Os investimentos em água e esgoto incluídos no Novo PAC são insuficientes para garantir a universalização dos serviços e, ao menos até o momento, criam preocupação sobre os critérios de alocação dos recursos, dizem especialistas do setor. Porém, se bem distribuídos, os investimentos poderão dar viabilidade a concessões em áreas mais pobres e sem infraestrutura de saneamento.
Especialistas observam que o valor destinado aos segmentos de água e esgoto é bastante inferior ao volume considerado necessário para garantir a universalização dos serviços até 2033 – montante que vai de R$ 429 bilhões, em cálculo do Ipea, a R$ 893 bilhões, segundo conta feita pela Associação Nacional das Concessionárias Privadas de Serviços Públicos de Água e Esgoto (Abcon) e KPMG.
O programa federal reservou R$ 57,8 bilhões aos dois setores: R$ 26,8 bilhões destinados a esgotamento sanitário e R$ 31 bilhões à água (considerando abastecimento, bacias hidrográficas, infraestrutura hídrica e atendimento a áreas vulneráveis). Entretanto, 59% desse valor foi classificado em uma categoria de “seleção” de projetos, que ainda será feita junto a Estados e municípios. Os recursos ainda sem destinação certa somam R$ 18,5 bilhões para esgoto e R$ 15,5 bilhões para o segmento de água.
Para Jerson Kelman, ex-presidente da Agência Nacional de Águas (ANA) e da Sabesp, o ideal seria que a distribuição dos recursos fosse feita em articulação com os blocos regionais de saneamento de forma a garantir que os recursos públicos sejam usados para dar viabilidade econômico-financeira às operações e financiar áreas mais pobres: “Direcionar os recursos para consumidores carentes, por meio de contratos de operação, é muito mais eficaz do que financiar obras públicas pontuais, porque, neste caso, a construtora tem incentivo a maximizar o custo e depois pedir aditivos, enquanto as operadoras buscam entregar a estrutura com o menor investimento possível. É preciso garantir uma correta alocação dos escassos recursos, e não fazer uma colcha de retalhos de solicitações a esmo”.
O acesso aos recursos também é uma preocupação para Álvaro Menezes, diretor nacional da Associação Brasileira de Engenharia Sanitária e Ambiental (Abes). “A expectativa com o Novo PAC é positiva, mas é preciso destinar investimentos a áreas rurais, a áreas irregulares, que têm ficado à margem das novas concessões”, diz.
Para atores do setor de saneamento, não ficou claro, no anúncio do governo em agosto, se os recursos previstos em “seleção” serão de fato destinados a viabilizar projetos deficitários. O BNDES sinaliza que esse deverá ser um caminho. “Os investimentos ainda não definidos poderão ajudar a viabilizar a estruturação em localidades onde haja um desafio relevante de se viabilizar a universalização dos serviços de saneamento unicamente via tarifa”, disse, em nota, o banco.
Programa listou várias obras, mas quem vai operar a infraestrutura?”
— Percy Soares
Outra dúvida levantada é como será a operação das estruturas construídas pelo programa. “O Novo PAC listou várias obras. Mas e depois? Quem vai operar essa infraestrutura criada? É algo que não está dado. A obra será entregue a um operador com capacidade técnica, que vai manter o serviço funcionando? Esse operador terá condições de fazer investimentos complementares? Essas são as perguntas-chave ainda pendentes”, afirma Percy Soares Neto, diretor-executivo da Abcon.
“O Novo PAC traz uma oportunidade de se buscar uma melhor solução. Nos PACs anteriores, muito dinheiro foi colocado à disposição do setor, mas o resultado não mudou muito a realidade no país. É hora de qualificar a destinação das obras. Se há risco de entregar o recurso para quem não vai conseguir operar, é preciso encontrar outro caminho, que pode ser uma PPP”, avalia Menezes, da Abes.
Assim como em outros segmentos incluídos no PAC, há a preocupação quanto à efetiva entrega das obras públicas listadas pelo governo. Para Kelman, outra forma de garantir melhores resultados seriam os contratos de performance, em que a construtora recebe não pela obra em si, mas pelo cumprimento de metas pactuadas.
Apesar dos diversos questionamentos, um aspecto que motivou otimismo no setor privado foi a previsão de que parte dos recursos será destinada a concessões de saneamento, segundo Luana Pretto, presidente-executiva do Instituto Trata Brasil, ligado a empresas privadas: “Poderia ter mais dinheiro [para o setor no Novo PAC], mas, dentro da realidade que se tem, o importante é seguir com a estruturação de projetos. Há um entendimento de que o programa não é igual aos do passado, que previam apenas investimentos públicos”.
Pretto destaca o programa de concessões em desenvolvimento pelos Estados, grande parte deles em parceria com o BNDES. “O ritmo de lançamentos de projetos parou, todo mundo segurou para entender o que ia acontecer [com a regulamentação da nova lei do saneamento, que passou por idas e vindas neste ano]. Mas os estudos continuaram e, na minha visão, estão indo em velocidade grande. O que mudou é o perfil da modelagem. As soluções que os Estados estão buscando são mais PPPs.”
Além de duas novas PPPs em estudo pela Sanepar, que podem sair neste ano, o BNDES prevê leiloar a concessão de Sergipe no primeiro trimestre de 2024, fazer a licitação do projeto de Rondônia no segundo trimestre de 2024 e os leilões das concessões de Paraíba, Pernambuco e Pará, no quatro trimestre de 2024.