Corte de água, fake news, falta de álcool em gel, alimentos e de consciência de classe colocam moradores das quebradas em risco
Por Larissa Godoy
“A gente só consegue rezar e tentar ao máximo convencer as pessoas da gravidade da situação”, conta Thayene Rocha, 29, conteudista e moradora da Cidade Ocidental, em Goiás, sobre o efeito da pandemia em sua cidade. Na combate ao novo coronavírus, idosos e doentes crônicos são listados no grupo de risco da doença, mas a realidade das comunidades, quebradas e favelas mostra que os habitantes desses locais também são alvos vulneráveis da covid-19.
“Em vários lugares aqui do entorno, e do Distrito Federal, a gente sabe que tem pessoas que não têm nem como se higienizar. Aqui na cidade (Cidade Ocidental), não tem álcool gel em nenhum lugar; e sempre que chega, acaba”, diz Thayene, “em casa mesmo, eu tenho um pouco, mas priorizo o uso de sabão, para deixar o álcool em gel para o último caso”.
O mesmo acontece em Paraisópolis, em São Paulo. “Muitas pessoas aqui tem, durante a noite, a sua água cortada, e durante a semana a água fica muito fraca até parar. As pessoas têm olhado na televisão a necessidade de usar máscara, de usar álcool em gel, de ficar em casa fazendo home office. Mas essa não é uma realidade das favelas deste país, as pessoas estão passando dificuldades neste momento”, conta Gilson Rodrigues, 35, líder comunitário e coordenador do G10 das Favelas, um bloco de líderes e empreendedores de impacto social das Favelas que une forças em prol do desenvolvimento econômico e protagonismo das comunidades.
“Uma das principais dificuldades é a falta de água”, avalia Wellington Frazão, 32, comunicador popular do Coletivo Periferia em Foco, mídia popular de Belém (PA). Morador da Cabanagem, um dos 73 bairros periféricos da cidade, o jornalista elenca os principais problemas que a periferia belenense enfrenta. “Em alguns bairros, tem faltado água; o álcool em gel está em falta em grande parte da cidade. Dizem que se lavarmos as mãos é muito mais eficaz que o próprio álcool em gel, mas como vai lavar as mãos se não tem água? A periferia tem sofrido muito nesse tempo de coronavírus. E não é só aqui, eu vejo também no Rio de Janeiro”, conclui.
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Para a patologista e socióloga Buba Aguiar, 27, na favela de Acari, no Rio de Janeiro, água e alimentos são os bens que mais estão em falta, e são “o apoio mais essencial agora”. (Leia mais: 92% das mães nas favelas dizem que faltará comida após um mês de isolamento, aponta pesquisa). “Estamos fazendo arrecadação para doação de cestas básicas, para as famílias que estão precisando, por não poderem ir trabalhar. Estamos com dificuldade para encontrar álcool em gel para doar, mas seguimos procurando. Com essas ações, não conseguimos ficar em casa o tempo todo. Além de arriscado, numa pandemia, é também muito cansativo”, conta. “As pessoas estão tendo que optar se vão morrer ou se vão morrer contaminadas de coronavírus”, diz Thayene.
Em Paraisópolis (SP), a alternativa foi criar um programa que ajude as pessoas que mais precisam. Lá, três ambulâncias ficam disponíveis 24 horas com médicos e enfermeiros, já que o SAMU não consegue ter acesso ao local. “Também estamos montando um hospital de campanha que vai atender 500 pessoas”, conta. Para Gilson, além da falta de água e do acesso ao básico para a higienização, a maior dificuldade é manter as pessoas em casa.
