O presidente Luiz Inácio Lula da Silva confirmou nesta última quinta-feira (1º) que indicará o advogado Cristiano Zanin para ocupar a vaga de ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) aberta após a aposentadoria de Ricardo Lewandowski, em abril.
Esta será a primeira indicação ao tribunal feita por Lula durante seu terceiro mandato. Zanin defendeu o presidente dos processos da Operação Lava Jato, conseguindo uma vitória que levou à anulação da sentenças contra o petista proferidas pelo então juiz e hoje senador Sergio Moro (União Brasil-PR).
“Acho que todo mundo esperava que eu fosse indicar o Zanin. Não só pelo papel na minha defesa, mas simplesmente porque acho que o Zanin se transformará em um grande ministro da Suprema Corte do país”, disse Lula em conversa com a imprensa no Palácio Itamaraty, após encontro com o presidente da Finlândia, Sauli Niinistö.
“Conheço as qualidades como advogado, como chefe de família e conheço a formação do Zanin”, acrescentou Lula conforme Fábio Corrêa, da DW.
Após a indicação formal, Zanin deverá passar por uma sabatina na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado e, por fim, ter seu nome aprovado por pelo menos 41 dos 81 senadores.
Segundo juristas consultados pela DW, o processo pode causar desgaste político para o governo devido à proximidade entre Lula e Zanin. Para os especialistas, isso pode municiar os ataques da oposição de extrema direita, que tem como um de seus objetivos a desqualificação do STF.
Ao indicar o próprio advogado particular, Lula também ignoraria as demandas de magistrados e organizações da sociedade civil, que vêm pedindo maior representatividade no Judiciário – por meio da nomeação de uma mulher negra como ministra, por exemplo.
Além disso, dizem os entrevistados, paira uma incógnita sobre qual seria a atuação de Zanin na Corte. O paulista de 47 anos construiu a carreira de sucesso em grandes escritórios de São Paulo, tendo com um de seus últimos clientes as Lojas Americanas, em recuperação judicial.
“Proximidade perigosa”
A Constituição Federal de 1988 estabelece que os ministros do Supremo devem ter entre 35 e 75 anos, possuir “notável saber jurídico” e “reputação ilibada”, além de serem brasileiros natos. Não há vedações quanto à proximidade ou afinidade entre presidente e indicado, que não precisa, em teoria, nem mesmo ser formado em Direito.
De acordo com o jurista Emilio Peluso Meyer, professor de Direito Constitucional da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), mesmo que Zanin cumpra com esses requisitos constitucionais, ele não seria uma das “melhores opções” para o momento.
Segundo Meyer, houve um aprendizado institucional “a duras penas” no mandato do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), que fez indicações, não só ao STF, mas também à Procuradoria Geral da União (PGR) e outros órgãos que poderiam julgá-lo ou fiscalizá-lo, de nomes que tivessem dentro de seu espectro ideológico e político, como forma de se proteger de eventuais punições.
“Mas o fator mais grave em relação ao Zanin, que é um respeitado profissional, é o que se desenvolveu na relação que normalmente ocorre entre advogado e cliente – uma proximidade grande que se torna perigosa para uma indicação a um órgão importante quanto o STF”, afirma o constitucionalista.
Em março deste ano, Lula chegou a afirmar que Zanin seria um “amigo” e “um companheiro”. Logo depois, o petista corrigiu a afirmação. “Não indico o ministro para ser meu amigo. Quero que seja competente do ponto de vista jurídico”, disse o presidente à TV 247.
Munição para a oposição
Durante o seu mandato, Bolsonaro chegou a defender publicamente o fechamento do STF. Em 8 de janeiro deste ano, uma horda de bolsonaristas invadiu a Praça dos Três Poderes em Brasília e vandalizou a sede do Judiciário.
