Na semana em que se encerrou a campanha do primeiro turno das eleições municipais, a bilionária verba pública de campanha continuou canalizada para pouquíssimos concorrentes: 80% do valor declarado até a reta final da campanha estava nas mãos de apenas 2% dos quase 560 mil candidatos.
O percentual mais que dobrou em relação ao primeiro levantamento feito pela Folha, no final de outubro, mas permanece representando uma parcela ínfima dos concorrentes.
Ao todo, cerca de 20% dos candidatos a prefeito e vereador nas eleições desde domingo (15) declararam receita pública de R$ 1,4 bilhão até o início da semana passada, mas 80% desse valor foi direcionado a pouco mais de 11 mil candidatos.
Os números, consolidados pela plataforma 72horas, devem mudar até a prestação de contas final das eleições, em dezembro, mas a concentração certamente será elevada.
As declarações tornadas públicas já representam 65% de toda a verba do Fundo Eleitoral, a principal fonte das campanhas, e os gastos de agora em diante ficarão com as poucas candidaturas a prefeito que disputam o segundo turno.
Desde a proibição do financiamento empresarial das campanhas, em 2015, os cofres públicos passaram a ser a principal fonte dos partidos para abastecer seus candidatos. Neste ano, eles tiveram à disposição R$ 2 bilhões do Fundo Eleitoral e R$ 959 milhões do Fundo Partidário, embora esse último não seja aplicado apenas em eleições.
Os critérios para a distribuição dos recursos são de decisão exclusiva das cúpulas partidárias, que tendem a beneficiar políticos já estabelecidos, embora nos últimos anos elas tenham sido forçadas pela Justiça a contemplar de forma proporcional as mulheres (desde 2018) e os negros (a partir desta eleição).
O campeão de recebimento de recursos públicos é o prefeito de São Paulo, Bruno Covas (PSDB), com R$ 11,3 milhões declarados, dinheiro recebido do próprio partido (R$ 8,1 milhões) e dos coligados Podemos, MDB e PP.
Logo atrás de Covas, aparece o candidato do DEM à Prefeitura de Salvador, Bruno Reis, hoje vice do atual prefeito e presidente nacional da sigla, ACM Neto.
Reis recebeu R$ 10,8 milhões do DEM (a maior parte, R$ 6,1 milhões) e dos coligados PL, PSL, PDT e Republicanos. Em terceiro, está o deputado federal João Campos (PSB-PE), que recebeu R$ 7,5 milhões do fundo eleitoral do PSB para a disputa à Prefeitura do Recife.
Dos quase 20 mil candidatos a prefeito, pouco mais da metade, 11.590, declarou ter recebido dinheiro dos fundos públicos, em um total de cerca de R$ 1 bilhão. Apesar disso, a maior parte da verba, 80%, ficou concentrada nos primeiros 3.500 nomes.
Dos cerca de 95 mil candidatos a verador que declaram o recebimento de algum recurso público, a concentração se repete —pouco mais de 20% deles ficou com 80% da verba.
Como destaque, três candidatos formaram o clube dos que receberam mais de R$ 1 milhão de verba pública para suas campanhas, o que representa cifras maiores do que as direcionadas à maioria dos candidatos a prefeito no país.
São eles Milton Leite (DEM) e Abou Anni Filho (PSL), que disputaram vaga na Câmara de São Paulo, e Laura Carneiro (DEM), que concorreu a vereadora no Rio de Janeiro.
O primeiro recebeu R$ 2,2 milhões do partido. O segundo, R$ 2 milhões. Laura, R$ 1,2 milhão.
Na comparação entre os partidos, o nanico PMB (Partido da Mulher Brasileira) figurou como a sigla mais concentradora de verbas públicas. Apenas 4% de seus candidatos declararam até a semana da eleição ter recebido dinheiro público.
O partido teve como principal beneficiária do dinheiro a sua presidente, Suêd Haidar, candidata à Prefeitura do Rio de Janeiro, que levou R$ 320 mil de verba do partido para sua campanha.
A Folha tem tentado nas últimas semanas ouvir Suêd ou o partido por meio da candidata ou dos canais de contato informados, mas não obteve ainda resposta.
Entre as grandes siglas, o DEM figurava até a semana passada com a maior concentração, com 11% dos candidatos declarando ter recebido algum valor público para bancar suas campanhas. O partido não se manifestou sobre esse ponto específico, mas tem dito que vai cumprir todas as determinações legais e que é preciso esperar o fim da eleição para analisar os valores declarados pelos candidatos.
Na lista dos que distribuiram de forma mais ampla os recursos estão os nanicos de esquerda PCB e PCO. Entre os médios e grandes, destaque para o PSOL (53% dos candidatos) e o PT (35%).
Por determinação do Supremo Tribunal Federal, neste ano as legendas tinham que distribuir a maior parte da verba pública para candidatos negros, já que elas lançaram mais pretos e pardos (50%) do que brancos (48%).
Também por detemrinação da Justiça que vale desde 2018, as siglas tinham que direcionar um valor proporcional às candidaturas femininas em patamar nunca inferior a 30%.
A prestação de contas final de partidos e candidatos, relativas ao primeiro e segundo turnos da disputa, têm que ser encaminhada à Justiça eleitoral até o dia 15 de dezembro. É a partir dessa documentação que o Judiciário irá checar o cumprimento das regras pelos partidos. Eventuais descumprimentos e desvios podem acarretar punições eleitorais e criminais.