Conforme recomendação do Ministério da Saúde e da Organização Mundial da Saúde, a quarentena é a única forma de proteção e, por conseguinte, combate à covid-19, já que ainda não existe vacina para o vírus. O autoisolamento, porém, não tem recebido a adesão necessária. Para Railton da Silva, 32, jornalista de Maceió (AL), são inúmeros os fatores para as pessoas deixarem de ficar em casa. “Em muitos casos, a galera entende que a quarentena é ficar em casa e manter as suas relações sociais, e de bem- estar comunitário, enquanto outros por não ter condições, inclusive financeiras, precisam ganhar a vida”.
“Muitos empregadores não liberaram a população (para o home office)”, conta o publicitário Antonio Benvindo, 37 anos. Do Instituto Cultural Coletivo Semifusa, Antonio conta que por Ribeirão das Neves (MG) ser uma cidade dormitório, boa parte da população sai para trabalhar em Belo Horizonte. “O fluxo diário de pessoas reduziu”, garante. Mas ainda não o necessário para a pandemia que estamos enfrentando.
“A vida nas quebradas está continuando como se nada estivesse acontecendo”, atesta Railton. Os idosos estão entre o público mais hesitante em praticar a quarentena. “Por mais que se esclareça e que se fale sobre a realidade, os idosos estão na porta (de casa) e se cumprimentando. Além do aperto de mão, se abraçam”, diz.
“Temos muitos idosos na cidade e já está sendo difícil convencê-los a ficarem em isolamento”, conta Thayene. “Estamos muito temerosas com os desdobramentos o pronunciamento (do presidente da República Jair Bolsonaro, realizado no dia 24 de março, quando criticou a quarentena, e afirmou que “histórico de atleta” impedia que a covid-19 manifestasse sintomas muito graves). Por aqui, o nosso grande desafio é conseguir conscientizar as pessoas dos dos riscos; e agora pode ser que tudo isso retroceda”.
“E se o governo vai ajudar os grandes empresários e não a quebrada, vai ajudar o favelado a pagar as suas contas também? Vai ajudar a senhora que vende guarda-chuva na esquina a não quebrar?”, questiona Wellington. “Não estamos recebendo apoio governamental nenhum e de nenhuma esfera, inclusive nos últimos dias tivemos um retrocesso por conta do discurso irresponsável do presidente em exercício”, finaliza Buba.
Informar a partir de uma Coalizão
Para além dos problemas estruturais e de saneamento básico, a falta de informação, as fake news e a forma com que a mensagem de prevenção chega às favelas têm sido obstáculos para o combate ao coronavírus.
“Aqui na Cidade Ocidental, o nosso principal desafio é conseguir compartilhar o máximo possível de informações para sensibilizar a galera da importância do isolamento social. Muita gente por aqui ainda compartilha muita informação desencontrada. E infelizmente o presidente não está ajudando muito”, conta Thayene.
Já para Railton, quando a informação chega, existe outro problema: a linguagem que é usada. “É uma linguagem que não é acessível e que muito pouco reflete a realidade (das comunidades). O maior medo é que a pandemia estoure mas grotas e nas favelas planas da capital e do interior, onde estão localizados os acampamentos e assentamentos”.
Pensando nisso, Wellington Frazão, Antonio Benvindo, Thayene Rocha, Railton da Silva, Buba Aguiar e mais 62 comunicadores de diversos coletivos e iniciativas pessoais do Norte, Nordeste, Centro-Oeste e Sudeste do País reuniram-se para formar a Coalizão Nacional das Periferias. “Nosso objetivo é contribuir com o enfrentamento da covid-19 nas periferias e nas regiões mais vulneráveis. Queremos reforçar a importância de se buscar soluções para as populações periféricas, sobretudo do ponto de vista econômico, sanitário e de acesso de prevenção e tratamento diante da pandemia”, explica Frazão.
“A coalizão está sendo fundamental na troca de informações entre os estados e na propagação de recomendações gerais numa linguagem mais popular, que é uma das principais preocupações nossas”, diz Buba. Entre as ações, os comunicadores destacam a produção de conteúdo para rede sociais e até para panfletagem nas comunidades. “Hoje penduramos faixas pela favela, e no fim de semana, panfletamos por comércios como padarias e farmácias, e também colocamos por baixo das portas dos moradores”, conta.
