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domingo 14 de janeiro de 2024 às 10:08h

Os riscos militares e geopolíticos dos ataques de EUA e Reino Unido aos houthis no Mar Vermelho

MUNDO, NOTÍCIAS


O Oriente Médio está em alerta depois de os Estados Unidos e o Reino Unido terem lançado uma série de ataques aéreos e navais contra alvos houthis no Iêmen, na sexta-feira (12).

Os ataques dos dois aliados ocidentais são uma resposta à campanha dos houthis, que têm usado mísseis e drones contra navios mercantes no Mar Vermelho.

Os houthis condenaram os ataques dos EUA e do Reino Unido e prometeram responder, aumentando o receio de um conflito mais amplo na região.

“É um ato óbvio de agressão”, disse o porta-voz militar Houthi, Yahya Saree, em uma transmissão de televisão. E acrescentou que a ação “não ficará sem resposta e impune”.

O Irã também condenou os ataques ao Iêmen, chamando-os de “uma clara violação da soberania e integridade territorial do Iêmen” e uma violação do direito internacional.

Por sua vez, o presidente turco, Recep Tayyip Erdogan, acusou EUA e Reino Unido de tentarem transformar o Mar Vermelho em um “mar de sangue”.

Em novembro, os houthis, que controlam o norte do Iêmen e são apoiados pelo Irã, iniciaram uma campanha de ataques contra Israel e rotas comerciais cruciais no Mar Vermelho, que afetaram gravemente o comércio internacional.

Eles disseram que estavam fazendo as ações como uma demonstração de apoio ao grupo palestino Hamas, que está em guerra contra o exército israelense em Gaza.

Os países do Oriente Médio, vários deles aliados do Ocidente, observam com preocupação o que acontece na região.

Muitos se questionam se a ação militar dos EUA e do Reino Unido contra o Iêmen será realmente capaz de dissuadir os houthis de continuarem a campanha no Mar Vermelho.

E, se o movimento decidir responder, quais são os riscos que os aliados ocidentais enfrentam com esse grupo que tem conseguido sobreviver a um conflito armado de vários anos contra a poderosa força aérea da Arábia Saudita?

Avião da Força Aérea Britânica durante os ataques desta sexta-feira contra o Iêmen
Avião da Força Aérea Britânica durante os ataques desta sexta-feira contra o Iêmen – Foto: Divulgação

Quando os houthis começaram os seus ataques em novembro, os Estados Unidos e os seus aliados emitiram vários ultimatos ao grupo alertando sobre as graves consequências se não parassem de alvejar os navios no Mar Vermelho e no Canal de Suez.

Os ataques, no entanto, continuaram, e as companhias de todo o mundo que utilizam essa rota marítima tiveram de desviar centenas de navios em torno da África, aumentando drasticamente os custos e o tempo de navegação.

Como explica o correspondente de segurança da BBC, Frank Gardner, a campanha contínua dos houthis revelou duas coisas.

“Em primeiro lugar, os houthis, que controlam a costa do Mar Vermelho do seu país, não recuam face à pressão internacional.”

“Em segundo lugar, eles claramente possuem um poderoso arsenal de mísseis e drones e não têm medo de lançá-los contra navios de guerra ocidentais”, diz Gardner.

Um relatório publicado em 10 de Janeiro pelo Royal United Services Institute (Rusi), um centro de pesquisas com sede em Londres, detalha algumas das armas mais sofisticadas que os houthis possuem.

O relatório indica que o seu arsenal inclui mísseis balísticos anti-navio (ASBM) com alcance de 400 km, que transportam uma ogiva de 500 kg e utilizam um buscador eletro-óptico para localizar seus alvos.

Eles também têm o Al-Mandeb 2, um míssil de cruzeiro antinavio semelhante ao que o Hezbollah disparou em 2006 contra o navio israelense Hanit.

O relatório do Rusi afirma que os houthis recebem informações sobre movimentos marítimos de um navio de vigilância iraniano, o MV Behshad, que opera no baixo Mar Vermelho, perto do Estreito de Bab al-Mandab, através do qual normalmente passam cerca de 15% do comércio mundial.

Ataque de houthis no Mar Vermelho
Desde novembro, os houthis têm levado a cabo ataques a barcos no Mar Vermelho em apoio ao Hamas na guerra contra Israel – Foto: Reuters

O apoio do Irã

Depois de uma guerra civil que eclodiu em 2014 no Iêmen, os houthis controlam agora a maior parte do populoso norte do país, incluindo o porto de Hodeida, onde estão detidos alguns dos navios que sequestraram no Mar Vermelho.

