O depoimento do ex-ministro da Justiça Anderson Torres ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE), na última quinta-feira (16), aumentou a tensão no entorno de Jair Bolsonaro e escancarou os pontos do processo que mais provocam medo na defesa do ex-presidente.
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A ação em que Torres depôs como testemunha pode levar Bolsonaro a ficar inelegível e impedido de disputar eleições pelos próximos oito anos.
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O processo investiga a reunião de Bolsonaro com embaixadores no Palácio da Alvorada em que fez acusações infundadas contra as urnas eletrônicas. Mas Torres foi chamado para falar sobre a minuta golpista encontrada em uma pasta na sua casa pela Polícia Federal dias depois dos atentados de 8 de janeiro às sedes dos três poderes.
O documento foi incluído na ação já que o relator do caso, ministro Benedito Gonçalves, entendeu que os dois fatos estão relacionados e devem ser analisados conjuntamente, por se tratarem dos ataques sistemáticos do governo Bo
O ex-ministro da Justiça não é o primeiro a depor nesse processo, mas pela primeira vez a defesa de Bolsonaro deixou patente seu temor– antes, durante e depois do depoimento.
Anderson Torres foi ouvido pelo TSE na condição de testemunha, por decisão “de ofício” (sem ser provocado por ninguém) de Benedito Gonçalves.
Além de ter tentado impedir que o ex-ministro da Justiça fosse ouvido, depois que a oitiva aconteceu os advogados de Bolsonaro ainda insistiram para manter as declarações sob sigilo.
Foi também a primeira vez em que o advogado Tarcísio Vieira de Carvalho, que lidera a defesa jurídica do ex-presidente, acompanhou o depoimento de uma testemunha ouvida. Até então, quem acompanhava os depoimentos eram os outros advogados do escritório contratado pelo PL, como no caso das oitivas dos ex-ministros Carlos França (Relações Exteriores) e Ciro Nogueira (Casa Civil).
Durante um dos momentos mais tensos do depoimento de ontem, Anderson Torres foi confrontado com a sua versão de que a minuta golpista era algo “folclórico”, “loucura” e “lixo”.
O ex-ministro da Justiça foi questionado pelo advogado Walber Agra, do PDT, se não teria cometido prevaricação por ter guardado em sua residência um documento que criava um certo “estado de defesa” no TSE, dando poderes ao ex-presidente para interferir na atuação da Corte – o que é flagrantemente inconstitucional.
Nesse momento, Tarcísio interrompeu o advogado, sob a alegação de que ele estaria induzindo a testemunha a se autoincriminar, ou seja, produzir provas contra si mesma. Mas o próprio juiz auxiliar de Benedito Gonçalves lembrou Anderson Torres que ele tinha direito ao silêncio – e o ex-ministro fez questão de responder ao questionamento, se limitando a dizer que não tinha lido o inteiro teor da minuta.
Os sinais mais preocupantes da defesa de Bolsonaro também vieram à tona na estratégia de pedir mais testemunhas para serem ouvidas no âmbito da ação, uma estratégia para prolongar o andamento do caso e impedir um julgamento imediato, como pretendem os adversários políticos do ex-ocupante do Palácio do Planalto.
Presidente foi a poucos eventos, se isolou no Palácio da Alvorada e evitou declarações públicas. Antes de passar a faixa, viajou para os Estados Unidos.
Na última quinta-feira (15), o time jurídico de Bolsonaro pediu que mais cinco testemunhas fossem ouvidas: o deputado Filipe Barros (PL-PR), relator da PEC do Voto Impresso, e o ex-deputado Major Vitor Hugo (PL-GO); os jornalistas Guilherme Fiuza e Augusto Nunes; e a comentarista política Ana Paula Henkel.
Ana Paula, Fiuza e Nunes participaram da entrevista com Bolsonaro em torno de um inquérito policial que tratava de um ataque hacker ao sistema da Justiça Eleitoral. “O debate é relevante e não pode ser silenciado ou inibido em nome de alegada ‘efetividade processual'”, sustenta a defesa do ex-presidente.
Na leitura do PDT e do PT, quanto mais rápido o julgamento, maiores as chances de cassação, já que o ex-presidente viu o capital político derreter após arrumar as malas, se refugiar nos Estados Unidos e abandonar sua militância no Brasil.
Além disso, uma série de trocas estão previstas para ocorrer ao longo dos próximos meses no TSE, o que deve impactar a correlação de forças dentro da Corte.
Hoje, aliados e adversários de Bolsonaro concordam que a tendência do TSE é a de punir o ex-presidente por abuso de poder.
Só que a aposentadoria de Ricardo Lewandowski, considerado voto certo pela condenação, vai abrir caminho para a efetivação do ministro Kassio Nunes Marques como ministro titular do TSE.
Indicado ao STF por Bolsonaro, Nunes Marques é considerado um aliado do ex-presidente e já deu decisões que beneficiaram aliados do antigo inquilino do Planalto, derrubando a cassação do então deputado estadual bolsonarista Fernando Francischini (União Brasil-PR) por disseminar fake news contra as urnas eletrônicas.
Ironicamente, é a mesma acusação lançada contra Bolsonaro agora.
Ao tentar empurrar o desfecho do caso para o segundo semestre, Bolsonaro também tenta escapar de Benedito Gonçalves, que vai deixar o TSE em novembro. Em seu lugar, quem assumirá a relatoria das ações que investigam a campanha eleitoral de 2018 é o ministro Raul Araújo, nome mais palatável aos bolsonaristas.