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Em um dos endereços das buscas da Operação Retis os policiais federais encontraram a prova de que um novo sistema de comunicação criptografada foi criado pelo crime organizado para garantir a segurança de suas comunicações. Ele está descrito em dez páginas do relatório da Operação Mafiusi, que derrubou o império bilionário do crime que seria liderado pelo empresário Willian Barile Agati, o Concierge do Primeiro Comando da Capital (PCC).
Trata-se do N1BC, que funcionava por meio de criptofones, desligando a localização por GPS dos aparelhos e excluindo mensagens pouco depois de serem recebidas. Barile e seu companheiro, Edmilson Meneses, o Grilo, eram, segundo a PF, dois dos traficantes de drogas que mandavam toneladas de cocaína para a Europa e que deixaram de usar o SKY ECC, depois que o servidor do sistema foi sequestrado pela Europol, em 2021.
Em mensagens encontradas pela polícia no celular do empresário Glauco Azevedo de Souza com um homem não identificado os federais constataram a oferta do novo sistema para os antigos usuários do Sky ECC no Brasil. Souza era um dos sócios da Protectphone Importação e Exportação, o representante exclusivo de vendas dos aparelhos e do gerenciamento dos aplicativos Sky ECC no País.
Na conversa iniciada às 12h57 de 17 de março de 2021, mas só agora revelada pela PF, Souza atende a um cliente que comprara 60 aparelhos com Sky ECC, que não estavam mais funcionando. Souza explica que a plataforma havia sido suspensa. O cliente então pergunta: “Existe risco de a polícia entrar e ver o que eu tinha salvo?”. O empresário responde: “Isso não, amigo. Fique tranquilo.”
Em seguida, ele aproveita para fazer propaganda do novo sistema, o N1BC. “Muito melhor que o Sky e ainda faz ligações. O pessoal do BC1 abriu uma promoção especial para os clientes Sky, onde para cada licença teria de adquirir um aparelho novo, eles abriram a portabilidade para que possa usar seus iphones e comprar só a licença nova.” Cada licença nova sairia por R$ 11,4 mil. O cliente se dispôs a comprar 20, portanto, gastaria R$ 228 mil, segundo cálculo do empresário.
Por fim, Souza pergunta ao cliente, cujo telefone tinha um DDI da Bolívia, onde parte da cúpula do PCC se esconde: “Você precisa de quantos aparelhos para entrega no Rio de Janeiro?”. O comprador diz que com o sistema blindado são apenas três. E conclui, tentando tranquilizar definitivamente o seu comprador sobre o acesso ou não da polícia ao Sky: “O Sky amigo ninguém terá acesso. Nem mesmo você”.
Para o delegado Eduardo Verza, do Grupo Especial de Investigações Sensíveis (GISE), de Curitiba, da Polícia Federal, “as mensagens demonstram que as comunicações explícitas que vimos na presente investigação não cessaram, havendo apenas a substituição do Sky ECC pelo aplicativo N1BC a partir do início de 2021, o que deve ter sido feito também pelos integrantes do grupo criminoso de Agati e de Meneses”.
Ainda segundo ele, não existem meios disponíveis de acessar o conteúdo das comunicações travadas pelo N1BC, da mesma forma que, até 2021, “era totalmente impossível para as autoridades terem acesso as mensagens do Sky ECC”. É por isso que o delegado afirmou, na Operação Mafiusi, que tudo indicava que os chefes do tráfico ligados ao PCC “continuam operando o mesmo esquema criminoso e remetendo grandes quantidades de cocaína ao exterior” pelo terminal portuário de Paranaguá (PR).
A única diferença, segundo ele, seria que eles estariam usando agora o N1BC “ou eventualmente outro aplicativo sofisticado para se comunicarem”. “Por se tratar de uma Organização Criminosa bem estruturada e com alto poder financeiro, certamente continuaram investindo nos seus meios de comunicação e fazendo uso de aplicativos que não podem ser acessados pela Polícia e demais órgãos de persecução penal”, afirmou.
Durante a Operação Mafiusi, a PF constatou o envio de toneladas de cocaína para a Europa, principalmente em carregamentos de louças sanitárias e madeiras para a Espanha. Também constatou voos lotados com até 1,5 tonelada de cocaína para aeroportos de Portugal e da Bélgica.
Por fim, encontrou um esquema de lavagem de dinheiro que envolvia do comércio ilegal de ouro à venda de agrotóxicos e bebidas, com relações financeiras até com empresas de ônibus de São Paulo investigadas por ligação com o PCC. Ao todo, dez acusados tiveram suas prisões decretadas, entre eles Agati. Meneses morreu atropelado em setembro, dois meses antes da operação, quando se dirigia como romeiro ao Santuário de Nossa senhora de Aparecida (SP).
O Sky ECC pertencia à empresa canadense Sky Global. Em 2021, Jean-Francois Eap, CEO da companhia, foi denunciado nos Estados Unidos por fornecer comunicação criptografada para narcotraficantes. À imprensa, na época, ele negou elo com o crime organizado e disse defender a privacidade dos usuários na plataforma. O Estadão não conseguiu localizar a defesa.
Após a investigação da polícia europeia, a Europol, o site também foi derrubado em 2021 pelo FBI, nos EUA. As mensagens criptografadas dos mafiosos foram apreendidas pelas polícias francesa e belga, que as compartilharam com os colegas da Itália. Isso só foi possível depois de a Procuradoria Federal da Bélgica infiltrar o agente Jovan Jankov em Luxemburgo entre mafiosos calabreses da ‘Ndrangheta que atuavam na Bélgica e pertenciam à ndrina (clã) Strangi, de ‘Fracascia di San Luca’. Em 29 de outubro de 2024, o escândalo da Sky ECC levou à condenação de 116 dos 125 acusados de operar uma rede de tráfico de drogas no porto de Antuérpia, na Bélgica.
O blog não conseguiu localizar a defesa de Souza e a de Agati. No processo da 23ª Vara criminal de Curitiba, o acusado se declarou inocente. Sua defesa contesta ainda a cadeia de custódia das mensagens do Sky ECC para tentar anular as provas e obter a revogação de sua prisão. Por enquanto, não obtiveram sucesso.
