Muito mistério e inúmeras lendas envolvem Stonehenge, o famoso monumento megalítico circular localizado na planície de Salisbury, no condado de Wiltshire, sudoeste da Inglaterra. Há anos, arqueólogos vê tentando descobrir a origem e o propósito dessas imensas pedras de arenito, que permanecem praticamente inalteradas há cerca de cinco milênios.
Conforme o Olhar Digital, algumas teorias defendem que a estrutura teria sido construída para abrigar um cemitério ou um local de cura. Outras linhas de estudo sugerem que seria um calendário celestial ou observatório astronômico, tendo em vista que os espaços no anel de pedras externo do monumento estão em perfeito alinhamento com o solstício de verão e de inverno.
Uma nova pesquisa em andamento desenvolveu uma réplica em miniatura para examinar as propriedades acústicas de Stonehenge e tentar descobrir o que o som do enigmático local pode revelar sobre suas origens e finalidades.
“Sabemos que a acústica dos lugares influencia a forma como eles são utilizados. Por isso, compreender os sons de um local pré-histórico é uma parte importante da arqueologia”, disse o professor e pesquisador de acústica Trevor Cox, da Universidade de Salford em Manchester, no Reino Unido, em entrevista à BBC Travel.
Análise acústica de Stonehenge começou há 10 anos
Para Susan Martindale, gerente voluntária da organização English Heritage, responsável pela administração de Stonehenge, embora se descubra cada vez mais sobre a estrutura, nunca será possível compreendê-la totalmente. “Não temos como entender por que as pessoas começaram a construí-lo – e os motivos que as levaram a continuar trabalhando nele podem muito bem ter mudado ao longo dos séculos que levou sua construção”, explica.
Mesmo assim, pesquisadores do mundo todo continuam empenhados em saber pelo menos um pouco mais sobre o local. Cox é um que se dedica a isso há cerca de uma década.
Em 2003, quando estudava “as maravilhas sônicas do mundo”, ele começou a avaliar se a análise das propriedades acústicas de Stonehenge poderia ajudar a desvendar alguns dos seus segredos.
“Percebi que havia uma técnica na acústica que nunca havia sido aplicada antes aos locais pré-históricos, que era a modelagem em escala acústica”, revela Cox. “Sou o primeiro a fazer um modelo em escala de Stonehenge ou de qualquer outro local de pedra da pré-história”.
Como foi desenvolvida a pesquisa
Com a ajuda de um modelo computacional de Salford, que reproduz as mesmas condições que Stonehenge apresentava quando foi construído, há quase cinco mil anos, a réplica foi desenvolvida em escala 1:12 para ser testada no interior da câmara semianecoica da universidade – uma sala quase à prova de som, que absorve virtualmente todos os ruídos graças à espuma geométrica que recobre toda a superfície, exceto o piso.
Ao todo, o processo de criação de 157 pedras com impressão 3D e técnicas de modelagem levou cerca de seis meses para ser concluído. Para testar cada uma das rochas, Cox e sua equipe colocaram os alto-falantes em volta delas e executaram as diversas frequências que eles tinham interesse em medir.
Os microfones da sala coletavam os dados sobre a forma com que as pedras afetavam o som. Depois, com processamento matemático, a equipe criou um modelo por computador que simula as propriedades acústicas de Stonehenge e pode distorcer as vozes ou a música para dar uma ideia de como elas teriam soado dentro do círculo.
Segundo Cox, o resultado foi surpreendente. Embora Stonehenge não tenha piso nem teto, o som ricocheteia entre os espaços nas pedras e permanece dentro do círculo. Em acústica, este fenômeno é conhecido como reverberação.
Uma das descobertas mais notáveis da pesquisa é o efeito das pedras sobre a direcionalidade da voz. Em um ambiente aberto natural, como o morro coberto de grama onde Stonehenge foi construído, uma pessoa falando de costas para o ouvinte só seria compreendida cerca de um terço do tempo. No entanto, os reflexos das pedras seriam capazes de amplificar a voz em quatro decibéis, aumentando o índice de sentenças compreendidas para 100%.
Esses resultados demonstraram que Stonehenge teria permitido que pessoas posicionadas no interior do círculo ouvissem umas às outras muito bem, enquanto as que estavam do lado de fora não escutavam nada, sendo excluídas de qualquer cerimônia que fosse realizada ali dentro.
Isso reforça um conjunto cada vez maior de evidências de que Stonehenge pode ter sido utilizado para rituais reservados para um seleto grupo de pessoas.
Dados complementares devem ser publicados em breve
Depois que as descobertas iniciais de Cox foram publicadas em 2021, na revista científica Physics Today, o pesquisador e sua equipe começaram a abordar novas questões – como as pessoas dentro do círculo poderiam mudar a acústica, por exemplo.
“Sabemos que as pessoas no seu interior teriam alterado a acústica, já que nós absorvemos os sons”, explica ele. “Queremos quantificar qual pode ter sido a alteração quando mais pessoas entravam no círculo”.
Assim, eles concluíram recentemente um novo conjunto de medições, colocando até 100 pequenos bonecos de madeira em volta da réplica em miniatura.
Esta nova etapa da pesquisa também examina mais detalhadamente como os indivíduos escutavam os barulhos que vinham de diferentes ângulos, pois isso interfere na forma como percebemos o som. As reflexões laterais, por exemplo, aumentam a qualidade da música em uma sala de concertos.
Cox, que espera publicar os novos resultados ainda este ano, reconhece que as perguntas sem resposta sobre Stonehenge dificultam a elaboração de conclusões definitivas sobre o seu trabalho com o modelo em escala. No entanto, ele considera que a pesquisa acústica é uma excelente ferramenta para encontrar mais indicações e formar um quadro mais claro das qualidades do local.