O jurista Carlos Ayres Britto, ex-ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), afirmou nesta terça-feira (22) no site UOL que o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) “se expõe a um processo de abertura de impeachment” quando fala contra o isolamento social, contra outras recomendações de saúde e participa de protestos pedindo o fechamento do Congresso.
Ayres Britto lembrou que ofensas contra “o cumprimento de decisões judiciais” e ações que violem o “livre exercício do Poder Judiciário e do Poder Legislativo” são puníveis na Lei de Responsabilidade, o que pode gerar um processo de impeachment.
As considerações do ex-ministro tinham como norte o tema do debate: os limites jurídicos do presidente durante a pandemia do coronavírus.
Também participaram Gilmar Mendes, ministro do STF, o deputado federal Felipe Francischini (PSL-PR), que preside a CCJ (Comissão de Constituição e Justiça) da Câmara; e Felipe Santa Cruz, presidente da OAB (Ordem dos Advogados do Brasil). A conversa foi mediada pelo colunista do UOL Reinaldo Azevedo.
“Há base para abertura de processo”, diz Santa Cruz
Santa Cruz, que já protagonizou discussões públicas com Bolsonaro, criticou a atuação do presidente durante a pandemia e foi mais incisivo ao dizer que enxerga motivos para abertura de um processo de impeachment.
“Grandes juristas, cito Miguel Reale, entendem que sim, que já há base para abertura de processo de impeachment. Óbvio que o processo é especialmente traumático, parte do drama que estamos vivendo vêm de processos de impeachment.”
Por sua vez, Francischini declarou que Bolsonaro não cometeu crime de responsabilidade por ter participado do ato político em Brasília, quando manifestantes pediam um golpe militar em frente ao quartel-general do Exército.
Por sua vez, Francischini declarou que Bolsonaro não cometeu crime de responsabilidade por ter participado do ato político em Brasília, quando manifestantes pediam um golpe militar em frente ao quartel-general do Exército.
Presidente exerce “bicefalia”, diz Gilmar Mendes
Para Gilmar Mendes, o presidente da República vive uma situação de “bicefalia”, na qual há um confronto entre a figura dele como chefe de Estado e sua postura como cidadão. Ele se referia especificamente aos episódios de embate público entre Bolsonaro e o ex-ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta.
“O presidente — vamos chamar assim, na pessoa natural, física —, por palavras e também por gestos, acabava por sinalizar no outro sentido”, disse Gilmar a respeito do isolamento social.
“É preciso que, em uma concordância prática, tenhamos a proteção à saúde e a proteção à economia”, acrescentou.
O ex-ministro Ayres Britto lembrou que a Constituição brasileira coloca a economia a serviço da vida.
“O artigo 196 chega a ser didático. Ele coloca a própria economia a serviço da saúde numa regra panfederativa, obrigatória para todas as unidades do país, desde a união aos municípios”.
Vida institucional segue estável
Ayres Britto declarou, no começo do debate, que Bolsonaro e os demais Poderes têm demonstrado alguns atritos nas últimas semanas. No entanto, segundo o ex-ministro, a situação está sob controle até aqui.
“Tem havido uma certa fricção, um tensionamento incomum entre o chefe do Poder Executivo federal e os outros dois Poderes, Legislativo e Judiciário — mas no plano de um depoimento aqui, uma declaração ali, uma frase solta, nesse sentido de uma certa hostilidade do Poder Executivo para os outros dois Poderes. Não a ponto de instabilizar a vida institucional do país, não vejo assim”, analisou.
O ponto de vista foi semelhante ao do ministro Gilmar Mendes. Para o presidente do Supremo entre 2008 e 2010, Bolsonaro está “angustiado”.
“Ao invés de criar um tipo de base no Congresso Nacional, ele decidiu prevalecer indicações das chamadas bancadas, evangélicos, agronegócio”, analisou. “Ele tentou fazer uma releitura desse presidencialismo de coalizão.”
“Por outro lado, ele conta com uma bancada expressiva para os temas brasileiros ou contava com parlamentares eleitos pelo seu partido, mas gente ainda pouco experiente no processo parlamentar”, acrescentou.
Gilmar Mendes ainda relatou um encontro anterior com o presidente. “Ele me passou a ideia de um homem extremamente angustiado em função desses enfrentamentos todos”, contou.
Dificuldades na votação de projetos
O deputado Felipe Francischini relatou ter dificuldades ao votar projetos que estavam na CCJ por não saber a orientação do governo em determinadas matérias.
“Sou uma prova viva que em 90% dos casos não sabia qual era a [o objetivo] do governo”, disse. Francischini explicou que teve que buscar os ministérios por iniciativa própria para votar temas como qual pasta abrigaria o Coaf, por exemplo.
Apesar disso, ele explicou que conseguiu construir “uma boa interlocução” com a ministra da Mulher, Damares Alves e o ministro da Justiça, Sergio Moro.
Para o ministro do STF Gilmar Mendes, essa dificuldade acontece porque a base governista de Jair Bolsonaro abriga “pessoas que são pouco experientes” e isso cria um ambiente de conflito com os outros poderes.