Surendra Pal, um engenheiro que trabalhou por quatro décadas no plano da Índia para construir seu programa de satélites, ainda se lembra conforme reportagem de Tripti Lahiri, na revista Dow Jones, dos primeiros dias dos esforços espaciais do país. Um punhado de engenheiros saídos da faculdade trabalhava em galpões com telhados de metal corrugado nos arredores de Bengaluru. Não havia muitos equipamentos. Mas havia pássaros.
“Os pombos voavam sobre nossas cabeças”, lembra Pal, que trabalhou no desenvolvimento do primeiro satélite da Índia, o Aryabhata, que foi gratuitamente lançado no espaço pela Rússia em 1975.
Para esse primeiro satélite, desenvolvido na década de 70 quando o PIB per capita da Índia era de cerca de US$ 120, os cientistas pediram um financiamento ao governo de cerca de 30 milhões de rúpias (menos de US$ 4 milhões na época), segundo Pal.
Desde então, a Organização Indiana de Pesquisas Espaciais (Indian Space Research Organisation, ou ISRO) transformou o país de 1,4 bilhão de habitantes em uma grande potência espacial – por uma fração das centenas de bilhões de dólares que as potências especiais da primeira geração, como os Estados Unidos e a Rússia, gastaram com seus programas espaciais.
Na quarta-feira, quando a Índia se tornou o quarto país a pousar com segurança uma espaçonave na Lua, os orgulhosos indianos rapidamente enfatizaram que a conquista, que teve um custo estimado de US$ 70 milhões, foi muito mais barata do que a produção do épico de ficção científica de Hollywood “Interstellar”.
“A Índia opera com um orçamento realmente pequeno em seu programa espacial”, diz orgulhoso Rajeswari Pillai Rajagopalan, uma especialista espacial de Nova Deli e diretora do Centro de Segurança, Estratégia e Tecnologia da Observer Research Foundation.
A Índia também tornou-se o primeiro país a pousar perto do Polo Sul da Lua, onde os cientistas esperam encontrar recursos hídricos para facilitar missões para outras partes do sistema solar e futuros esforços para assentamentos de longo prazo na Lua. Especialistas espaciais afirmam que o terreno lunar no local é especialmente desafiador para pousar devido às longas sombras projetadas por rochas e crateras profundas.
Um rover chamado Pragyan passará 14 dias procurando água congelada e realizando pesquisas sobre a topografia.
O pouso bem-sucedido da Índia ocorreu depois que a agência espacial da Rússia disse, no domingo da semana passada, que sua espaçonave em uma missão parecida ao Polo Sul lunar fracassou.
A Índia é hoje a quinta maior economia do mundo. Seu orçamento mais recente reservou US$ 1,5 bilhão para o seu Departamento Espacial, que inclui a ISRA. O orçamento da National Aeronautics and Space Administration dos EUA, a NASA, é de US$ 25 bilhões. A China não divulga o orçamento de sua agência espacial, mas pesquisadores o estimam em mais de US$ 10 bilhões.
Nos últimos anos, a agência espacial indiana também começou a obter recursos com os lançamentos de satélites para outros países.
O desenvolvimento de sua tecnologia própria levou tempo, mas acabou permitindo à Índia manter baixos os custos de sua tecnologia interna, diz Rajagolapan. A ISRO também consegue realizar missões ambiciosas com um orçamento relativamente pequeno, mantendo seus objetivos contidos, afirma ela.
A missão de 2014 da Índia a Marte, por exemplo, manteve o tamanho de sua carga útil – os instrumentos científicos que ela carregava – pequeno, o que permitiu o uso de um foguete menor para colocar sua espaçonave na órbita terrestre, continua ela. Aquela missão também custou cerca de US$ 70 milhões. Em contraste, a missão da NASA para Marte naquele mesmo ano, chamada MAVEN, tinha objetivos muito mais amplos de realizar extensas observações e experiências científicas.
“O que a Índia fez foi mais uma demonstração de tecnologia do que uma missão científica complexa”, diz Rajagopalan. Em comparação, a missão da NASA a Marte foi “muito maior, muito mais complexa”.
No caso da missão lunar, a Chandrayaan-3 decolou com um foguete menor que o da Luna-25 da Rússia e deu várias voltas ao redor da Terra, usando sua gravidade para arremessá-la em direção à Lua, uma jornada que demorou quase 40 dias, mas economizou combustível e dinheiro.
A Índia abriu seu setor espacial para as empresas privadas em 2020 e no ano passado viu uma startup lançar o primeiro foguete construído sem a participação do Estado. De olho na ascensão de companhias espaciais dos EUA como a SpaceX, que domina o mercado de lançamento de satélites comerciais, o governo da Índia espera que a iniciativa atraia bilhões de dólares em financiamentos às empresas privadas, para dar impulso ao programa espacial do governo.
Outra área onde o programa espacial da Índia economiza dinheiro é nos salários. A força de trabalho da ISRA, de pouco mais de 19 mil pessoas, três quartos delas cientistas, é um pouco maior do que o total de funcionários permanentes da NASA. O presidente da agência espacial, S. Somanath, e os principais cientistas da sede da agência, recebem cerca de US$ 2.700 por mês, segundo os dados sobre salários que a agência divulga.
As missões da Índia tornaram-se mais complexas e ambiciosas ao longo dos anos. A Índia almeja colocar um voo espacial tripulado em órbita no ano que vem. Isso é um longo caminho percorrido desde que ela começou a mais de meio século.
Em entrevistas à imprensa indiana ao longo dos anos, o ex-presidente da ISRA U.R.Rao, que foi diretor do incipiente programa de satélites na década de 70, observou que a maioria dos jovens cientistas que trabalharam com ele nem tinha ideia do que era um satélite.
Naqueles dias iniciais, diz Pal, a equipe tinha equipamentos limitados e nenhum computador próprio e muitas vezes dependia de modelos de madeira na elaboração dos projetos iniciais.
Quando uma agência espacial de outro país citou um valor de 20 milhões de rúpias para testar um sistema para o primeiro satélite de comunicação da Índia, lançado em 1981, os cientistas encontraram uma solução alternativa.
Cientes de que havia pouca interferência eletromagnética nas proximidades, a não ser uma transmissão diária da rádio nacional, eles colocaram o satélite em um tanque de nitrogênio de alta pressão para protegê-lo da poeira. Em seguida o colocaram em uma carroça – geralmente puxada por bois e muito usada no transporte rural na Índia -, imaginando que a estrutura de madeira ajudaria a evitar interferências e permitir a eles conduzir seus testes.
O custo? Cento e cinquenta rúpias pagas ao homem cuja carroça eles usaram.
Pal, que se aposentou da agência espacial há cerca de uma década, depois de se tornar um alto funcionário de seu programa de satélites, diz duvidar que os gastos totais da ISRO já tenham atingido US$ 5 bilhões.
Especialistas espaciais – e o primeiro-ministro indiano Narendra Modi – disseram que o pouso da Índia na Lua será particularmente inspirador para as economias emergentes que também desejam montar projetos espaciais com recursos limitados.
“Estou confiante de que todos os países do mundo, incluindo os do sul global, são capazes de alcançar tais feitos”, disse Modi depois que a Chandrayaan-3 pousou. “Todos nós podemos aspirar a Lua e além.”