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sábado 13 de maio de 2023 às 12:20h

Os mitos e erros sobre os hemisférios do cérebro

CURIOSIDADES, NOTÍCIAS


Da mesma forma que o restante do organismo, o cérebro é formado por bilhões de células. Cada tipo de célula tem uma função específica, mas todas elas são perfeitamente sincronizadas e conectadas.

Conforme reportagem de José A. Morales García, Conchi Lillo, da BBC News, é possível comparar o cérebro com um daqueles relógios antigos com centenas de engrenagens de todas as espécies, trabalhando em uníssono para fornecer a hora certa.

O nosso cérebro é composto de duas metades – os hemisférios cerebrais. Mas, ao contrário do que pode parecer, não se trata de duas estruturas isoladas e independentes.

Os dois hemisférios são extraordinariamente conectados por uma espécie de “cabeamento” que faz a comunicação entre eles. Estamos falando do corpo caloso, formado por mais de 200 milhões de fibras nervosas que levam informações de um hemisfério para o outro.

Esta organização permite realizar e coordenar todas as funções – muitas delas, muito complexas – próprias do sistema nervoso. E, para isso, os hemisférios dividem o seu trabalho.

Foto de homem sentado usando notebook com desenhos em parede atrás dele

Acreditar que alguém será melhor em pintura ou em matemática dependendo do hemisfério dominante no cérebro é um erro CRÉDITO,GETTY IMAGES

Escritórios interconectados

Pense em um grande edifício de escritórios de uma mesma empresa. Nele, encontraremos diferentes andares, com diferentes departamentos, diferentes divisões e diferentes pessoas trabalhando em cada uma dessas áreas.

Cada seção tem uma função, mas todas estão interligadas. E, mais do que isso, elas mantêm estreita comunicação entre si, pois a operação correta de umas depende do que fizerem as outras.

Os hemisférios cerebrais funcionam de forma similar. Eles dividem o trabalho a ser realizado.

Ou seja, embora as duas metades intervenham em uma função específica, uma delas pode estar mais relacionada com aquela tarefa do que a outra.

Ilustração de mapa de calor em cérebro

O corpo caloso (em vermelho, na ilustração) é formado por mais de 200 milhões de fibras nervosas que transmitem informações de um hemisfério cerebral para o outro CRÉDITO,GETTY IMAGES

Este processo funciona da mesma forma que o faturamento daquela grande empresa.

O departamento de cobrança é o encarregado da operação, mas outras seções devem fazer sua parte do trabalho para completar o processo. Como o setor de expedição, por exemplo, que fará chegar a fatura ao seu destinatário.

Os hemisférios não são um destino

É neste ponto que começa o mito de que o cérebro é dividido em duas metades e, dependendo do lado que mais usarmos, teremos esta ou aquela habilidade. É a chamada teoria do “hemisfério dominante”.

Ela defende que, se você for bom em matemática, linguagem ou lógica, é porque o seu hemisfério esquerdo é o dominante. E, se você for uma pessoa artística, com vocação para a pintura ou a música, o hemisfério dominante é o direito.

Esta teoria ajuda a classificar erroneamente as pessoas em dois tipos: objetivas, racionais e analíticas, de um lado; ou passionais, sonhadoras e criativas, de outro.

Nada está mais longe da realidade. Não existe um hemisfério dominante.

Este mito provavelmente tem sua origem na reunião da Sociedade Antropológica de Paris, na França, em 1865.

Foto de mulher observando tubo de ensaio

Às vezes, as pessoas são classificadas erroneamente em dois tipos: objetivas, racionais e analíticas, de um lado, ou passionais, sonhadoras e criativas, de outro. Mas nada está mais longe da realidade do que isso CRÉDITO,GETTY IMAGES

O culpado pode ter sido, ainda que não intencionalmente, o médico francês Paul Broca. Ele assegurou que “falamos com o hemisfério esquerdo”, em referência às regiões cerebrais com mais influência sobre a função da linguagem, que se encontram naquele lado do cérebro.

O fato de que a maior parte de uma função específica recaia sobre um hemisfério, como ocorre com a linguagem e a metade esquerda do cérebro, não significa que aquele hemisfério seja dominante nas pessoas com maior capacidade linguística.

