Pelo menos até o começo da noite desta última quarta-feira (9), o presidente Jair Bolsonaro (PSL) parecia ter decidido ficar, pelo menos por enquanto, no partido pelo qual se elegeu em 2018.
A aparente decisão ameniza a crise aberta na manhã de terça (8), quando Bolsonaro se deixou gravar em frente ao Palácio da Alvorada dizendo a um apoiador que “esquecesse” a sigla e o seu chefe, o deputado Luciano Bivar (PSL-PE), que segundo ele estaria “queimado”.
Quais problemas Bolsonaro e seu clã político poderiam enfrentar caso levassem adiante o plano de sair do partido? Congressistas e especialistas em direito eleitoral consultados pela BBC News Brasil indicam três pontos: a relação do governo com o Congresso ficaria ainda mais tumultuada; os deputados que saíssem do PSL poderiam perder seus mandatos na Justiça Eleitoral; e o PSL ficaria, a princípio, com os montantes dos fundos Partidário e Eleitoral, além do tempo de TV e rádio para as campanhas eleitorais.
No começo da tarde, Bolsonaro disse ao site jornalístico O Antagonista que não pretende sair do PSL “de livre e espontânea vontade”: só deixaria a sigla se fosse expulso por Bivar. O presidente disse também que a polêmica gravação matinal em frente ao Palácio foi motivada pelo medo de ser acusado de campanha eleitoral antecipada.
“O rapaz falou que era candidato a vereador. Se começar a vincular nome a partido, à minha imagem, pode ter problema de campanha antecipada. Ninguém tem que se antecipar como candidato, cria ciúmes. Quando falei que ele (Bivar) estava queimado, é que ele não está bem no Estado dele”, explicou Bolsonaro.
No fim da tarde, a maioria dos pesselistas no Congresso achava que Bolsonaro não mudaria mesmo de partido.
“Ficou tudo como dantes no quartel d’Abrantes”, diz um correligionário do presidente. “Vai mudar nada. Aquilo ali é fogo de palha”, acrescentou, sob anonimato.
A fala de Bolsonaro na manhã de terça-feira tornou pública a disputa de poder nos bastidores do partido: uma parte dos congressistas da legenda (que teria o apoio do presidente) defende uma “refundação” da legenda, com a substituição de Bivar e dos demais integrantes do comando do PSL. Prega ainda a adoção de novas regras de “compliance” contra a corrupção; e de medidas para aumentar a transparência na sigla.
Outra ala defende Bivar e diz que a intenção do grupo capitaneado por Bolsonaro é simplesmente tomar o controle do partido – e dos recursos públicos recebidos pelo PSL.
Em entrevista à BBC News Brasil na tarde desta quarta, Bivar deixou claro que não pretende ceder aos planos de Bolsonaro e de sua advogada, Karina Kufa: não vai se afastar da direção do partido e nem alterar a linha ideológica da sigla. Ele também mostrou perplexidade com a fala do presidente em frente ao Palácio da Alvorada: “Eu realmente não sei por que ele falou isso. Eu posso falar pelo partido. Aquele ataque, eu não sei porque ele fez aquilo”.
Major Olímpio (PSL-SP), líder da bancada no Senado, disse à BBC News Brasil que a eventual saída de Bolsonaro e de deputados do PSL traria problemas práticos para o grupo.
“Algumas pessoas precisam conhecer a Lei Eleitoral e o Estatuto do partido. O mandato é do partido”, disse.
Ele citou o caso do deputado Alexandre Frota (PSDB-SP), expulso da legenda em agosto. “O Frota só não perdeu o mandato porque houve uma votação dentro da Executiva (do PSL) para abrir mão do mandato dele”, disse. “Foi uma decisão do PSL”.
“Tem uns caboclinhos que acham ‘ah, eu vou para o partido X. Não tem mais legislação eleitoral, eu crio uma janela particular’. Vá, não vai fazer falta não. Mas nós vamos requerer no mesmo momento ao TSE que o suplente assuma. Vá embora, que Deus o guarde e esqueça onde”, diz Olímpio.
“Tem umas pessoas que ficam pilhando o presidente para mudar de partido. Se o presidente começar um partido do zero, vai ser do zero mesmo. Se ele for para um partido médio ou grande, jamais vai ter o espaço e a autonomia que tem como o nosso ícone único (no PSL)”, diz.
Uma das hipóteses que chegou a ser cogitada foi a de Bolsonaro ir para um novo partido – como a nova União Democrática Nacional (UDN), cujo registro está tramitando na Justiça Eleitoral; ou até a criação de um partido novo, a chamar-se “Conservadores” – este último plano é articulado pelo deputado Eduardo Bolsonaro (PSL-SP), filho do presidente.
