O último debate antes do primeiro turno da eleição de domingo (2) foi marcado por ataques, interrupções e poucas trocas sobre propostas para governar o país entre os candidatos à Presidência.
No encontro promovido na noite da quinta-feira (29) pela Rede Globo, alguns temas foram recorrentes, como perguntas para Luiz Inácio Lula da Silva (PT) sobre corrupção e ao presidente Jair Bolsonaro (PL) sobre orçamento secreto.
Outros momentos foram de tumulto, como quando Padre Kelmon (PTB), que não pontua nas pesquisas, foi recorrente em descumprir as regras do debate, que chegou interrompido pelo moderador William Bonner para pedir que o candidato se comportasse.
Horas antes do debate, foi divulgada a pesquisa mais recente do instituto Datafolha, mostrando relativa estabilidade nas posições dos concorrentes. Nos votos válidos, Lula se manteve nos 50%, enquanto Bolsonaro oscilou um ponto para cima, de 35 para 36%. A margem de erro é de dois pontos porcentuais para mais ou para menos. Entre os demais candidatos, Ciro Gomes (PDT) permanece na terceira colocação, tendo oscilado de 7% para 6% nos votos válidos. Na quarta posição aparece Simone Tebet (MDB), que manteve os 5% que já obtivera na pesquisa anterior, divulgada no dia 22 de setembro.
Soraya Thronicke (União Brasil) oscilou negativamente, de 2% para 1% nos válidos. Padre Kelmon e Luiz Felipe D’Ávila (Novo) não pontuaram.
A seguir, confira seis momentos-chave do debate que entrou pela madrugada desta sexta-feira:
1. Ataque à Globo e ‘guerra do direito de resposta’
Logo no primeiro bloco, durante resposta a Padre Kelmon, Bolsonaro atacou Lula e a própria Rede Globo.
“Lula defendia que se roubassem celulares para tomar uma cervejinha”, disse o presidente. Em seguida, afirmou que acabou com “a mamata” da grande mídia e que “a Rede Globo foi um dos casos”.
Lula, então, pediu direito de resposta. Ao ouvir que o direito foi concedido, Bolsonaro continuou no púlpito reclamando que “nenhum (direito de resposta) vai ser negado” e gesticulou insinuando que haveria algo combinado entre a emissora e o ex-presidente.
Bonner interveio: “O senhor pode voltar ao seu lugar, candidato Bolsonaro. Seu microfone está fechado. As regras serão respeitadas.”
O petista, então, voltou para sua resposta. “Ele que montou quadrilha com rachadinha, com sigilo de cem anos.”
Bolsonaro pediu direito de resposta, também concedido.
“Mentiroso, ex-presidiário traidor da pátria. Que rachadinha? Rachadinha é teus filhos roubando milhões de empresas após tua chegada ao poder.”
Mais uma vez, Lula obteve direito de resposta. “É uma insanidade um presidente da República vir aqui e falar o que ele fala com a maior desfaçatez. É por isso que no dia 2 de outubro o povo vai te mandar pra casa, E eu vou fazer um decreto para acabar com o seu sigilo de 100 anos para descobrir o que esse homem quer esconder”, afirmou o petista.
Encerrando a “guerra dos direitos de resposta”, Bolsonaro pediu novamente, mas o direito não foi concedido.
2. ‘Amiguinho no Supremo’
Ainda em clima de batalha, Bolsonaro se dirigiu a Lula com menções como “ex-presidiário”: “O ex-presidiário diz que eu decretei o sigilo da minha família. Qual decreto? Me dá o decreto. Diz que eu atrasei a compra da vacina. Nenhum país comprou vacina em 2020, para de mentir. Você dava pouca coisa para os pobres, eu dei 600 reais de Auxílio Brasil. Você dava pouca coisa e usava como massa de manobra, só da Petrobras foram 900 bi de reais de endividamento, daria para fazer 60 vezes a transposição do Rio São Francisco”.
E completou: “Tu foi condenado em três instâncias por unanimidade e o processo deixou de existir porque tinha um amiguinho seu no Supremo”.
Lula pediu direito de resposta, que foi concedido: “Confesso ao povo que está nos assistindo que me sinto mal de estar atrapalhando debate quando a gente poderia estar discutindo o futuro do país. Eu queria lembrar pessoas que graças ao que fizemos para combater a corrupção, a corrupção foi descoberta, e as pessoas foram punidas. Acontece que em processo de combater a coprrupção você poderia prender os presos e liberar empresas, mas no Brasil se fechou 4 mil de postos de trabalho, o Estado deixou de receber 58 bi de reais”.
3. Meio ambiente: ‘Pega fogo na região’
Tebet começou a pergunta afirmando que o governo Bolsonaro permitiu “o maior desmatamento dos últimos 15 anos”. “Seu governo protegeu mineradores, invasores de áreas públicas e madeireiros”.
