quinta-feira 21 de novembro de 2024
Congresso Nacional visto do Palácio do Planalto. — Foto: Leonardo Sá/Agência Senado
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domingo 9 de junho de 2024 às 16:01h

Os pecados do governo Lula na articulação com o Congresso, segundo políticos e especialistas

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O governo acumula derrotas no Congresso Nacional que colocam em xeque a capacidade do Palácio do Planalto de segurar o avanço de pautas caras aos seus eleitores.

Na última reunião conjunta de deputados e senadores, o parlamento decidiu derrubar vetos do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), entre eles à Lei das Saidinhas e a uma emenda patrocinada pela extrema-direita que impede gastos com ações alinhadas à pauta de costumes.

Para além da eleição do Poder Legislativo mais conservador desde a redemocratização, a articulação política do governo tem cometido erros, segundo especialistas e parlamentares ouvidos por Kevin Lima, Guilherme Mazui, Luiz Felipe Barbiéri e Vinícius Cassela, do g1.

Eles citam omissão de Lula das negociações com o Congresso, falhas na comunicação, falta de espaço para outros partidos além do PT no núcleo central de articulação e descumprimento de acordos.

‘Cenário adverso’

Os especialistas afirmam que o atual contexto do Congresso – com maioria à direita diante de um governo à esquerda e emendas parlamentares de pagamento obrigatório – garante um cenário adverso, que o governo potencializa com erros na articulação.

“É um Congresso mais conservador e os parlamentares querem o controle de fatias cada vez maiores do orçamento. Naturalmente, seria uma articulação mais reativa, mas nem esse modelo reativo está funcionando”, diz a cientista política Beatriz Rey, pós-doutoranda da Universidade de São Paulo (USP).

Professor de ciência política da Fundação Getulio Vargas (FGV/EAESP), Cláudio Couto aponta como um dos motivos centrais da dificuldade do governo uma “certa omissão” da Lula no dia a dia das negociações.

“Nosso presidencialismo requer do presidente uma ação mais ativa na coordenação das negociações, e Lula tenta transferir para terceiros. É diferente do que ele fez nos primeiros mandatos. Talvez o presidente não tenha mais paciência, mas um dos ossos do ofício é conversar com deputados e senadores”, afirma.

Os especialistas avaliam que Lula poderia abrir espaço a outros partidos no núcleo central da articulação, atualmente composto por políticos do PT.

“Se o Congresso pende à direita, o articulador político tem que estar mais próximo dessa ideologia, tem que ter mais trânsito com esse grupo”, afirma Beatriz.

Fragmentação partidária

Couto explica que os partidos internamente estão mais fragmentados na comparação com os dois primeiros mandatos de Lula, outro ponto que dificulta a relação. Assim, bancadas de legendas com ministros, a exemplo de União Brasil, PP e Republicanos, têm núcleos mais à direita que não votam com o governo mesmo com espaço na Esplanada.

“O governo opta por ter apoio de uma parcela das bancadas. É uma estratégia de redução de danos, porque, sem dar espaço nos ministérios, o governo correria o risco de ter os partidos integralmente na oposição”, afirma.

Para o professor, a ausência do presidente dificulta o trabalho do ministro Alexandre Padilha, que já enfrenta dificuldades por não conversar com o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), que opta por dialogar com os ministros Rui Costa (Casa Civil) e Fernando Haddad (Fazenda).

“É positivo ter o apoio de ministros em temas de interesse das pastas, mas eles não podem substituir o ministro da articulação. Padilha está sobrecarregado, porque o presidente se omitiu. O ministro não tem autoridade para tomar certas decisões e acaba sendo desautorizado pelos outros colegas”, afirma Couto.

‘Fatiamento prejudica’

A cientista política Beatriz Rey também avalia que o governo erra ao apostar em frentes de articulação – via Padilha, Rui, Haddad. Na opinião da pesquisadora, esse modelo “fatiado” é propício para ações desarticuladas e mina a credibilidade do articulador principal.

