Em Pernambuco e no Rio de Janeiro, a relação estabelecida entre os prefeitos das capitais e os governadores produz segundo reportagem de Leonardo Rodrigues, da revista IstoÉ, um efeito de “antecipação” das eleições de 2026, exposta em gestos públicos pelos quatro políticos da equação.
Na capital fluminense, Eduardo Paes (PSD) foi reeleito para o segundo mandato e, da escolha do vice-prefeito às críticas públicas ao governador Cláudio Castro (PL) — que não poderá disputar a reeleição, mas deve ungir um sucessor de seu grupo ao pleito –, prepara terreno para uma candidatura estadual.
Já no Recife, João Campos (PSB) se ampara pelos elevados índices de popularidade no cargo para confrontar os planos da governadora Raquel Lyra (PSD), candidata declarada à reeleição, em outubro do próximo ano. Neste texto, a IstoÉ situa essas duas disputas e seus impactos para o que ocorrerá nas votações.
Pernambuco: oponentes no poder
A eleição de Raquel Lyra para o Palácio do Campo das Princesas, ainda pelo PSDB, encerrou um ciclo de 16 anos do PSB no governo do estado e encaminhou a família Campos, que chefia o partido a nível local, para um raro papel de oposição em Pernambuco.
Diante da impopularidade do ex-governador Paulo Câmara (PSB) e do papel menos expressivo exercido por seu irmão, o deputado Pedro Campos, o prefeito do Recife, João Campos, foi encaminhado à liderança do grupo. Nesta posição, o político de 31 anos entrou na “linha sucessória” da família, que já esteve no cargo por 16 anos, com seu bisavô, Miguel Arraes (morto em 2005), e o pai, Eduardo Campos (morto em 2014).
Embora nunca tenha admitido publicamente que concorrerá ao cargo, Campos não hesitou em fazer gestos nessa direção. Depois de anos de uma relação atribulada entre PSB e PT no estado, o prefeito buscou fortalecer a relação com o presidente Lula (PT), votado por 66,9% dos pernambucanos no segundo turno de 2022, e pediu votos para candidatos petistas em outros estados nas eleições de 2024.
Reeleito com uma votação histórica no Recife, pavimentou o caminho para assumir a presidência nacional do PSB em maio de 2025, em sinal claro de fortalecimento estadual. Na disputa particular contra a governadora nas eleições de 2024, o pessebista ajudou aliados a se elegerem em cidades grandes do estado, como Petrolina e Guaranhuns, para assegurar palanques em 2026.
Nesta mesma campanha, Lyra tornou seu então PSDB a legenda com mais prefeituras no estado (32) e trabalhou para fazer prefeitos aliados de outros partidos. Buscando marcar sua gestão pelas entregas, a mandatária não sofre com o mesmo problema de Campos e, podendo se assumir candidata, faz gestos públicos de aproximação ao lulismo.
Com esse objetivo, trocou o PSDB, histórico rival do petismo e enfraquecido ano após ano, pelo PSD, que chefia três ministérios de Lula — um deles, o da Pesca, com André de Paula, presidente estadual da sigla em Pernambuco. Com o movimento, a governadora entra em uma sigla da base federal e pode forçar Lula a um “passo atrás” na sólida parceria com Campos para 2026, optando pela neutralidade para não comprometer suas relações com o partido.
“Mesmo sendo bem avaliada, Raquel tem o desafio de conquistar parte da esquerda, que tem um eleitorado muito expressivo no estado“, disse à IstoÉ Leon Victor de Queiroz Barbosa, chefe do departamento de ciência política da UFPE (Universidade Federal de Pernambuco).
Para Barbosa, o pessebista tem a seu favor a demonstração de proximidade histórica de Lula, o que Raquel não possui, como um “critério de desempate” na competição entre os bons indicadores das duas gestões. “Será uma batalha de números”, resumiu. Em fevereiro, a Quaest mostrou Campos com 56% das intenções de voto para o pleito, contra 28% de Lyra.
