Visto anteriormente como um país posicionado silenciosamente nas sombras das estratégias de política externa, o Vietnã agora está em alta e é cortejado por todos.
O presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, e o líder chinês, Xi Jinping, visitaram o país no ano passado, e conforme reportagem de Jonathan Head, na BBC News, não foram por acaso.
A relação entre EUA e Vietnã chegou ao mais alto nível possível, o de uma “parceria estratégica abrangente”.
O país asiático tem 18 acordos de livre comércio existentes ou planejados com outros países.
Negociações com o Vietnã têm sido buscadas em temas como mudanças climáticas, prevenção a pandemias e redes de abastecimento, entre outros.
Ele é visto como uma peça vital na crescente rivalidade entre os EUA e a China; em disputas no Mar da China Meridional, onde contesta a reivindicação de Pequim sobre alguns grupos de ilhas; e como a melhor alternativa aos chineses para terceirização da fabricação.
O que não mudou foi o controle de ferro que o Partido Comunista mantém sobre o poder e sobre todas as formas de expressão política.
O Vietnã é um dos cinco Estados comunistas de partido único que restam no mundo. Nenhuma oposição política é permitida.
Dissidentes são regularmente presos e a repressão ficou ainda mais acirrada nos últimos anos. A tomada de decisões no topo do partido é envolta em segredo.
No entanto, um documento interno vazado do órgão decisório mais importante do Vietnã, o Politburo, revelou o que os grandes líderes do partido pensam sobre todas estas parcerias internacionais.
O documento, conhecido como Diretiva 24, foi obtido pelo Project88, uma organização de direitos humanos focada no Vietnã.
Referências ao documento em diversas outras publicações do partido sugerem que ele é genuíno.
O texto, emitido pelo Politburo em julho do ano passado, traz avisos alarmantes sobre como “forças hostis e reacionárias” trazidas pelos laços internacionais seriam uma ameaça para a segurança nacional.
Essas forças externas, segundo a Diretiva 24, aumentariam “as atividades de sabotagem e de transformação política interna”, levando à formação de “redes da sociedade civil”, “sindicatos independentes” e, em última instância, de “grupos de oposição na política interna”.
O documento insta os membros do partido em todos os níveis a serem rigorosos no combate a estas influências.
Ele alerta também que, apesar de todo o aparente sucesso econômico do Vietnã, “a segurança na economia, finanças, moeda, investimento estrangeiro, energia e trabalho não está firme”.
“Há um risco latente de dependência externa, de manipulação e de captura de certas ‘áreas sensíveis'”, diz o documento.
Enquanto isso, em nenhuma das suas declarações públicas, o governo vietnamita se mostrou tão inseguro. O que isso significa?
Ben Swanton, codiretor do Project88, avalia que a Diretiva 24 anuncia o início de uma campanha ainda mais dura contra ativistas e grupos da sociedade civil.
Ele cita as nove ordens no final do documento endereçadas aos dirigentes do partido.
Elas pedem que as redes sociais sejam monitoradas para evitar “propaganda falsa” e para “não permitir a formação de organizações políticas independentes”.
É revelado também o temor de que o maior contato com instituições internacionais favoreça o surgimento de “revoluções de rua”.
“A máscara foi retirada”, diz Ben Swanton. “Os governantes do Vietnã dizem que pretendem violar os direitos humanos por uma questão de política.”
Nem todo mundo vê desta forma.
“A Diretiva 24 não assinala uma nova onda de repressão interna contra a sociedade civil e ativistas pró-democracia, mas sim a continuação da repressão contra estes ativistas”, afirma Carlyle Thayer, professor emérito de política na Universidade de Nova Gales do Sul e um renomado estudioso do Vietnã.
Ele cita o momento em que o documento foi emitido: logo após os EUA e o Vietnã terem concordado em estabelecer uma “parceria estratégica abrangente” e apenas dois meses antes da visita de Biden.
O acordo foi importante, na avaliação do professor, para lidar com o receio do partido com os impactos que a pandemia de coronavírus e a desaceleração da economia chinesa poderiam ter nos planos do Vietnã de se tornar, até 2045, um país desenvolvido e de alta renda.
Era preciso um laço mais estreito com os EUA para levar o crescimento econômico a um novo patamar, diz Thayer.
A linha dura dentro do Partido Comunista vietnamita temia que os EUA estimulassem o sentimento pró-democracia dentro do país e ameaçassem o monopólio do poder.
Thayer acredita que a linguagem combativa utilizada na Diretiva 24 tinha como objetivo tranquilizar a linha dura de que isso não iria acontecer.
O professor avalia que a decisão de colocar o secretário-geral Nguyen Phu Trong — não apenas a figura política mais poderosa do Vietnã, mas também um conhecido ideólogo comunista — assinando pessoalmente a nova parceria com os EUA teve o mesmo objetivo.
O que a Diretiva 24 ilustra claramente é o dilema que os líderes comunistas do Vietnã enfrentam à medida que seu país se torna uma potência global na indústria e no comércio.
O Vietnã não é suficientemente grande para fazer o que a China fez, isolando-se atrás da sua própria “Grande Firewall” — o bloqueio a sites e redes sociais estrangeiros.
Plataformas como o Facebook são facilmente acessíveis lá. O Vietnã precisa de investimento estrangeiro e de tecnologia para continuar a crescer rapidamente e não pode se permitir o isolamento.
Alguns dos acordos de livre comércio livre assinados pelo Vietnã, como um firmado com a União Europeia em 2020, vêm acompanhados de cláusulas sobre direitos humanos e laborais.
O Vietnã também ratificou algumas das convenções da Organização Internacional do Trabalho (OIT), embora não a que exige liberdade de reunião.
Mas a Diretiva 24 indica relutância em honrar estas cláusulas.
O partido pede limites explícitos para o quão independentes os sindicatos podem ser, ordenando que funcionários do regime “conduzam de forma rígida o estabelecimento de organizações de trabalhadores”.
Além disso, o documento determina que seja assegurada “a liderança do partido” e “a administração governamental” de todos os níveis de organização.
Em outras palavras, é um “sim” à cooperação com a OIT, mas um firme “não” a qualquer sindicato que não seja controlado pelo partido.
Ben Swanton argumenta que a Diretiva 24 mostra aos potenciais parceiros ocidentais do Vietnã que seus acordos sobre direitos humanos ou laborais são uma vitrine para cobrir com eufemismo o fato de que eles estão negociando com um sistema político incapaz de respeitar os direitos individuais.