“O Periferia em Foco tem produzido peças audiovisuais em conjunto com a Coalizão. Nós fizemos 12 cards com dicas de como as pessoas podem se prevenir do coronavírus: como lavar as mãos, como deixar a casa aberta, arejada”, comenta Wellington, “a nossa grande missão é esclarecer a população da periferia, trazer esclarecimentos. A coalizão também quer que o Estado defina ações voltadas às pessoas em situação de rua e a população carcerária, a fim de conter a disseminação do coronavírus”.
O governo e o coronavírus
Sem recomendação endereçada especificamente às favelas, o plano de combate ao novo coronavírus (Leia mais: Coronavírus: Sem plano do governo para favelas, moradores e organizações se juntam para controlar contágio) do Ministério da Saúde reforça as orientações gerais para a prevenção do vírus. “O Ministério da Saúde tem feito insistentemente recomendações à toda população sobre medidas de higiene básicas e evitar aglomerações, para reduzir o contágio pelo coronavírus. A pasta também tem recomendado a redução do contato social o que, consequentemente, reduzirá as chances de transmissão do vírus”.
Parte do Comitê de Crise para a Supervisão e Monitoramento dos Impactos da Covid-19, criado pelo Governo Federal, o Ministério da Cidadania trabalha com algumas das medidas de assistência social para amenizar o impacto do novo coronavírus entre as populações mais vulneráveis do país. Outro reforço é a proposta de renda emergencial de R$ 600 a informais, sancionado por Bolsonaro em 1º de abril , que poderá ser requisitada a partir do site e aplicativo lançado pela Caixa na terça-feira, 7 de abril. Até o fechamento desta matéria, no entanto, informais só poderiam fazer transações digitais e não sacar o valor.
Confira a nota na íntegra sobre os planos de combate ao coronavírus do Ministério da Saúde
O Governo Federal instituiu um Comitê de Crise para Supervisão e Monitoramento dos Impactos da Covid-19. O comitê conta a participação de todos os ministérios brasileiros, entre eles os de Infraestrutura e Desenvolvimento Social, para que atuem em suas respectivas áreas. No âmbito da saúde, o Ministério da Saúde tem feito insistentemente recomendações à toda população sobre medidas de higiene básicas e evitar aglomerações, para reduzir o contágio pelo coronavírus. A pasta também tem recomendado a redução do contato social o que, consequentemente, reduzirá as chances de transmissão do vírus.
O Ministério da Saúde também ampliou os canais de comunicação oficiais sobre o tema, para aumentar o acesso a informações sobre cuidados para prevenção, informações sobre diagnóstico e tratamento, isolamento, necessidade de assistência à saúde, além de um canal exclusivo pelo whatsapp para verificação de fake news que circulam nas redes sociais sobre o assunto. A pasta lançou, ainda, o aplicativo Coronavírus-SUS com o objetivo de conscientizar a população sobre a Doença pelo Coronavírus (COVID-19).
Para facilitar essa comunicação, o Ministério da Saúde lançou campanha publicitária de prevenção ao coronavírus e passou a disponibilizar, 24 horas por dia, o canal telefônico 136 com conteúdo específico sobre o novo coronavírus, para cidadãos e profissionais de saúde (médico e enfermeiro).
A pasta também elaborou e publicou o Plano de Contingência Nacional para Infecção Humana pelo Novo Coronavírus, que define o nível de resposta e a estrutura de comando correspondente a ser configurada em cada um dos níveis para a preparação da rede de atenção à saúde, assim como cada estado atualizou o próprio plano de contingência estadual de acordo com as necessidades e recomendações locais. O Ministério da Saúde vem realizando treinamento online e presencial para que as equipes locais possam com segurança fazer os ajustes necessários na notificação e confirmar a classificação final dos casos.