A grande dívida dos países em desenvolvimento pode ser aliviada com medidas facilmente acessíveis, disse a chefe do agência de comércio e desenvolvimento da ONU, a costarriquenha Rebeca Grynspan.
A ex-vice-presidente da Costa Rica comparou o peso da dívida dos países pobres a “uma transfusão de sangue ao contrário”, com o dinheiro fluindo “de quem precisa para quem não precisa”.
Em 2022, os países em desenvolvimento “pagaram a seus credores quase 50 bilhões de dólares (cerca de 250 bilhões de reais) a mais do que receberam em novos aportes”, afirmou a Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento (UNCTAD, na sigla em inglês) em um relatório recente.
“O que temos que entender é que os mercados não estão em apuros, as populações estão”, disse Grynspan à AFP esta semana. “Estamos em uma crise de dívida”, acrescentou.
Grynspan destacou que são os “países pequenos e médios que não movimentam os mercados, que estão em dificuldades, que gastam mais com a sua dívida do que com o desenvolvimento humano, a educação e a saúde”.
“Muito lento”
A UNCTAD, disse ela, estima que atualmente “há 52 países em uma crise de dívida ou à beira de uma crise de dívida”.
Ela adiantou que abordará o tema em Washington durante as reuniões desta semana entre o Fundo Monetário Internacional (FMI) e o Banco Mundial.
Grynspan tornou-se a primeira mulher a liderar a UNCTAD em 2021 e elevou o perfil da agência ao participar das reuniões do G20 e ao representar a ONU em questões difíceis.
Desempenhou um papel importante nas negociações para garantir a continuidade das exportações de fertilizantes da Rússia, cruciais para a segurança alimentar mundial.
Vários esforços foram empenhados por décadas para resolver o endividamento dos países pobres, mas para Grynspan, têm sido tão lentos e complicados que aparentam mais como “freios”.
“Os países pensam duas vezes antes de entrar em um processo de reestruturação que leva muito tempo”, disse, por isso “preferem pagar mesmo que o custo e a dor sejam grandes”.
Grynspan elogiou os esforços para reduzir a carga sobre os países que procuram ajuda, incluindo um apelo do FMI para acelerar os mecanismos de alívio da dívida.
No entanto, disse, a longo prazo “precisamos de um mecanismo estável de reestruturação da dívida e acordado internacionalmente”.
Grande alívio
Alguns países não podem esperar pela criação de tal mecanismo e precisam de ajuda imediata, assegurou.
Portanto, disse, há motivos para que a comunidade internacional apresente “muito mais apoio e ajuda a estes países”.
Considerou que uma medida fácil seria eliminar as sobretaxas que 17 países pagam ao FMI.
Isentá-los dessas taxas, destinadas a estimular os países a abandonarem a assistência do FMI, liberaria rapidamente até 2 bilhões de dólares (cerca de 10 bilhões de reais), segundo Grynspan.
Esse dinheiro poderia proporcionar “grande alívio” se empregado nas “necessidades da população desses países”.
Elogiou também a ideia apresentada pelo Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), seu equivalente africano e o Banco Mundial, de fornecer garantias para uma “redução real nas sobretaxas de juros dos países em desenvolvimento” e atrair investimento privado.
Sugeriu ainda a aceleração do Fundo de Resiliência e Sustentabilidade do FMI, que ajuda os países vulneráveis a construir resiliência às crises, incluindo as decorrentes da mudança climática.
Outras propostas positivas que citou incluem a troca de dívida por natureza e a suspensão automática do pagamento de juros para países atingidos por catástrofes naturais.
“São coisas que podem ser decididas hoje”, disse Grynspan. “Não precisamos esperar uma década para ter resultados”.