Bolsonaro respondeu: “Periodicamente, pega fogo na região. Mas nós temos no Brasil dois terços das florestas preservadas”. E repetiu a frase que já utilizou diversas vezes sobre a questão da preservação do meio ambiente: “Nós somos exemplo para o mundo”.
E encerrou a resposta dizendo que “é uma briga de narrativas”. “A senhora está com muitos ciúmes da Tereza Cristina, que tirou sua vaga no Senado.”
Tebet respondeu prometendo impor uma meta de desmatamento ilegal zero, mas antes atacou Bolsonaro: “Mente tanto que acredita na própria mentira”.
4. Centrão e ‘orçamento secreto’
Ao longo do debate, Bolsonaro foi questionado por diversas vezes a respeito do chamado “orçamento secreto” e por alianças com o chamado Centrão no Congresso.
O presidente repetiu que tentou vetar a distribuição de recursos por meio das chamadas emendas de relator, o dito “orçamento secreto”, mas que os parlamentares derubaram o veto.
Em resposta a Luiz Felipe D’Ávila, afirmou que “orçamento secreto não é meu. Eu vetei. Depois passou e virou uma realidade. Eu não indico um centavo desse orçamento secreto. Ele é totalmente administrado pelo relator da Câmara”.
E continuou, admitindo que precisa do Centrão para governar, mas que não houve “toma lá, dá cá”. “Não existe nenhuma conivência com esse orçamento. Fala-se muito de Centrão. Se tirar o Centrão, sobram 200 deputados. Como você vai aprovar algum projeto se não tiver o mínimo de urbanidade com eles? Me indica qual ministério que eu dei em troca de apoio. Tem lá o (ministro da Casa Civil) Ciro Nogueira que faz contato com o Parlamento. Não existe no meu governo troca de ministério ou estatais por apoio parlamentar.”
O candidato do Novo replicou: “É intolerável qualquer tipo de esquema de toma lá, dá cá. Foi isso que acabou com política brasileira. Triste dizer que no seu governo também teve orçamento secreto, que o senhor vetou e depois aprovou. E o orçamento virou essa moeda de troca”.
5. Soraya x Padre Kelmon: ‘Padre de festa junina’
Enquanto Bolsonaro e Lula trocavam acusações, um embate menos previsível ganhava destaque no debate da Globo: entre Soraya Thronicke e Padre Kelmon.
A disputa começou ainda no primeiro bloco, quando a candidata iniciou uma pergunta mencionando as quase 700 mil mortes por covid-19 no país. “O que o senhor diria para consolar essas famílias, esses órfãos que estão até agora esperando uma ajuda do governo?”, e completou: “O senhor não tem medo de ir pro inferno, não?”
Kelmon retrucou: “Só fala de covid, covid, só se morre de covid, não se morre de outra coisa não? Você deveria me respeitar. Mandar um padre ir para o inferno?”
No segundo bloco, novamente, Soraya e Kelmon se enfrentaram. Apesar de o tema sorteado ser combate ao racismo, a candidata aproveitou para dizer que Kelmon nunca ministrou uma extrema-unção porque é um “padre de festa junina”.
Kelmon respondeu falando sobre sua visão a respeito do racismo: “Dizendo para todos vocês que somos irmãos. O preto, branco, índio, amarelo, marrom, somos todos brasileiros somos todos moradores desta nossa casa comum que é o Brasil”.
6. Ciro contra os líderes
Como em oportunidades anteriores, Ciro Gomes pautou sua participação no debate por tentar se colocar como a principal alternativa à polarização, pedindo que fossem debatidas propostas – e não ataques pessoais – e direcionando críticas tanto a Lula quanto a Bolsonaro.
Em resposta ao candidato D’Ávila, Ciro afirmou que “Lula reclama das mentiras do Bolsonaro, mas ele é mais hábil. Ele pega um pedaço do governo em que ele teve uma bonança do estrangeiro e produz o número. Os números oficiais são um desastre”.
Mais adiante, perguntando a Bolsonaro, Ciro acusou o presidente de comandar um governo com “corrupção generalizada”.
“O senhor recebeu uma oportunidade de ouro, que a meu juízo deveu-se ao encontro terrível da mais grave crise econômica da nossa história, PIB caiu 7%, o desemprego 12% e corrupção generalizada. O senhor prometeu que ia moralizar mas se vê que não moralizou nada. Está sob acusações pesadas, o senhor e seus familiares, igual os seus antecessores.”
“Que mentira, Ciro”, retrucou Bolsonaro, dizendo que seu governo é “limpo” e pedindo para Ciro “apontar uma fonte de corrupção”. “Onde é que tem corrupção da minha família? Querer falar de imóveis de 30 anos atrás?”