A oposição ao governo Lula da Silva (PT) na Câmara dos Deputados já conta com uma trincheira para fazer frente à gestão do PT após o recesso parlamentar: votar a derrubada de um decreto do presidente que exige vistos de turistas dos Estados Unidos, Canadá e Austrália. O fim da chamada política de reciprocidade, retomada pelo Itamaraty sob Lula, teve um requerimento de urgência aprovado no plenário da Casa no apagar das luzes de 2024.
Com isso, a pauta deve ser discutida pelo plenário após o recesso parlamentar, que se encerra no próximo dia 1º de fevereiro. A agenda é um tema caro a Lula, que desde seu retorno ao governo tem defendido enfaticamente a exigência de vistos para turistas de países que requerem o mesmo documento de cidadãos brasileiros, como é o caso das quatro nações especificadas no decreto assinado em maio de 2023.
A dispensa havia sido determinada pelo então presidente Jair Bolsonaro, em 2019. A ofensiva para retomá-la é encabeçada pelo deputado Marcel Van Hattem (Novo-RS), autor do projeto de decreto legislativo que extingue os efeitos do decreto presidencial.
Apesar da predileção de Lula pela política de reciprocidade, que também é bancada pelo Itamaraty chefiado pelo ministro Mauro Vieira, a medida não é unanimidade no governo. Reservadamente, o presidente da Embratur, Marcelo Freixo (PT), tem dito ser contrário à exigência de vistos de turistas americanos.
A gestão de Freixo tem buscado expandir os números do turismo estrangeiro no Brasil, mas a cobrança do documento é visto como um entrave para cidadãos dos Estados Unidos, que não contam com essa restrição em diversos outras potências turísticas no mundo. Em 2024, segundo a Embratur, os americanos foram a segunda maior nacionalidade estrangeira a visitar terras brasileiras (696.512 turistas), atrás apenas dos vizinhos argentinos (1.953.548). Os esforços de ampliar as estatísticas, porém, têm esbarrado na insistência de Lula na reciprocidade
Na Câmara, Van Hattem aposta na aprovação da pauta sem maiores dificuldades – se houver aval do plenário, a agenda ainda depende de aprovação pelo Senado Federal para entrar em vigor.
“Eu não acredito que esse seja um tema que vá dividir tanto o plenário da Câmara dos Deputados. Por mais que os mais radicais de esquerda defendam essa política de reciprocidade prejudicial ao Brasil, isso acaba sendo um tiro do próprio pé por tirar recursos que poderiam entrar por meio do turismo para nossas cidades”, disse o deputado do Novo à equipe do blog da Malu Gaspar.
“A maior parte do plenário já demonstrou na votação do requerimento de urgência que é contrário a esse decreto legislativo. Acredito que haverá uma grande vitória no momento em que ele for pautado. Até mesmo partidos de centro já sinalizaram que serão favoráveis a esse projeto, muitos com ministérios no governo [Lula]”.
O chanceler Mauro Vieira tem defendido a negociação de acordos com os países que exigem o documento de brasileiros, a exemplo do que ocorreu com o governo japonês. O decreto de Bolsonaro também previa a dispensa de vistos para turistas do país asiático. No entanto, Lula assinou em setembro passado um acordo de reciprocidade com o governo nipônico para isentar turistas do Japão e do Brasil do documento durante estadias de até 90 dias.
Mas as tratativas com países como os EUA, Canadá e Austrália não avançaram neste período e dificilmente ocorrerá sob a administração do presidente eleito Donald Trump, que toma posse no próximo dia 20. No seu primeiro mandato (2017-2021), Trump endureceu as regras para obtenção e renovação do visto de turismo para brasileiros.
Ofensiva bolsonarista
O projeto de Van Hattem teve origem na Comissão de Relações Exteriores da Câmara, hoje dominada por bolsonaristas. Como já publicamos no blog, o deputado do Novo já protagonizou outro revés para o governo Lula na área diplomática.
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No início de dezembro, o parlamentar relatou outro projeto que derrubou um decreto do presidente responsável pelo retorno do Brasil à União das Nações Sul-Americanas (Unasul), bloco que historicamente esteve associado a governos de esquerda no chamado Cone Sul do continente.
Questionado, Van Hattem negou se tratar de mais um “recado” da oposição contra o governo.
“O governo quis insistir desde o início do mandato numa política de reciprocidade que ele próprio não conseguiu implementar. Também prometeu a criação de um grupo de trabalho para tratar do assunto na última vez que foi à pauta da Câmara, mas nunca o fez. Logo, está mais do que na hora de sairmos dessa insegurança e garantirmos tranquilidade para o setor do turismo brasileiro”, declarou o deputado.
Para frear a tramitação do projeto de Van Hattem na Comissão de Relações Exteriores, o governo Lula chegou a editar o decreto da política de reciprocidade em mais de uma ocasião para ampliar o prazo para que a medida entrasse em vigor – o prazo, inicialmente fixado em outubro de 2023, foi alterado diversas vezes até a data limite atual, em 10 de abril deste ano.
Com o clima azedo no Congresso e a aprovação do requerimento de urgência no fim do ano, porém, tudo indica que a política de Lula pode não sobreviver até essa data.