Especialistas forenses concluíram que o poeta chileno Pablo Neruda (1904-1973) morreu envenenado há quase 50 anos, disse um membro da família do vencedor do Prêmio Nobel na última segunda-feira (13). A revelação de Rodolfo Reyes, sobrinho de Neruda, é a última virada em um dos grandes debates do Chile pós-golpe. A posição oficial aponta que Neruda morreu de complicações de câncer de próstata, mas o motorista do poeta argumentou por décadas que Neruda, na verdade, foi envenenado.
Ainda não houve confirmação dos comentários de Reyes por especialistas forenses do Canadá, Dinamarca e Chile, que devem divulgar publicamente um relatório na quarta-feira (15/2) sobre a causa da morte de Neruda.
A divulgação pública da descoberta do grupo foi adiada duas vezes, primeiro devido a problemas de conectividade com a Internet de um dos especialistas e depois novamente porque um juiz disse que o painel ainda não havia chegado a um consenso.
Há vários anos, especialistas forenses internacionais rejeitaram a causa oficial da morte como caquexia, ou fraqueza e desgaste do corpo devido a uma doença crônica — neste caso, o câncer. Mas naquela época eles disseram que não haviam determinado o que matou Neruda.
Em entrevista à Associated Press, Reyes disse que testes forenses realizados em laboratórios dinamarqueses e canadenses indicaram a presença de “uma grande quantidade de Clostridium botulinum, que é incompatível com a vida humana”. A poderosa toxina pode causar paralisia no sistema nervoso e morte.
Reyes revelou a informação pela primeira vez à agência de notícias espanhola EFE na segunda-feira.
Como advogado no processo judicial pela morte de seu tio, Reyes disse que tem acesso ao laudo forense, realizado depois que o mesmo grupo de especialistas disse em 2017 que havia indícios de uma toxina nos ossos do falecido poeta e em um molar.
Os testes de laboratório concluíram que a toxina foi administrada enquanto o poeta estava vivo, disse Reyes.
O relatório está previsto para ser divulgado quase 50 anos após a morte do poeta e membro do Partido Comunista e 12 anos após o início de uma investigação judicial sobre se ele foi envenenado, como afirma seu motorista Manuel Araya.
Araya disse à AP no início deste mês que estava confiante de que as descobertas forenses apoiariam sua afirmação de que o poeta morreu após receber “uma injeção no estômago” na clínica onde estava hospitalizado. Araya disse que ouviu pela primeira vez essa versão dos eventos de uma enfermeira.
Neruda, que tinha 69 anos e sofria de câncer de próstata, morreu no caos que se seguiu ao golpe de 11 de setembro de 1973 no Chile, que derrubou o presidente Salvador Allende e colocou o general Augusto Pinochet no poder.
O corpo de Neruda foi exumado em 2013 para determinar a causa de sua morte, mas esses testes não mostraram agentes tóxicos ou venenos em seus ossos. Sua família e motorista exigiram uma investigação mais aprofundada.
Em 2015, o governo do Chile disse que era “altamente provável que um terceiro” fosse o responsável pela morte de Neruda. O poeta foi enterrado novamente em sua casa favorita com vista para a costa do Pacífico no ano passado.
Em 2017, uma equipe de cientistas internacionais determinou que Neruda não morreu de câncer ou desnutrição, rejeitando a causa oficial da morte, mas não dizendo do que ele morreu.
“As conclusões fundamentais são a invalidade do atestado de óbito quando se trata de caquexia como causa da morte”, disse na época Aurelio Luna, um dos especialistas do painel. “Ainda não podemos excluir nem afirmar a causa natural ou violenta da morte de Pablo Neruda.”
Neruda, mais conhecido por seus poemas de amor, era amigo de Allende, que preferiu se matar a se render às tropas durante o golpe liderado por Pinochet.
Mas um dia antes de sua partida planejada, ele foi levado de ambulância a uma clínica na capital do Chile, Santiago, onde havia sido tratado de câncer e outras doenças. Neruda morreu oficialmente lá em 23 de setembro de 1973, de causas naturais.
Mas as suspeitas de que a ditadura teve participação na morte permaneceram muito tempo depois que o Chile voltou à democracia em 1990.
O ex-embaixador do México no Chile na época do golpe militar, Gonzalo Martínez Corbalá, disse à AP em duas ocasiões que viu Neruda um dia antes de sua morte e que seu peso corporal estava próximo de 100 quilos. Martínez falou com a agência de notícias por telefone em 2017, poucos dias antes de sua morte.
Araya disse à AP no mês passado que ainda acha que, se Neruda “não tivesse sido deixado sozinho na clínica, eles não o teriam matado”.
Ele lembrou que, por ordem de Neruda, no domingo, 23 de setembro, a esposa do poeta, Matilde Urrutia, e ele estiveram na mansão para pegar as malas que seriam levadas para o México no dia seguinte. No meio da tarde, Neruda pediu que voltassem rápido. Ele morreu naquela mesma noite.
Durante sua vida, Neruda acumulou dezenas de prêmios, incluindo o Nobel de Literatura de 1971, mas, nos últimos anos, surgiram críticas de grupos feministas sobre um estupro que cometeu na década de 1930 e que ele relatou em seu livro Confesso que Vivi. Ele também é criticado por abandonar sua única filha, Malva Marina, porque ela nasceu com hidrocefalia.