Em 14 de novembro de 2014, Léo Pinheiro, presidente da OAS, umas das maiores empreiteiras do país, foi preso pela Polícia Federal numa fase da Operação Lava Jato batizada de “Juízo Final”. De acordo com o jornal Folha de SP, quase cinco anos depois, é a própria empresa que se aproxima de uma situação terminal. O grupo, que naquele ano declarara uma receita bruta de R$ 7,7 bilhões, maior do que o de muitas capitais do país, corre grande risco de entrar em falência, como indicam relatórios entregues à Justiça.
Seguidos alertas sobre a grave situação da OAS têm sido feito nos últimos meses pela administradora judicial nos autos do processo de recuperação do grupo, aberto em 2015, meses após a prisão do seu principal executivo, o mesmo que delatou Lula no caso do tríplex do Guarujá.
Em um dos documentos, do mês de abril, a administradora judicial Alvarez & Marsal, umas das mais importantes do setor, afirma textualmente colocar em dúvida “a capacidade de soerguimento das suas atividades empresariais”.
No último aviso, de junho, declara que a situação de liquidez do grupo está em “estágio crítico” e que tem hoje uma grande dependência de recursos extraordinários, obtidos com a venda de ativos e de antecipação de precatórios, uma vez que a receita proveniente dos canteiros de obras tem sido baixíssima.
Se, à época do pedido de recuperação —quando a OAS ganhou fôlego para tentar se reestruturar e pagar a credores em condições melhores—, a empresa atuava em cerca de 80 obras no país e no exterior, hoje trabalha em cerca de 20.
Ainda segundo a Folha, a OAS, de acordo com a administradora judicial, vêm enfrentando dificuldades para pagar a fornecedores e funcionários e impostos. Em razão disso, são crescentes os pedidos para que a Justiça decrete a falência da empresa, que, por causa da recuperação judicial, não podem ser analisados.
Há pedidos impetrados pelas mais diversas empresas, entre as quais de produtores de concreto e de plásticos e até postos de gasolina. Algumas execuções são por valores inferiores a R$ 15 mil.
Diante dos relatórios apresentados pela administradora, o próprio Ministério Público, ao cobrar explicações à OAS, citou a possibilidade de a empresa entrar em falência.
A situação só não é pior porque o grupo repassou para os antigos credores, aqueles que integram o processo de recuperação judicial, suas ações na Invepar, holding de infraestrutura dona da concessão do aeroporto de Guarulhos e do metrô do Rio de Janeiro.
Com isso, a empresa passa por uma circunstância insólita. Nas próximas semanas, a Justiça deve aceitar o pedido de encerramento do processo de recuperação judicial, aberto quando acumulava R$ 8 bilhões em dívidas. Em contrapartida, passará a ficar exposta aos pedidos de falência impetrado pelos novos credores.
A Keller Tecnogeo Fundações Ltda., por exemplo, foi contratada pela construtora em 2013 para prestar serviços de engenharia geotécnica nas obras do Rodoanel (SP).
A empresa, que diz ter sido surpreendida pelo pedido de recuperação judicial da OAS, quando tinha cerca de R$ 2,76 milhões a receber, continuou a trabalhar nos canteiros.
Os pagamentos, porém, continuaram escassos. Hoje, calcula ter mais R$ 3,4 milhões a receber. “Diante da constatação de que há milhares de protestos nesta comarca, concluímos pela absoluta impossibilidade da sua permanência no mundo econômico.”
A OAS nasceu na Bahia, em 1976. César Matta Pires, seu fundador, era genro de Antônio Carlos Magalhães (1927-2007), o ACM, que governou o estado por três vezes e exerceu grande influência na política nacional por décadas.
Apelidada pelos adversários de “Obras Arranjadas pelo Sogro”, a OAS chegou a ser considerada a 3ª maior empreiteira do país, atrás da Odebrecht e da Andrade Gutierrez.
Atuou em mais de 2.000 obras em 20 países, sobretudo na América Latina e na África. Construiu estradas, barragens, hidrelétricas, portos e aeroportos. Em 2014, tinha 127 mil trabalhadores diretos e indiretos. Hoje, são 19 mil.
Com as revelações da Lava Jato, a empresa sofreu fendas enormes em sua estrutura.
