O Supremo Tribunal Federal é a única instituição capaz de frear o avanço cínico e despreocupado que o grupo que venceu a disputa pelo controle da Câmara faz contra a democracia agora que se acha onipotente.
Não são outra coisa, a não ser manifestações desse sentimento de que podem tudo, gestos como a escolha de Bia Kicis, uma das piores parlamentares já eleitas para o Congresso Nacional, para presidir a Comissão de Constituição e Justiça, e a maneira como Jair Bolsonaro reagiu às vaias em sua autoconfiante aparição na abertura dos trabalhos legislativos.
Já escrevi neste espaço que a vida real, com a pandemia fora de controle e a economia em frangalhos, tratará de pôr fim à festa. Mas também é necessário que as instituições estejam vigilantes para o lento e muitas vezes disfarçado avanço das ações pensadas para minar a democracia a partir de dentro.
A escolha de Bia Kicis é justamente isso. Se não, que outra justificativa para colocar à frente da principal comissão da Casa alguém que tem como um dos principais alvos justamente o Judiciário, na forma de uma Proposta de Emenda à Constituição para forçar a aposentadoria precoce de ministros e deixar que Bolsonaro aparelhe de vez a Corte suprema do país?
Isso não é algo trivial, nem ligeiro, nem de menor importância. Os ministros do STF entenderam a ameaça e reagiram nos bastidores. É difícil que prospere alguma iniciativa judicial para impedir a escolha da deputada do DF. Seria ingerência de um Poder em outro.
Mas os ministros sabem fazer chegar aos ouvidos de quem tem poder e tem o que temer, como o multirréu Arthur Lira, que uma investida assim direta contra o Judiciário terá consequências. E é daí que vem a chance de que o desastre Kicis deságue na praia antes de se efetivar.
É com isso que a sociedade alheia aos desígnios dos senhores deputados, que acham que podem fazer “passar a boiada” terá de contar: com a esperança de que o STF aja para impedir mais essa corrosão institucional.