Na terça-feira passada, o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), viajou para Roma, onde participou de encontro de presidentes de parlamentos do G-20, o grupo das 20 maiores economias. Segundo o Estadão, o deputado e líder do Centrão tinha dado aval à sua base de influência se aliar a opositores na aprovação, no dia seguinte, da proposta de convocar o ministro da Economia, Paulo Guedes, para explicar investimentos pessoais no exterior.
A sessão expôs a situação incômoda vivida pelo governo, hoje refém de seu principal aliado no Legislativo, e o momento confortável de Lira, que passou uma semana aprazível em conversas com lideranças internacionais.
Os primeiros oito meses da gestão de Lira mostram que o deputado tem exercido um poder inédito na história recente da República. Diferentemente de antecessores como Eduardo Cunha (MDB-RJ), que mantinha uma relação conflituosa com o governo a ponto de conduzir a queda da presidente Dilma Rousseff, Lira impôs sua pauta e destravou iniciativas improváveis, como as mudanças para afrouxar a Lei de Improbidade Administrativa, um dos símbolos do avanço na política do pós-ditadura.
Se Cunha se notabilizou por manter o controle da Câmara por meio de um arranjo de interesses, Lira conta agora com o orçamento secreto para chefiar com mãos de ferro a Casa e turbinar a prática do “toma-lá-dá-cá” para segurar pedidos de impeachment do presidente Jair Bolsonaro (sem partido). É o que afirmam pessoas próximas do próprio parlamentar alagoano ouvidas pelo Estadão.
O esquema do orçamento secreto montado por Bolsonaro de distribuição de verbas sem transparência para garantir apoio político foi revelado em maio pelo jornal. A prática se tornou possível após a criação das emendas de relator, ou RP9, pelo Congresso Nacional, no final de 2019.
O vice-presidente da Câmara, Marcelo Ramos (PL-AM), reconhece que Lira tem uma ascendência maior nos rumos da Câmara do que é usual para um presidente da Casa. “O Arthur tem muita influência sobre os líderes partidários e é muito obstinado nas pautas em que acredita”, afirmou à reportagem.
Ao mesmo tempo que mantém o Centrão, bloco de partidos fisiológicos, sob controle, Lira tem obtido alianças temporárias com a oposição em votações de destaque e mantido independência do governo em horas cruciais. Eleito para comandar a Câmara com a ajuda de Bolsonaro, não é raro ver Lira “lavar as mãos” para projetos de interesse do presidente.
Com Lira no comando, a Câmara arquivou a proposta de voto impresso, pauta que Bolsonaro insistiu pela aprovação, e decidiu convocar Guedes para prestar explicações ao plenário sobre as contas offshore que mantém no exterior. Foram 310 votos a favor de obrigar o ministro a se explicar contra 142 no plenário, acima do placar de 302 a 145 que garantiu a vitória de Lira na disputa com Baleia Rossi (MDB-SP), em fevereiro, para a presidência da Casa.
Na análise da proposta do voto impresso, o Progressistas, partido de Lira, liberou os deputados e cerca de metade da bancada votou contra o interesse de Bolsonaro. Já na votação sobre a convocação de Guedes, o partido orientou para que o ministro e homem forte do governo seja convocado a dar explicações sobre os conflitos de interesse que envolvem manter uma conta no exterior com regimes tributários diferenciados e mais vantajosos que os do Brasil.
O líder do governo na Câmara, Ricardo Barros (Progressistas-PR), minimizou as derrotas do governo e disse que Lira tem que cumprir os compromissos que manteve com diferentes grupos. “Ele assumiu compromissos em sua campanha à presidência, com o governo, com a oposição, com o mercado e outras instituições. Pelo que o conheço, cumprirá todos”, disse à reportagem.
Lira mantém em sua gaveta mais de 130 pedidos de impeachment contra Bolsonaro. Sempre quando o governo dá uma escalada nos tons autoritários, Lira recorre a figuras de linguagem como “sinal amarelo” e “botão amarelo”. O presidente da Câmara já falou isso em março, quando o País ultrapassou 300 mil mortos por coronavírus, e em agosto, quando Bolsonaro impôs a análise do voto impresso. Críticos do governo tem afirmado que Bolsonaro ficou refém de Lira e, assim, acaba empoderando seu algoz liberando tanto recurso quanto ele pede.
Também líder do Centrão, Cunha não tinha a mesma facilidade para ditar os rumos da Casa quando a comandou, entre 2015 e 2016. Embora tenha sido eleito para o cargo com um discurso contra o governo de Dilma, o emedebista inicialmente tentou uma negociação política com a petista visando evitar que fosse cassado pelo Conselho de Ética.
Como não houve acordo na época, o então presidente da Câmara cedeu aos apelos da oposição ao então governo e abriu um processo de impeachment. Demonstrando a falta de influência que tinha sobre os deputados, antes mesmo do Senado ter completado a destituição de Dilma, Cunha se viu forçado a renunciar à presidência da Casa.
O deputado Rodrigo Maia (sem partido-RJ), que presidiu a Câmara entre 2017 e 2020, também teve menos sucesso na votação de propostas. Ele não conseguiu pautar a votação da reforma tributária, da reforma administrativa e nem da privatização da Eletrobras. Temas que, ainda que parcialmente, avançaram sob a gestão de Lira.
Ao Estadão, o presidente da Câmara disse que se comprometeu com os deputados a sempre ouvi-los ao definir a pauta de votações e é o que tem feito. Afirmou ainda manter diálogo constante com a equipe econômica. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.