Eliseu Clemente tem 40 anos e guardava um segredo: duas vezes por mês, ele vê Luiz Inácio Lula da Silva. Não é advogado, nem da família, nunca foi amigo do petista, muito menos político – nem gosta de falar do assunto. Eliseu Clemente é o “barbeiro” do ex-presidente na prisão, em Curitiba (PR), onde o petista cumpre desde 7 de abril pena de 12 anos e um mês referente ao processo do triplex do Guarujá (SP), decretada no âmbito da Operação Lava Jato.
A cada duas semanas, o proprietário do Eliseus Clement Cabeleireiros fecha as portas do seu salão, localizado numa das principais avenidas de Colombo, cidade dormitório na periferia de Curitiba, e segue com uma malinha nas mãos para sua missão secreta, na sede da Polícia Federal, a menos de 15 minutos de carro.
Paranaense do interior, o barbeiro guardou segredo até da mulher, dona Débora. “Há poucos dias, eu contei para ela”, confessa ele, encabulado. As saídas frequentes, no meio da tarde de trabalho, iniciadas no dia 2 de maio, geraram desconfiança em casa: “Ela começou a cismar.”
A discrição foi um pedido do contratante. Escalado por intermédio de um dos advogados paranaenses da banca de defesa do ex-presidente, Clemente dividiu pela primeira vez o segredo com a companheira quando entendeu ter recebido um sinal verde do petista:
“O presidente falou assim para mim, que podia dar um abraço na família, né?”, lembra ele. “Daí, eu fui e contei só para ela.”
Lista
O barbeiro de Lula prefere ser chamado de cabeleireiro, como consta em seu certificado profissional, tirado há 13 anos. Desde então, trabalha no mesmo endereço, o salão montado em frente à residência da família. Com clientela fixa em Colombo, Eliseu – como é conhecido – é um sujeito modesto, seu corte custa R$ 23, o cabelo, e R$ 10, a barba. O valor pago pelos representantes de Lula, ele não revela.
Ninguém em Colombo sabia que Eliseu era o “barbeiro do ex-presidente da República”. Nem os cinco irmãos – dois deles, também cabeleireiros -, nem mesmo seu pai, João Clemente, de 68 anos. Documento oficial da Polícia Federal de controle de quem entra e quem sai da cela de Lula, anexado no processo da execução penal em outubro passado, acabou de vez com o anonimato.
Eliseu esteve 12 vezes na cela de Lula para cortar “cabelo e barba” – a última delas, no dia 6 deste mês, quando o juiz federal Sérgio Moro oficialmente explicava sua saída da Lava Jato e a decisão de aceitar o convite para ser ministro da Justiça do futuro governo de Jair Bolsonaro.
Lula recebe o barbeiro, em geral, às 15h. O trabalho dura menos de uma hora e o dia exato da visita na semana é avisado pelos contratantes na véspera. O ex-presidente é uma pessoa “muito humilde, simples mesmo”, deixa escapar Eliseu.
Na mala, revela que só leva as tesouras e duas máquinas: um barbeador e uma “máquina de acabamento” – material exclusivo, que fica guardado em casa, separado dos instrumentos do salão.
Na Polícia Federal, como não tem uma cadeira própria de barbeiro, o jeito é improvisar. Clemente costuma usar a cadeira de mesa que o ex-presidente tem em sua cela especial – um antigo dormitório de policiais, com cerca de 15 metros quadrados e banheiro privativo.
“Eu viro ele de frente para a TV e vou fazendo o serviço”, conta Eliseu, sobre os dias de jogo ou filme na televisão.
Sem partido
O ex-presidente divide seu tempo na prisão – são mais de 200 dias – lendo, escrevendo, assistindo TV, ouvindo música ou praticando exercícios, além das diárias reuniões com defensores e outros visitantes.
O barbeiro afirmou ter ficado impressionado com a quantidade de folhas manuscritas que o petista guarda, numa das poucas inconfidências arrancadas.
“Da última vez, não conversamos muito porque ele estava focado num filme e estava quase no final”, disse Eliseu.
Evangélico, ele não tem partido nem time do coração. Ao receber a reportagem, garantiu que seguirá fielmente o pedido feito pelos contratantes de discrição sobre o que acontece dentro da cela. “Fico até com pena dele, é uma pessoa de idade, alguém que, querendo ou não, governou o País e ajudou muitas pessoas e está em uma situação daquela. É um ser humano, né?”