Se o governo do presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva (PT) precisará formar uma base robusta no Congresso para garantir governabilidade, como manda a política tradicional, o desafio também é grande no mundo digital, cada vez mais estratégico para conquistar a adesão da opinião pública. Um levantamento feito pelo GLOBO com base em dados do Facebook e Instagram aponta o tamanho dessa tarefa. No ambiente das redes, perfis de deputados federais aliados do presidente Jair Bolsonaro (PL) se destacam entre as contas oficiais de parlamentares que formarão a Câmara a partir de janeiro.
Segundo Marlen Couto e Jan Niklas, da coluna Sonar, dos 50 nomes da próxima legislatura com maior número de interações no Instagram nos últimos seis meses — conta que inclui curtidas, comentários e compartilhamentos —, 21 são do PL, partido do atual presidente. Em conjunto, este bloco da futura oposição representa pouco mais da metade das métricas contabilizadas no período por todos os que conquistaram mandato.
O cenário é o mesmo no Facebook. O PL tem também 21 nomes na lista de 50 deputados com maior impacto digital, que somam mais da metade das interações. Proporcionalmente, o peso da legenda é maior nas redes do que na composição da próxima Câmara, na qual contará com a maior bancada, formada por 99 deputados de um total de 513.
Os dados foram levantados pelo GLOBO por meio da plataforma de análise de redes CrowdTangle, mantida pela Meta. O levantamento considerou dados de 506 contas de deputados mapeadas no Instagram e de 491 no Facebook.
Nas duas plataformas, a deputada Carla Zambelli (PL-SP), que recentemente teve suas perfis bloqueados por determinação da Justiça Eleitoral, foi quem mais gerou interações no período analisado. A parlamentar tem pouco mais de 6,2 milhões de seguidores nas duas redes somadas.
No Facebook, Zambelli teve sozinha 20% de todas as curtidas, comentários e compartilhamentos gerados pelos deputados eleitos em seis meses, segundo dados da própria plataforma. Outros integrantes do PL e da tropa de choque do bolsonarismo, como Bia Kicis (DF), Eduardo Bolsonaro (SP) e Carlos Jordy (RJ), aparecem bem posicionados no ranking elaborado pelo GLOBO.
O PT, partido de Lula, por sua vez, tem só quatro nomes entre os 50 deputados com maior peso no Instagram. Eles somam apenas 5% das interações da Câmara. No ranking do Facebook, o desempenho da legenda é melhor: são dez deputados eleitos na lista, que chegam a 11% do total de curtidas, comentários e compartilhamentos no período analisado. A presidente da legenda, Gleisi Hoffman (PR), é a parlamentar petista que mais se destaca em ambas as redes.
Outro partido de esquerda com força nas plataformas digitais é o PSOL. O deputado eleito Guilherme Boulos (SP), cujas campanhas eleitorais são conhecidas pelo uso das redes, é o parlamentar aliado a Lula que mais gerou engajamento no Instagram no período analisado. Essa posição é ocupada no Facebook por André Janones (Avante-MG), estrategista informal para as redes da campanha petista durante as eleições.
Siglas tradicionais no Congresso, PSDB, MDB e PSB têm poucos deputados entre aqueles com maior impacto nas redes. O mesmo é observado entre os partidos do Centrão. Com a terceira maior bancada da Câmara na próxima legislatura, o União Brasil tem apenas cinco deputados no ranking. Entre eles estão o ex-vereador Felipe Becari (SP), conhecido pela pauta da defesa dos animais, e Kim Kataguiri (SP), membro do Movimento Brasil Livre (MBL).
Integrante do grupo de comunicação social da equipe de transição de Lula, a roteirista Antonia Pellegrino analisa que, embora o PT e sua frente ampla tenham vencido as eleições presidenciais, o Brasil segue, do ponto de vista ideológico, tendo hegemonia da direita e da extrema-direita — o que se reflete no ranking digital. Em sua visão, a esquerda ainda perde a batalha das narrativas nas redes sociais porque “ainda não entrou, de fato, neste campo de batalha”.
— Há consenso no grupo (de transição) de que devemos criar uma secretaria digital que seja capaz de inaugurar uma ação organizada do campo democrático nas redes sociais. Mas isso não quer dizer que o nosso projeto seja o de “jogar o jogo deles” — diz Pellegrino. — Entendemos que é preciso reconstruir um espaço de diálogo público no Brasil, que está fortemente atacado e prejudicado pela dinâmica bolsonarista das redes e pela desinformação.
O diagnóstico sobre a necessidade de fortalecer a base digital do novo governo se dá num momento em que a equipe de transição enfrenta reveses na articulação com o Congresso. A chamada PEC da Transição, que abre espaço no Orçamento de 2023 para promessas de campanha de Lula, foi novamente adiada em meio à falta de consenso sobre a proposta e a sua duração. Além disso, a próxima gestão corre o risco de ver o PL à frente da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), a mais importante da Câmara, em um acordo para a reeleição do presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL). O PT reivindica o posto. Os dois temas, por enquanto, não mobilizaram a base de Lula nas redes sociais.
Desmobilização
Professor do Departamento de Estudos de Mídia da Universidade da Virgínia, nos Estados Unidos, David Nemer vê uma desmobilização da comunicação construída pelo campo lulista para as eleições. O pesquisador pondera que os algoritmos das plataformas valorizam conteúdos que geram emoções como medo, raiva e ódio, sentimentos que costumam ser mobilizados por parlamentares bolsonaristas em suas postagens:
— O bolsonarismo nunca saiu da campanha e continua nessa frente. A disputa nas redes será um desafio como sempre foi. A esquerda e a direita democrática não têm presença como o bolsonarismo, que adota uma abordagem de guerrilha digital, e tende a ter uma participação menos intensa agora do que na campanha. Eles saem do modo campanha, enquanto os bolsonaristas não saem.
O cientista político Rafael Sampaio, da Universidade Federal do Paraná (UFPRJ) e do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia em Democracia Digital, também chama atenção para o fato de a comunicação digital pró-Lula ter perdido força após a eleição. O pesquisador vê dificuldade do núcleo mais próximo a Lula na área, o que levou a campanha a recorrer a Janones.
— A campanha digital da coalizão que elegeu Lula nunca foi boa. Precisou de vários apoios para combater a campanha bolsonarista. Muita gente se uniu para vencer Bolsonaro e uma parte não estará agora digitalmente em favor do próximo governo — analisa Sampaio. — No Congresso, os acordos de bastidores, de bancadas, continuam existindo e sendo determinantes, porém, nos últimos anos, as mídias sociais também têm uma influência, viraram uma espécie de termômetro da opinião pública. Uma oposição muito mais barulhenta vai parecer maior, e qualquer projeto que não vai ser do interesse dela vai ter um curso político a mais.