Davi Alcolumbre (União Brasil-AP) deve ter batido algum recorde ao ler e aprovar em 40 segundos, na Comissão de Constituição e Justiça do Senado, a emenda que limita o poder dos ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) de proferir decisões monocráticas. O texto, que ainda precisa ser submetido ao plenário, proíbe as liminares sobre assuntos de interesse coletivo ou que anulem atos dos presidentes da República e do Parlamento.
Se não foi campeão de velocidade, o avanço a jato dessa emenda, que já tinha sido rejeitada em 2019, estabeleceu segundo a colunista Malu Gaspar, do O Globo, um novo patamar de tensão entre duas instituições que até outro dia viviam em harmonia.
Numa guinada que muitos ainda tentam explicar, o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), que antes matava no peito até pedidos de impeachment de ministros, tornou-se algoz do Supremo.
Nas últimas semanas, a Casa aprovou uma lei estabelecendo que só poderão ser demarcadas como terras indígenas as ocupadas antes da Constituição de 1988, dias depois de o STF deliberar que essa tese é inconstitucional.
Também botou para tramitar uma emenda do próprio Pacheco que torna crime todo porte de drogas, quando o Supremo já contava cinco votos contra um pela descriminalização da maconha para consumo pessoal em pequenas quantidades.
Na segunda-feira, Pacheco prometeu ainda que colocaria em discussão textos que limitam os mandatos dos ministros e definem uma idade mínima para assumir vaga na Corte.
A reação do outro lado da Praça dos Três Poderes veio rápido. O presidente do STF, Luís Roberto Barroso, disse que “respeita, mas não concorda”. “O Supremo foi a instituição que melhor serviu à democracia e portanto não é hora de mexer (com isso)”.
O decano Gilmar Mendes foi ao ex-Twitter dizer que “a proposta se fará acompanhar pelo loteamento das vagas em proveito de certos órgãos” e que transforma o Supremo em “agência reguladora desvirtuada”.
“Após vivenciarmos uma tentativa de golpe de Estado, por que os pensamentos supostamente reformistas se dirigem apenas ao Supremo?”, perguntou Gilmar.
No subtexto dessas declarações está a pergunta que não quer calar em Brasília: por que isso agora?
Aliados de Pacheco disseram ainda conforme a Malu Gaspar, do O Globo, que ele se sentiu ultrajado ao ver que, depois de anos “segurando a barra do Supremo”, a ministra Rosa Weber decidiu colocar em pauta todos os temas de uma só vez antes de se aposentar, atiçando o bolsonarismo.
“Em um mês, ela jogou fora o esforço que ele fez sozinho durante anos para conter os radicais”, diz um aliado de Pacheco.
Para magistrados e governistas, a explicação é outra e tem a ver com a disputa pela presidência do Senado.
A eleição só acontece em fevereiro de 2025, mas Alcolumbre, parceiro de Pacheco e candidato, já está correndo atrás de alianças. E quer ao seu lado os bolsonaristas, que deram 32 votos a Rogério Marinho (PL-RN) em 2023. É uma força relevante para quem precisa de ao menos 41 votos para ganhar — mais ainda quando se trabalha no modus operandi de “criar dificuldade para vender facilidade”.
Afinal, manobrar os votos da bancada conservadora contra o governo Lula pode ser conveniente para outras querelas — como a eventual nomeação ao Supremo de Flávio Dino, que vive às turras com a extrema direita.
“Davi já recebeu a lista de demandas dos bolsonaristas”, resume um personagem enfronhado nas articulações. “E nela está incluída a rejeição do Dino”.
Ninguém em Brasília acredita de verdade que o Senado barrará um candidato de Lula ao STF. Mas, da última vez que Alcolumbre resolveu tumultuar a vida de um “supremável”, André Mendonça, foram 141 dias de espera e chantagem nos bastidores.
Na época, Alcolumbre queria que Bolsonaro trocasse Mendonça por Augusto Aras, mas foi derrotado pela mobilização dos evangélicos. Agora, sonha em ver Aras reconduzido à PGR. Lula já disse que não há chance, mas Alcolumbre é tinhoso. Sabe que, mesmo que não leve o que quer, alguma vantagem vai tirar.
O irônico é tudo isso estar acontecendo sob um governo de esquerda, eleito só porque o Supremo venceu a batalha contra o negacionismo e o golpismo. Mais irônico ainda é o bolsonarismo, embora derrotado nas urnas e desmoralizado pela selvageria do 8 de Janeiro, parecer estar se fortalecendo a partir da briga.
Talvez seja justamente por ter vencido a batalha que o tribunal está na mira. Não só da direita, mas também da esquerda, o que mais se ouve é que os supremos, vitaminados, passaram a agir como quem se julga acima da lei.
Está aí uma discussão legítima e bem-vinda. Não é mesmo saudável uma democracia que dependa tanto da Suprema Corte, em que ministros decidem na canetada questões centrais para a coletividade ou protelam decisões indefinidamente com pedidos de vista. O problema é um debate tão necessário ocorrer em meio a ruídos que nada têm a ver com o cerne da questão — e sob a sombra de conveniências políticas e interesses inconfessáveis.