Rio de Janeiro: sucessão em aberto
Diferentemente do que ocorre em Pernambuco, em que a disputa se coloca entre dois chefes de Executivo, o governador Cláudio Castro faz seu segundo mandato e, portanto, não pode concorrer à reeleição. O mandatário não esconde, contudo, o objetivo de participar ativamente da escolha de um representante da gestão para o provável embate contra Eduardo Paes, o prefeito da capital.
Prova disso é a retomada das boas relações com Thiago Pampolha (MDB), vice-governador, depois de mais de um ano de ruptura. O “retorno” se deu à luz da possibilidade de que o emedebista ocupe o Palácio da Guanabara para se credenciar à sucessão — Castro pretende concorrer ao Senado em 2026, o que o obrigaria a renunciar ao cargo em abril do ano eleitoral e deixar os oito meses finais de mandato ao vice.
Como alternativas a Pampolha, o governador fez gestos públicos a Rodrigo Bacellar (União Brasil), presidente da Assembleia Legislativa, e viu os “parceiros” Washington Reis (MDB), ex-prefeito de Duque de Caxias, e Dr. Luizinho (PP), ex-secretário da Saúde em sua gestão, perderem crédito na corrida por problemas com a Justiça — em especial no caso de Reis, que está inelegível.
A amplitude do grupo político de Castro — que é do PL e teve citados como potenciais sucessores políticos de MDB, União Brasil e PP — está no centro dos movimentos que Paes tem feito para viabilizar a própria candidatura — que, assim como Campos, ele não admite publicamente.
O prefeito já concorreu ao cargo duas vezes, em 2006 e 2018 — quando chegou ao segundo turno e foi derrotado por Wilson Witzel (então no PSC) –, mas nunca antes no meio de um mandato na prefeitura, o que coloca um obstáculo ao movimento. Mas a possibilidade foi sinalizada com a escolha de um vice — Eduardo Cavaliere (PSD) — do círculo mais próximo de sua confiança.
Ainda assim, a percepção é de que o pessedista não deixaria o comando da capital fluminense sem chances sólidas de eleição estadual. Além da dificuldade de Castro em emplacar um sucessor, Paes ainda vê, ao contrário de outros pleitos, o solidificado apoio da esquerda a seu nome — o PT já o apoiou em 2024 e a parceria deve se repetir em 2026, para que Lula assegure um palanque forte no estado.
Por outro lado, mantém dificuldades no interior do estado, onde um “cinturão” da direita formado por legendas como União Brasil e PP se ampliou nas eleições de 2024. Como estratégia para driblar esse predomínio, o prefeito tem adotado maior dureza e foco na agenda da segurança pública, pauta que atrai o eleitorado conservador e é um dos pontos de fragilidade da gestão Castro.
Paes apostou na criação da Força de Segurança Municipal e, ao apresentar o projeto aos vereadores da capital fluminense, falou em livrar o município da “bandidagem e da vagabundagem” e fez críticas ao que chamou de “turma do ‘vítima da sociedade’”, em alusão à militância pelos direitos humanos — tradicionalmente associada a entidades da esquerda.
“É compreensível que o prefeito se preocupe com esse problema [da segurança pública], porque ele será abordado no enfrentamento da extrema-direita. A disputa pelo voto popular passa por dialogar com os eleitores conservadores“, disse à IstoÉ Marcus Ianoni, professor do departamento de ciência política da UFF (Universidade Federal Fluminense). “Qualquer candidato [ao governo] terá de se dirigir ao eleitorado de renda média para baixo, que é maioria no estado. Uma parte relevante desse grupo foi capturada por ideologias conservadoras, baseadas na violência policial e na aliança entre evangélicos e o bolsonarismo”, concluiu.
Uma pesquisa divulgada pelo instituto Prefab Future em fevereiro de 2025 mostrou Paes com 37,2% das intenções de voto para o pleito, contra Wladimir Garotinho (PSD), que teve 5,2%, Washington Reis, com 4,8%, Thiago Pampolha, com 3,3%, e Rodrigo Bacellar, que registrou 3,2%.