Quando um cantor memoriza a letra e a melodia de uma canção, por exemplo, as funções relativas à verbalização da letra encontram-se no seu lado esquerdo, mas ele irá usar o hemisfério direito para expressar a musicalidade da canção. Ou seja, é um trabalho de equipe.

Evidências que refutam o mito

Existem inúmeros estudos neste campo da ciência. Alguns deles chegaram a examinar imagens obtidas por ressonância magnética dos cérebros de mais de mil pessoas.

Seus resultados deixam claro que todos nós usamos os dois hemisférios igualmente, embora a atividade registrada em cada um deles dependerá “do que estivermos fazendo”.

Também se demonstrou que o lado do cérebro utilizado para uma determinada atividade pode não ser o mesmo para todas as pessoas. Análises demonstram que existem variações entre os indivíduos em relação a qual área ou metade do cérebro é empregada para uma ação específica.

O mito do hemisfério dominante ainda está muito presente hoje em dia. Em parte, porque existem muitos aspectos desconhecidos sobre o funcionamento do cérebro humano. E, quanto mais pesquisamos, mais percebemos a sua complexidade.

Por isso, quando são expostos os argumentos para tentar explicar este funcionamento tão complexo, continuam surgindo interpretações simplistas, como a de que as funções são escrupulosamente segregadas em áreas e hemisférios cerebrais.

Se fosse assim, uma lesão em uma dessas áreas tão especializadas faria com que essa zona funcional deixasse de ser útil para a pessoa afetada. Mas não é exatamente assim que acontece. O nosso sistema nervoso possui certa plasticidade.

Já se verificou que, em pessoas que perdem um dos sentidos (como a visão), a área do cérebro encarregada do seu processamento, sem receber a informação visual, às vezes se adapta para melhorar a percepção de outros sentidos, como o tato. Este fenômeno melhora o aprendizado da leitura táctil do alfabeto Braille, por exemplo.

Vendedores de ilusões

Deste desconhecimento científico e social da totalidade do funcionamento do cérebro, sobrevêm, como sempre acontece, os aproveitadores.

São aquelas pessoas que, utilizando linguagem pseudocientífica, apresentam explicações e soluções para tudo, tentando se aproveitar da incerteza dos mais vulneráveis.

Eles fazem as pessoas acreditarem, por exemplo, que podemos decidir qual hemisfério devemos usar para modular nossas habilidades, capacidades e personalidade, ou a forma em que enfrentamos as vicissitudes da vida.

Além disso, como ocorre com outros setores, como a saúde humana, a neurociência não conseguiu se livrar da propagação de mitos e boatos pelas redes sociais.

Mas, embora ainda existam incertezas sobre alguns aspectos do funcionamento do cérebro humano, temos a segurança de que o talento e a personalidade das pessoas não são determinados pela dominância de um hemisfério sobre o outro.

E sempre convém ressaltar, para evitar atitudes antropocêntricas, que não somos o único animal com as funções cerebrais compartimentalizadas.

Classificação dos estudantes

Apoiar o mito da dominância dos hemisférios cerebrais é perigoso em muitos aspectos – especialmente no campo da educação, já que limita as oportunidades de aprendizado e desenvolvimento dos estudantes.

Se acreditarmos erroneamente que existem alunos de “cérebro direito” (muito mais criativos) ou de “cérebro esquerdo” (mais analíticos), estamos classificando os estudantes em duas categorias.

E esta classificação limita suas oportunidades de aprendizado, restringindo seus interesses e impedindo que eles se desenvolvam em outras disciplinas. Tudo isso reduz suas futuras trajetórias profissionais.

Em resumo, não existe um hemisfério cerebral mais importante que o outro e os dois funcionam como uma unidade. E, na verdade, a atividade cerebral não é simétrica e varia de uma pessoa para outra.

* José A. Morales García é pesquisador científico de doenças neurodegenerativas e professor da Faculdade de Medicina da Universidade Complutense de Madri, na Espanha.

Conchi Lillo é pesquisadora de patologias visuais e professora titular da Faculdade de Biologia da Universidade de Salamanca, na Espanha.

Este artigo foi publicado originalmente no site de notícias acadêmicas The Conversation e republicado sob licença Creative Commons. Leia aqui a versão original em espanhol.

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