O orçamento de 2021 para a área de saúde, em discussão no Congresso Nacional, retoma valores próximos ao registrado antes da pandemia da Covid-19.
De acordo com a Comissão Mista de Orçamento, do Congresso Nacional, o orçamento previsto para 2021 é de R$ 125,8 bilhões. Em 2020, primeiro ano de pandemia, foram R$ 160,9 bilhões e, em 2019, quando não havia pandemia, R$ 122,2 bilhões.
Segundo o painel de monitoramento dos gastos da União com combate à Covid-19, do Tesouro Nacional, foram autorizados R$ 42,7 bilhões para despesas adicionais do Ministério da Saúde e outras pastas. A liberação foi facilitada pelo estado de calamidade pública e pela aprovação do chamado “orçamento de guerra”.
Em 2021, com poucos recursos confirmados para gastos extraordinários, está prevista queda de cerca de R$ 35 bilhões nas despesas em saúde na comparação com 2020 — apesar do aumento da necessidade de atendimento, uma consequência da alta do contágio pela Covid-19.
No fim de janeiro, o Ministério da Saúde pediu crédito suplementar de R$ 5,2 bilhões para custear despesas relacionadas à pandemia. No fim de fevereiro, foram liberados R$ 2,8 bilhões por meio de medida provisória (veja os valores no gráfico abaixo).
Gastos em ações e serviços públicos de saúde
Diante desse cenário, o Conselho Nacional de Saúde (CNS), ligado ao Ministério da Saúde, lançou em fevereiro a petição pública “O SUS merece mais em 2021” para aumentar a verba destinada à área. Quase 600 mil pessoas assinaram o documento até esta quinta-feira (18).
“É impossível fazer tudo o que precisa ser feito esse ano sem esses recursos extras. Precisamos garantir que os parlamentares analisem e votem a Lei Orçamentária Anual 2021, definindo para o Ministério da Saúde um piso emergencial enquanto um orçamento mínimo no valor de R$ 168,7 bilhões”, afirmou o presidente do CNS, Fernando Pigatto.
Reportagem do G1, publicada neste mês, mostra que o número de leitos de UTI exclusivos para pacientes com Covid-19 financiados pelo Ministério da Saúde teve queda de 71% entre julho de 2020 e março de 2021.
Estados se manifestam
Em carta à nação brasileira, o Conselho Nacional dos Secretários de Saúde (Conass) pediu o “reconhecimento legal do estado de emergência sanitária”.
O conselho também pediu a “viabilização de recursos extraordinários para o SUS, com aporte imediato aos Fundos Estaduais e Municipais de Saúde para garantir a adoção de todas as medidas assistenciais necessárias ao enfrentamento da crise”.
O Comitê Nacional dos Secretários de Fazenda dos Estados e do Distrito Federal (Comsefaz) também pediu formalmente ao Ministério da Economia mais recursos.
Em ofício enviado ao governo federal em fevereiro, o comitê solicitou recursos financeiros para “garantir a manutenção dos serviços de atendimento à população, diante do recrudescimento da pandemia da covid-19”.
Os secretários de Fazenda dos estados alertam, no documento, que “a pandemia não cessou” e acrescentam: “Seguiremos enfrentando até final do ano a coexistência de diversas ondas dessa crise de saúde ocorrendo de maneira assimétrica e diversas regiões do Brasil”.
Eles avaliaram, ainda, que os efeitos da vacinação somente deverão causar “queda sustentada, com baixa probabilidade de novas etapas de aceleração de casos, internações e óbitos”, a partir do segundo semestre.
E concluem dizendo que “urge que a União aporte aos Estados novo incremento ao teto de média e alta complexidade para custeio livre da rede de atenção e vigilância, assim como, mantenha o mecanismo já consolidado no SUS de habilitação e custeio fixo dos leitos de UTI-Covid”.
Regras fiscais
Ao contrário do ano passado, quando houve liberdade maior para despesas por conta do estado de calamidade pública e do orçamento de guerra, em 2021 os gastos estão limitados pela meta de déficit primário.
As outras normas — o teto de gastos e a “regra de ouro” — não impedem tecnicamente o aumento de gastos públicos, assim como aconteceu no ano passado.
No caso do teto de gastos, podem ser autorizados créditos extraordinários além dos limites legais e, na regra de ouro, basta a aprovação de uma lei pelo Congresso (como já foi feito nos últimos anos, desta vez com a inclusão os gastos extraordinários na estimativa final do desequilíbrio orçamentário).
Na meta de déficit primário, porém, analistas avaliam que não há uma forma de contorná-la tecnicamente para incluir as despesas da Covid-19 sem mudanças legais. Para esse ano, o objetivo é de um rombo de até R$ 247,1 bilhões – valor que não considera necessidade de eventuais gastos extraordinários.
Segundo o consultor de Orçamento da Câmara dos Deputados, Ricardo Volpe, a meta de déficit primário de 2020 já está “no osso”, ou seja, restam poucos recursos para novas despesas.
Ele explicou que, para gastar mais em saúde neste ano, o presidente Bolsonaro teria de decretar, e o Congresso autorizar, o estado de calamidade pública, como aconteceu em 2020.
Outra alternativa para acomodar gastos extraordinários em saúde, de acordo com o economista, seria alterar a meta de déficit primário vigente, o que poderia ser feito somente após a aprovação do orçamento deste ano pelo Legislativo.
Ricardo Volpe lembrou que, além de gastos extraordinários com a pandemia na área de saúde, o governo se comprometeu a reeditar o programa de manutenção do emprego, o que também teria impacto nas contas públicas.
Por fim, o analista observou que a meta de resultado primário também pode ser comprometida por uma queda da arrecadação — fruto do baixo nível de atividade durante o distanciamento social. “Mesmo se o governo não gastasse nada mais, a possível queda de arrecadação já comprometeria [a meta]”, explicou.
O que diz o governo
O secretário especial de Fazenda do Ministério da Economia, Waldery Rodrigues, afirmou nesta semana que, “se for necessário”, o governo repetirá, “em dose ainda a ser determinada”, as medidas do ano passado de combate à pandemia do coronavírus.
Em 2020, com o orçamento de guerra vigente, o governo gastou R$ 524 bilhões em ações extraordinárias de enfrentamento à Covid-19, entre elas:
R$ 293 bilhões em auxílio emergencial;
R$ 42,7 bilhões adicionais para gastos em Saúde;
R$ 78 bilhões em auxílio financeiro aos estados;
R$ 33,5 bilhões para o programa de manutenção do emprego.
“O que faremos é uma análise, em conjunto com o Congresso, para ver caso a caso. Lembrando que a nossa posição fiscal nesse ano é diferente da do ano passado. Tivemos um endividamento adicional de R$ 1,1 trilhão ao longo de 2020. Cada ação é tomada com duas visões: zelo com questões sociais e o atendimento às regras fiscais”, disse Rodrigues.
Segundo ele, o governo está atento para ações ligadas à área saúde e “atuará dentro dos regramentos legais para defesa dos mais vulneráveis”. “E a saúde é prioridade”, afirmou, acrescentando que “não há prejuízo no combate à pandemia”.
Por fim, o secretário afirmou que a meta de déficit fiscal de até R$ 247,1 bilhões, fixada na Lei de Diretrizes Orçamentárias, será cumprida. “Nós hoje não trabalhamos com alteração dessa meta”, disse. Mas ele acrescentou que a dinâmica do processo orçamentário e financeiro “requererá uma análise momento a momento”.