“Não adianta fazer reuniões e cobrar ministros que representam partidos da base se há uma bagunça, com várias de frente da articulação, com um articulador [Padilha] sem trânsito com todos os grupos”, afirma.

Beatriz afirma que a articulação fatiada começa a resultar em dificuldade na aprovação da agenda econômica que o governo usa de argumento para rebater críticas à articulação.

A pesquisadora cita o vai-e-vem até a aprovação da “taxa das blusinhas”, o projeto de lei que prevê taxação de compras internacionais de até US$ 50, e as críticas de parlamentares da base à medida provisória que limita as possibilidades de as empresas utilizarem créditos de PIS e Contribuição para Financiamento da Seguridade Social (Cofins) derivados do pagamento desses tributos.

O governo adotou a limitação para compensar os recursos destinados à desoneração da folha de pagamento de 17 setores.

Professor da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) e doutor em Ciência Política, Adriano Oliveira diverge das avaliações de que Lula está ausente na articulação.

“Se ele sempre estiver na negociação política, ele tira a força dos ministros. Como a palavra final é do presidente, se os demais líderes não topam um acordo, ele fica emparedado. A participação gradual é adequada”, diz.

Oliveira também acredita que Lula poderia abrir espaço a mais partidos no núcleo central da articulação.

“Outros partidos enxergam o PT como tendo monopólio de todas as decisões do governo. Isso dificulta, de fato, a negociação”, diz.

Para Oliveira, Lula acerta ao priorizar a agenda econômica no Congresso.

“O lulismo é um fenômeno econômico, se ele for para o debate moral, perde a eleição e perde apoio no Congresso”, afirma.

Movimentação no Planalto

Após as derrotas na sessão do Congresso, Lula se reuniu na segunda-feira (3) com o ministro Alexandre Padilha (Relações Institucionais), responsável pela articulação política, e com os três líderes do governo: José Guimarães (PT-CE), Câmara; Randolfe Rodrigues (AP), Senado; e Jaques Wagner (PT-BA), no Congresso.

Após o encontro, a equipe de articulação destacou a vitória a manutenção do veto ao trecho da LDO que impunha um calendário de pagamento de emendas parlamentares e tentou minimizar as derrotas, creditadas às pautas de costume, nas quais o Planalto sabe que é minoritário no Congresso.

Padilha afirmou a jornalistas que até o momento o governo “não está sendo derrotado naquilo que é essencial”, em especial na agenda econômica – aprovou no ano passado o novo marco fiscal e a reforma tributária.

O ministro declarou que Lula decidiu retomar as reuniões semanais para avaliar o andamento das votações e que, se for preciso, fará encontros com líderes e vice-líderes de partidos aliados.

A cada período de dificuldade no Congresso, as promessas de contato mais frequente do presidente com parlamentares se reciclam desde o começo do governo, há um ano e meio. No entanto, aliados de Lula admitem de forma reservada que ele já não tem a disposição para esse tipo de reunião que teve nos mandatos anteriores (2003-2010).

Nos últimos meses, para ampliar o contato com os congressistas, Lula adotou expediente corriqueiro nas rotinas de presidentes: convidar deputados e senadores para acompanhá-lo em viagens aos estados destes políticos.

O presidente também passou a realizar cerimônias reservadas de sanções de projetos de lei com a presença de parlamentares que propuseram ou relataram as propostas.

Lula convive com sugestões para estar mais próximos dos congressistas e para ampliar o número de partidos no núcleo duro da articulação política, hoje restrita a petistas. Até o momento, o presidente dá sinais de que aprova o atual formato e que o foco é aprovar as medidas da agenda econômica.

O presidente admite em discursos que a base dos partidos de esquerda tem pouco mais de cem deputados na Câmara, logo, é necessário se aliar a partidos com bancadas de maioria conservadora nos costumes.