No ano passado, em um desfile militar em Sanaa, capital do Iêmen, os houthis exibiram alguns dos seus equipamentos militares, incluindo um avião de combate, assim como uma série de drones, mísseis, veículos, navios e minas anti-navio.

Durante o desfile, puderam ser lidos cartazes que diziam: “Morte aos Estados Unidos, morte a Israel”.

Há muito tempo, os Estados Unidos e os estados do Golfo acusam o Irã de fornecer tecnologia de mísseis e drones ao houthis, bem como treinamento.

Com os seus mais de 20 ataques contra navios no Mar Vermelho ao longo de mais de dois meses, os houthis, além de exporem ao mundo o seu apoio à causa palestina em Gaza, mostraram a sua capacidade de prejudicar os interesses do Ocidente.

E, como apontam os especialistas, projetaram sua imagem não só no cenário regional, mas também no cenário internacional.

“Os houthis são empreendedores militares muito bons”, disse ao Financial Times o especialista em Iêmen Farea al Muslimi, do centro de pesquisas Chatham House.

“Eles realmente acreditam que lhes foi apresentada a oportunidade certa para defender a Palestina e se opor a Israel, e para mostrar quão hipócritas são outros países árabes [por não fazerem o mesmo].”

“À medida que a guerra em Gaza continua, os houthis intensificarão (as suas ações) no Mar Vermelho”, acrescentou.

O fator palestino

Na verdade, a campanha dos houthis no Mar Vermelho expôs a causa palestina e o seu apoio ao Hamas na cena internacional.

Essa postura foi muito bem recebida entre sua própria população e em quase todo o Oriente Médio, onde o consenso popular é que os Estados Unidos e os seus aliados são parte do problema ao alimentarem a máquina de guerra de Israel e ao bloquearem os apelos a um cessar-fogo em Gaza.

Muitos nos países árabes também criticaram a incapacidade dos seus próprios governos em impedir o aumento do número de mortes de civis em Gaza, que agora ultrapassa as 22 mil.

Como explica Frank Gardner, muitos desses governos árabes não gostam dos houthis e dos seus aliados iranianos, mas “não ousam correr o risco de provocar agitação civil ao aderirem a qualquer ação militar contra os rebeldes”.

“Eles estão agora numa posição difícil porque o apoio dos houthis ao Hamas e o seu desafio aberto a Israel se revelaram populares entre as populações árabes.”

O silêncio da Arábia Saudita

Um grande país da região que permaneceu em silêncio é a Arábia Saudita.

Os sauditas entraram numa guerra civil sangrenta contra os houthis no Iêmen em 2015, na esperança de subjugá-los com os seus ataques aéreos e reverter sua tomada de controle do país.

A intervenção saudita não funcionou e, desde então, cerca de 150 mil pessoas morreram no Iêmen.

Além disso, os houthis não resistiram apenas aos ataques da Arábia Saudita. Também responderam com os seus próprios ataques com mísseis e drones contra aeroportos, cidades e instalações petroquímicas sauditas.

A resistência dos houthis à Arábia Saudita provavelmente os encorajou a desafiar os avisos dos EUA e dos seus aliados e a continuar a sua campanha no Mar Vermelho.

Se a sua campanha continuar agora, arriscam-se a estender a guerra de Israel e do Hamas para além dessas fronteiras e a desencadear um conflito com o Irã que muitos querem evitar.

Como destaca o correspondente internacional da BBC Nawal al-Maghafi, os EUA e os seus aliados esperam que seus ataques de sexta-feira sirvam de dissuasão para os houthis, mas é pouco provável que eliminem a ameaça representada pelo grupo militar.

“Militarmente, os houthis foram subestimados repetidas vezes. Os locais que foram atacados (na sexta-feira) mal arranham a superfície em termos das suas capacidades militares, especialmente das suas armas marítimas”, afirma o correspondente.

“Se a guerra contra os houthis no Iêmen nos últimos nove anos conseguiu alguma coisa, foi o fortalecimento dos seus laços com o Irã. E com o apoio iraniano, parecem ser mais estratégicos e mais bem equipados do que qualquer um gostaria de reconhecer”, acrescenta.

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