.
A prefeitura informou que todas as suas licitações seguem a legislação vigente e que as dispensas de concorrências estão sendo publicadas no Portal da Transparência da cidade. “Portanto, não há descumprimento da legislação, de qualquer natureza”, diz a prefeitura, em nota.
“Eventualmente, em razão do quadro reduzido de servidores públicos pelo alto grau de afastamentos decorrentes do coronavírus, pode haver um atraso na disponibilização dos respectivos processos no sistema, o que já está sendo regularizado através do sistema de revezamento entre os servidores.”
Além dessas medidas, o Ministério Público Eleitoral em diversos estados emitiu recomendações às prefeituras com o objetivo de prevenir eventuais processos. O órgão pede a prefeitos e secretários que evitem usar os recursos emergenciais em benefício de candidatos ou partidos políticos.
A recomendação foi expedida ao menos nos estados de São Paulo, Piauí, Bahia, Amazonas, Acre e Amapá.
“Não distribuam nem permitam a distribuição, a pessoas físicas ou jurídicas, de bens, valores e benefícios durante o ano de 2020”, diz documento do Ministério Público.
“Como [por exemplo] doação de gêneros alimentícios, materiais de construção, passagens rodoviárias, quitação de contas de fornecimento de água e energia elétrica, doação ou concessão de direito real de uso de imóveis para instalação de empresas e a isenção total ou parcial de tributos.”
A preocupação com o bom uso de recursos públicos durante a pandemia também chamou a atenção de entidades não governamentais. Uma delas, a Transparência Internacional, lançou um guia elaborado por membros de 13 países da América Latina para “reduzir riscos de corrupção e uso indevido de recursos extraordinários”.
O guia sugere que a solução para que não se perca o controle das despesas no período emergencial é um aumento da transparência e do rastreamento de dados.
Além das contratações emergenciais, a organização vê risco de corrupção nos pacotes de estímulo econômico e, também, na modificação de leis que combatem irregularidades e dão mais transparência às decisões governamentais.
Segundo Bruno Brandão, diretor-executivo da entidade no Brasil, essas modificações já começaram a ocorrer. Ele cita como exemplo a tentativa do governo Bolsonaro de mudança das regras da Lei de Acesso à Informação durante a crise –barrada pelo Supremo Tribunal Federal— e a lei que tirou poder da Controladoria-Geral do Município de São Paulo.
A mudança, inserida em um pacote da Câmara Municipal de medidas contra o novo coronavírus, foi sancionada pelo prefeito Bruno Covas (PSDB). “Criaram uma segunda instância política para aplicação da lei anticorrupção na cidade de São Paulo, que era a capital que mais aplicava a lei anticorrupção”, afirma Brandão.
Após essa mudança, o controlador-geral do Município, Gustavo Ungaro, pediu demissão do cargo. Procurados, o prefeito Covas e a prefeitura não se manifestaram.
Outra organização, a Transparência Brasil (que não tem ligação com a Transparência Internacional), tem apontado que a maioria da comissão do Congresso que acompanha os gastos federais com o novo coronavírus já foram condenados ou respondem a processos de improbidade administrativa.
A entidade defende que representantes da sociedade civil também participem da comissão.