Um debate sobre o poder paralelo das facções criminosas lotou o auditório da OAB da Bahia na última sexta-feira (6). Com a coordenação do presidente da Comissão Especial de Sistema Prisional e Segurança Pública da seccional, Marcos Melo, o evento reuniu juristas, representantes do poder público e advogados em torno dos problemas e desafios das unidades prisionais no Brasil.
Primeira palestrante a falar, a presidente da Comissão de Direito Criminal da OAB-BA, Fernanda Ravazzano, ressaltou o crescimento exponencial do número de encarcerados, 146% de 2006 a 2012, com foco no poder das facções dentro dos módulos prisionais, e falou sobre a responsabilidade dos três poderes no crescimento das facções.
“Responsabilidade não só do Legislativo, mas do Judiciário, uma vez que há uma clientela preferencial no sistema prisional, formada por negros e pobres. E também do Executivo, devido à política de guerra às drogas, que extermina parte da população no Brasil”, explicou.
O representante da Secretaria de Administração Penitenciária (SEAP), tenente-coronel Marcelo Barreto, destacou que o Estado tem adotado medidas para fazer frente ao crime organizado, como o investimento em seu sistema de inteligência. “Este serviço é importante, porque interliga órgãos estaduais e de outras unidades federativas para planejamento e antecipação das ações”, explicou.
Marcelo também trouxe dados atualizados sobre o Sistema Prisional na Bahia. “Temos, atualmente, 15 mil custodiados, sendo 90% homem, divididos em 26 unidades prisionais, com uma unidade de segurança máxima”, atualizou.
Mediador do painel, Davi Rolim, membro da Comissão Especial de Sistema Prisional, ressaltou que, com 700 mil pessoas, a população carcerária brasileira é enorme. “Esse número é resultado de uma soma de fatores que transcendem a segurança e passa pela educação pública, entre eles, a falta de agentes públicos e de estrutura prisional, associada à inércia do Estado”, pontuou.
Com discurso combativo, Marcos Melo descreveu a questão das fações como “guerra perdida”. “Os números mostram a inequívoca decadência do Sistema Prisional, resultado da inoperância do Estado. E acredito que não há interesse em combater a questão das drogas, porque existe uma importância econômica aí”, destacou. “Resultado disso, continuamos prendemos, prendemos mal e prendemos muito”, completou.
Poder paralelo
O outro painel do evento foi aberto com as considerações do vice-presidente da Comissão de Sistema Prisional, Vinícius Dantas. Segundo o advogado, não é possível fechar os olhos para as facções. “Quem tenta esconder seu poder já perdeu a guerra, até porque não é um problema de agora. Trata-se de uma questão iniciada há 40 anos, com a criação da facção Falange Vermelha, hoje batizada de Comando Vermelho”, pontuou.
Ao falar sobre o papel das facções como provedoras de funções públicas, o promotor de Justiça Edmundo Reis Filho fez um panorama do surgimento do crime organizado diante de um Estado “opressor, discriminatório e desumano”, com reflexo na “decadência de uma sociedade que teima em manter a invisibilidade do sistema prisional”.
O evento foi encerrado com o discurso do juiz da Vara de Execução Penal, Almir Pereira, que expôs algumas constatações feitas ao longo dos anos. “Aqui, não existe estabelecimento penal adequado, o Estado não dispõe de estabelecimento para mulheres em regime semiaberto e os arremessos de armas, drogas e celulares é uma realidade a ser enfrentada”, disse.
Almir finalizou o discurso chamando a atenção para a necessidade de mudança de consciência não só de quem prende, mas de quem julga. “É uma mudança muito profunda, sobretudo na subjetividade, que faz com que, hoje, o juiz da comarca ‘A’ julgue diferente do da comarca ‘B'”, finalizou.