Para Meyer, o pano de fundo desse tipo de ação virulenta é uma desinformação “gigantesca”, que coloca o Supremo como “dispensável” para parte do bolsonarismo, que não vê eficiência da Corte para sua visão ideológica. Por isso, diz ele, deve haver uma estratégia para combater uma contaminação do debate público por essa desinformação.
“Não significa que o Lula tenha que se sentir premido em indicar alguém de espectro ideológico diferente do dele, mas que se construa uma indicação no sentido de maior aprovação de setores considerados democráticos e que seja isenta desse tipo de crítica”, afirma o professor da UFMG.
Para Rubens Glezer, coordenador do centro de pesquisa Supremo em Pauta, da FGV Direito SP, é de se esperar que haja alinhamento de valores entre o ministro e o presidente que o indicar. Ele, no entanto, afirma que o problema é que a indicação de Zanin pode suscitar interpretações de que haja uma “troca de favores”.
“Gera um desgaste político desnecessário”, afirma. “Dá munição à oposição, porque parece que o assento no STF, que é um dos cargos absolutamente sensíveis para a República, para o desenvolvimento do país, para a estabilidade democrática, para a reputação das instituições judiciárias, foi usado como um instrumento de troca de favor.”
Incógnitas sobre linha a ser seguida
Outro ponto questionado pelos juristas é que não se sabe qual será a interpretação de Zanin da Constituição, ou seja, qual jurisprudência ele irá seguir, até mesmo pela carreira com pouca atuação pública do advogado.
“Não há muitos elementos disponíveis sobre o que ele realmente pensa sobre aborto, liberdade de expressão, regulação de redes”, diz Meyer.
“[Zanin] atuou como um advogado de ofício. Mas, como juiz, vai ser um garantista?”, questiona Glezer, da FGV. “Um defensor público é alguém que, além de ser garantista, atua com a advocacia, tem a perspectiva dos mais pobres, dos mais necessitados, dos problemas penais de base do sistema de Justiça – em vez dessa advocacia de alto luxo, que já tem trânsito e espaço para chegar aos ministros nos grandes casos. Fora isso, por que não uma mulher?”
Falta de representatividade
Em 132 anos de instalação, o Supremo só teve a primeira mulher indicada em 2000 – a ministra Ellen Gracie, que saiu em 2011. Hoje, o tribunal conta com mais duas magistradas, Carmen Lúcia e Rosa Weber, a qual se aposenta em outubro, abrindo espaço para a segunda e última indicação ao STF do atual mandato de Lula.
Caso a indicação de Zanin seja aprovada pelo Senado, serão 162 os ministros homens e brancos que já passaram pela Corte, contra as três mulheres e mais três negros – Hermenegildo Barros, Pedro Lessa e Joaquim Barbosa, mas nenhuma mulher negra.
Bárbara Ferrito, juíza do Trabalho e autora do livro Direito e Desigualdade: Uma análise da discriminação das mulheres no mercado de trabalho a partir dos usos dos tempos, interpreta a possível indicação de Zanin por Lula como a repetição do conceito chamado “pacto narcísico da branquitude”, em que espaços ocupados por homens brancos tendem a continuar ocupados por eles.
“O que a vemos com a indicação do Zanin é simplesmente a afirmação desse pacto narcísico, em que homens brancos que possuem relações sociais, de trabalho e afetivas com pessoas brancas, chamam essas pessoas e se sentem mais confortáveis com elas para formar as arenas de poder. Romper com isso é fundamental”, afirma a magistrada.
Segundo Ferrito, o Supremo é uma arena de discussão e de debate de poder. “A lei só existe a partir da interpretação que o STF dá a ela”, pontua.
Dessa forma, pluralizar a Corte é fundamental para que os diversos grupos da sociedade brasileira sejam representados nessa arena de poder. “Participar dessa arena de poder é ter lá a representação de suas pautas e de suas agendas, mas acima de tudo, de seus olhares, da forma como a sociedade, como aquele grupo social que está ali representado, enxerga a vida pelas experiências pelas quais passaram”, finaliza a magistrada.