A onda de manifestos assinados por personalidades brasileiras de diferentes setores da sociedade em defesa da democracia e em oposição à retórica do presidente Jair Bolsonaro ganhou volume com a articulação de organizações da sociedade civil. Nesta última terça-feira (2), 130 entidades subscreveram o documento “Juntos pela democracia e pela vida”, que diz ser “preciso reconhecer de forma inequívoca que a ameaça fundamental à ordem democrática e ao bem-estar do País reside hoje na própria Presidência da República”.
Entre os signatários estão grupos de renovação e formação política surgidos nos últimos anos; entidades formadas a partir do incremento do combate à corrupção no País; movimentos de transparência nas atividades partidárias e na administração pública; institutos de gestão da educação e outras áreas; organizações ambientalistas, contra o armamentismo, entre outras. O manifesto foi divulgado pelo Pacto pela Democracia, que abriga movimentos e grupos de diferentes espectros políticos e tradições – como RenovaBR, Raps, SOS Mata Atlântica, a ONG Sou da Paz, a Rede Nossa São Paulo, o Instituto Vladimir Herzog, a Associação Brasileira de Imprensa (ABI) e o Instituto Ethos.
O manifesto foi lançado na esteira de iniciativas recentes como o Basta!, que reúne advogados e juristas, e o Movimento Estamos Juntos, que agregou centenas de personalidades – do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso (PSDB) ao deputado Marcelo Freixo (PSOL-RJ) – e o Somos 70%.
Segundo o sociólogo Ricardo Borges Martins, coordenador do movimento, o Pacto pela Democracia não definiu se vai defender o impeachment de Bolsonaro, mas pretende atuar em três frentes. “Somar vozes na sociedade, responder institucionalmente às falas e atitudes do presidente e suas bravatas, como dizer que tem provas de que a eleição de 2018 foi fraudada, e levar à série a nova dinâmica de produção de informação nas mídias sociais”, disse Martins ao Estadão. O sociólogo reconheceu ainda que o “campo democrático” precisa avançar muito na dinâmica das redes sociais, universo em que os bolsonaristas conseguem exercer um diálogo de forma mais direta.
O grupo nasceu em 2017 com o nome Nova Democracia e, inicialmente, reunia apenas grupos de renovação política como Acredito, Agora!, RenovaBR e Ocupa Política. No ano seguinte, após a eleição de Bolsonaro, o coletivo arregimentou líderes de esquerda e direita, além de organizações para um movimento mais amplo, que nasceu em evento em junho daquele no ano no Masp, em São Paulo.
‘Reação’
Atualmente, o Pacto Pela Democracia é uma organização com sede própria, sete diretores executivos remunerados e seis financiadores que pagam R$ 150 mil cada por ano. Entre os patronos estão Maria Alice Setúbal, Beatriz Bracher, Fundação Lemann e a National Environment for Democracy, ONG americana ligada ao Congresso.
“Quem defende a democracia estava muito calado enquanto eles ocupavam espaço. Os bolsonaristas são sempre bons de rede”, disse o cientista político Luiz Felipe D’Avila, fundador do Centro de Liderança Pública (CLP), uma das ONGs que assinaram o manifesto do Pacto pela Democracia. Para D’Avila, o momento ainda é de defender os princípios violados da democracia.
Já o ambientalista Mário Mantovani, diretor do SOS Mata Atlântica, que também integra o pacto, acredita que um eventual processo de impeachment do presidente “está amadurecendo”. “Estava na hora dessa reação. A luta era muito desigual, com robôs e um grupo muito violento. Houve uma falência múltipla do governo, que não entregou nada e só privilegiou grupos de interesse.”
“A Presidência da República age em ataques graves e sistemáticos aos próprios fundamentos da vida democrática; pois, em lugar de união e paz na construção conjunta do País, dedica-se a afirmar a cisão, a discriminação, o racismo e o caos como pilares de seu projeto de poder”, afirma o manifesto divulgado nesta terça. “O governo incita abertamente movimentos golpistas na sociedade, enquanto alicia as Forças Armadas e atores políticos corruptos para o avanço de um horizonte autocrático.”
A reação de grupos e personalidades levou organizações tradicionais a reagir. A Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) se reuniu com representantes da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) e das seis maiores centrais sindicais em videoconferência para articular um ato em defesa da democracia com a participação de diferentes setores da sociedade.