Clima no Congresso

Em reservado, parlamentares da base governista apontam falhas de comunicação como um dos elementos centrais dos reveses enfrentados pelo Planalto no Congresso.

Segundo senadores e deputados aliados, em diversos momentos, orientações e acordos firmados pelas lideranças do governo não chegaram à “ponta” — ou seja, não foram comunicados às bancadas.

Nas últimas semanas, três episódios ocorridos no Senado reforçaram as críticas dos congressistas.

Em 22 de maio, a pauta do plenário principal da Casa previa a votação de um projeto — amplamente apoiado pelo governo — para renovar a reserva de vagas para pessoas negras em concursos públicos. Logo no começo da reunião, no entanto, o vice-presidente do Senado, Veneziano Vital do Rêgo (MDB-PB), que presidia a sessão, anunciou um acordo: o líder do Planalto na Casa, Jaques Wagner (PT-BA), havia pedido o adiamento da pauta.

Senadores da base governista se surpreenderam. Relataram não terem sido comunicados por Jaques e foram atrás do líder para que ele retirasse o pedido — o que acabou acontecendo. Depois da “confusão”, o texto acabou aprovado.

O episódio das cotas em concursos também revela, de acordo com um senador, um desalinho entre Jaques e o líder do governo no Congresso, senador Randolfe Rodrigues (sem partido-AP). Dias antes, ao ser procurado por parlamentares e jornalistas, Randolfe havia anunciado que o governo tentaria aprovar a proposta na semana do dia 22.

E não foi a única divergência entre os dois. No último dia 29, durante a análise de uma proposta de reajuste dos salários de servidores, Randolfe se posicionou a favor de uma ampliação dos beneficiados pelo texto, em uma tentativa de atualizar os vencimentos de ex-servidores da União do antigo território federal do Amapá — base eleitoral do senador.

O argumento era completamente oposto ao defendido por Jaques, que era relator do projeto e dizia estar construindo o texto com base nos pedidos do Planalto.

No Senado, a “falha de comunicação” alcançou até mesmo o projeto que taxa as compras internacionais abaixo de US$ 50. Na terça-feira (4), o relator da proposta, senador Rodrigo Cunha (Podemos-AL), anunciou que excluiria a taxação de seu parecer, que seria votado naquele dia. A decisão surpreendeu parlamentares e gerou uma reunião de emergência de líderes partidários da Casa para construir um acordo em torno do texto.

A tributação sobre as compras de pequeno valor havia sido negociada entre Lula e o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL). Cunha relatou, no entanto, que o Senado não foi procurado para fechar um acordo.

O “vaivém” fez Lira reagir e cobrar o cumprimento de acordos. Mais tarde, naquele mesmo dia, Jaques fez questão de falar a jornalistas que o “governo não rompeu nenhum acordo”.

Emergencialmente em campo, lideranças do governo conseguiram contornar o parecer de Rodrigo Cunha. Em votação no dia 5, os senadores restabeleceram a taxação.

Para além do Senado, nas duas Casas, sobram críticas sobre a equipe de líderes escolhida por Lula. A avaliação é que os emissários não refletem a frente ampla formada pelo petista para governar.

Os ministros Alexandre Padilha (Relações Institucionais) e Rui Costa (Casa Civil), e os líderes José Guimarães (Câmara) e Jaques Wagner (Senado) compõem os quadros do PT. Embora não esteja filiado a um partido, Randolfe Rodrigues já disse que migrará para a sigla de Lula.

Para efeito de comparação: ao todo, a Esplanada de Lula conta com nomes de 11 partidos — já contando o PT.

Em uma das crises que se sucederam na articulação política, Arthur Lira defendeu a aliados que deveria haver um rearranjo nos articuladores do governo. Pediu a saída de Padilha e criticou a atuação de Randolfe em sessões do Congresso.

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