“É preciso conhecer a legislação partidária no Brasil. Tem gente brincando de criar partido. Você acha que (é fácil) estruturar um partido em nove Estados, 490 mil assinaturas? Então se alguém vendeu ilusões para o presidente… ‘Ah, vamos criar o Conservadores'”, diz Major Olímpio, que defende a permanência de Bivar no comando do PSL. Ele ressalta que continuará apoiando Bolsonaro, mesmo que ele saia do partido.
A quarta-feira assistiu a uma amostra da instabilidade política que poderia acontecer caso Bolsonaro realmente decidisse sair do PSL: a bancada do partido se dividiu em duas. Um parte assinou um manifesto em defesa de Bivar, iniciado pelo deputado Júnior Bozzella (PSL-SP). Outros tornaram-se signatários de um texto de Luiz Philippe de Orléans e Bragança (PSL-SP), defendendo as mudanças no comando do partido.
A crise também foi o estopim para uma baixa no PSL: Alê Silva (MG) disse no começo da noite que não integra mais a bancada do partido. Ela acusa o ministro do Turismo, Marcelo Álvaro Antônio (deputado eleito pelo PSL-MG), de ameaçar sua vida.
À BBC News Brasil, ela disse que está “acertando os detalhes” para migrar para o Podemos (antigo PTN, de centro-direita). “Mas estou me precavendo juridicamente primeiro”, disse.
Deputados teriam que lutar na Justiça para manter mandatos
Assim como Alê Silva, um grupo de deputados do PSL começou na tarde desta quarta (09) a estudar alternativas jurídicas para manter seus mandatos, caso saiam da legenda acompanhando Bolsonaro.
Advogada especialista em direito eleitoral, Vânia Aieta diz que regra atual é a de que os mandatos de cargos proporcionais (como deputados federais) pertencem aos partidos, e não aos congressistas, individualmente.
Para os cargos majoritários (como o de presidente da República, governadores e senadores) não há regra de fidelidade partidária: podem sair quando quiserem, segundo entendimento firmado em 2015 pelo STF.
Caso um grupo de deputados federais decida sair do PSL, o mais provável é que o partido ingresse com ações judiciais no Tribunal Superior Eleitoral (TSE) para reter os mandatos. Este poderia ser o caso, por exemplo, de Eduardo Bolsonaro.
As ações seriam sorteadas entre os ministros e julgadas individualmente, caso a caso, segundo Aieta.
Há duas hipóteses nas quais os deputados poderiam manter seus cargos: se conseguirem provar que o partido mudou sua linha ideológica e programática de forma brusca, motivando a saída; ou se mostrarem que foram vítima de perseguição ou discriminação dentro do partido.
Uma argumentação possível para estes deputados, diz ela, é o primeiro caminho.
“A campanha do PSL foi marcada por um certo personalismo (em torno da figura de Bolsonaro). (Os deputados poderiam argumentar que) o PSL não tinha um programa que motivou as filiações. Eles foram para o partido acompanhando a personalidade. Então, a partir do momento que há uma cizânia entre a agremiação e esse líder que eles seguem, isso os desobrigaria”, diz ela, que é professora de direito eleitoral da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ).
‘Minirreforma’ sancionada por Bolsonaro manteria Fundos com PSL
Mesmo que os deputados de saída do PSL conseguissem manter seus mandatos na Justiça, eles não levariam consigo aquilo que a ciência política chama de “recursos tradicionais de poder”: a fatia nos fundos Partidário e Eleitoral, e o tempo de TV e rádio para as campanhas eleitorais.
O advogado especialista em direito eleitoral Daniel Falcão lembra à BBC News Brasil que a lei da “minirreforma eleitoral”, sancionada por Bolsonaro no fim de setembro só permite aos deputados levar sua fatia no Fundo Eleitoral em uma hipótese: quando a migração se dá pelo fato do partido anterior não ter atingido a chamada “cláusula de barreira”. Esta é uma regra criada em 2017 para diminuir o número de partidos no país.
Não há no texto sancionado da “minirreforma”, nenhuma regra que permita aos deputados levar para o novo partido os recursos.
O tema é regulamentado pela Lei dos Partidos Políticos, de 1995. “Tanto no caso do Fundo Partidário, quanto do Fundo Eleitoral, o momento de aferição dos votos é a eleição anterior,” disse à BBC a especialista em direito eleitoral e professora da Escola Superior Dom Helder Câmara, Lara Ferreira.
No caso do Fundo Partidário, a distribuição entre os partidos é a seguinte: 5% de forma igualitária para todos os partidos; e 95% de acordo com os votos na última eleição para a Câmara dos Deputados.
No Fundo Eleitoral (FEFC) a conta é um pouco mais complexa: 2% para todas as siglas; 35% de acordo com a votação para a Câmara; 48% de acordo com número de deputados; e 15% de acordo com o número de senadores.