Diversas obras foram paralisadas pelos governos. Bancos suspenderam operações de crédito em negociação, e contratos de financiamentos em curso, alguns com prazo de vencimento para 5 ou 7 anos, foram abruptamente executados em razão do rebaixamento do rating por parte de agências de classificação de risco.
Com o agravamento da crise, praticamente todos os escritórios de administração do grupo foram transferidos para Salvador, restando em São Paulo um pequeno grupo de funcionários, inclusive da presidência, trabalhando em Guarulhos em um local onde a empresa guardava máquinas pesadas que usava em canteiros. Um imóvel na avenida Francisco Matarazzo foi abandonado após ação de despejo.
Em sua estratégia de sobrevivência, o grupo OAS tem concentrado seus esforços em empresa não envolvida no processo de recuperação judicial, a OAS Engenharia e Construção (OAS E&C).
Os relatórios da administradora mostram que, dos R$ 35,4 milhões que o grupo projeta receber em obras em 2019, apenas R$ 5,8 milhões são provenientes das empresas em recuperação.
Mas mesmo contra essa empresa já há pedidos de falência e penhora de bens, assim como houve acusação de que foi criada de modo premeditado com o objetivo de desviar o patrimônio do grupo e blindá-lo dos credores. Receita prevista é suficiente para honrar obrigações, diz empresa
Outro lado
A OAS, via assessoria de imprensa, afirma que as receitas previstas para 2019 serão suficientes para o cumprimento de suas obrigações.
“Todas as equipes seguem firmes para o cumprimento do planejamento estratégico para o ciclo 2019/2021”, afirma.
“A expectativa continua sendo a de que nas próximas semanas encerre o plano e saia da recuperação judicial.”
Sobre as novas dívidas, posteriores à recuperação judicial, a OAS diz que os credores estão sendo tratados caso a caso, dentro da estratégia da empresa. “As equipes internas vêm trabalhando intensamente, obedecendo ao fluxo de caixa, estabelecendo prazos, parcelamentos e acordos viáveis com cada um deles”, diz.
O mesmo cuidado, afirma a empresa, vale para o cumprimento das rescisões de ex-executivos e colaboradores, “que também segue dentro da estratégia e da necessidade primordial da empresa, tão logo obtenha os recebíveis previstos”.
A OAS diz que a dívida, que chegou a ser de R$ 9,2 bilhões, passou a ser de R$ 2,8 bilhões.
A empresa, que transferiu as ações da Invepar (24,4%) aos seus credores, já havia efetuado, em 2016, 100% da venda da Samar (Soluções Ambientais de Araçatuba) para a GS Inima Brasil e diz que aguarda a aprovação da venda da Sagua (Soluções Ambientais de Guarulhos S.A.) para a Aegea Saneamento e Participações.
A assessoria afirma que, nos últimos anos, diante da crise na infraestrutura, com intensa restrição de crédito, decorrente da Lava Jato, a OAS necessitou passar por reformulações.
“Por isso, conta hoje com uma carteira de obras aderente às oportunidades recentes, com quadro proporcional de funcionários diretos e indiretos (de 127 mil em 2014 para 19 mil agora).”
Ações de menor impacto, afirma a empresa, como a venda de maquinários e equipamentos, estão previstas no plano de recuperação judicial “e são necessárias dada a redução da carteira do setor”.
“A gestão da OAS foi completamente reformulada”, afirma. “Os atuais executivos apostam em uma governança profissionalizada, com revisão dos seus processos de gestão, fortalecimento da área de compliance e auditoria interna”, diz.
“O objetivo é concluir os acordos de leniência e poder seguir com os negócios de forma ética, transparente e íntegra, voltando a participar do crescimento e fortalecimento da infraestrutura no país.”
Sobre a OAS Engenharia e Construção, a empresa afirma que foi criada em 2013 de “forma totalmente regular, inclusive anterior à Lava Jato e ao processo de recuperação judicial, com o objetivo de participar de novas licitações e concorrências, com mais competitividade para o Grupo OAS”.
A própria empresa, no entanto, em ata oficial obtida pela Folha, diz que a OAS Engenharia e Construção foi criada em 1º de dezembro de 2014. Ou seja, dias depois da prisão do seu então presidente.