Cânions submarinos são grandes vales presentes nas margens continentais de todo o mundo. Eles são semelhantes aos cânions existentes em terra firme, como o Grand Canyon, nos Estados Unidos, ou o cânion de Xingó, que foi escavado pelo rio São Francisco e fica entre os estados de Alagoas e Sergipe.
A diferença é que os cânions submarinos não foram escavados por rios. Eles são resultado de processos geológicos associados com desmoronamentos, escorregamentos e correntes de turbidez (água com sedimentos em suspensão). Essas correntes, ao descerem o declive pela ação da gravidade, escavam os vales. Os geocientistas chamam esse fenômeno de fluxos gravitacionais de sedimentos, diz José Maria Landim Dominguez e Rafael Fonseca Ribeiro, do blog Deriva Continental e revista Super.
Importância dos cânions submarinos
Cânions submarinos são as principais vias de transporte de materiais (sedimentos, matéria orgânica) do continente para o oceano profundo. Eles também desempenham um importante papel como reserva de biodiversidade marinha. Muitos deles estimulam a ressurgência oceânica, que ocorre quando as águas profundas (e ricas em nutrientes) sobem à superfície.
Muitos desses cânions possuem uma expressiva acumulação de sedimentos denominada leque submarino (veja na primeira imagem). Eles são o local de deposição final dos sedimentos transportados pelo cânion.
O cânion brasileiro
Não é à toa que os maiores cânions e leques submarinos do mundo estão associados aos grandes sistemas fluviais – uma vez que é preciso muito sedimento para escavar os cânions.
Exemplos de grandes sistemas de cânions e leques submarinos são aqueles associados aos rios Amazonas (Brasil), Mississipi (EUA), Indo (Paquistão) e Ganges-Brahmaputra (Bangladesh). Esses leques geralmente se instalam na região entre o talude continental e a área mais estirada da crosta continental durante a separação entre continentes. O processo de separação dos continentes e a movimentação deles ao longo do tempo geológico são frequentemente abordados neste blog.
O rio São Francisco é o quarto maior rio da América do Sul, com um comprimento total de 2.863 km. Seu cânion submarino tem um comprimento total de 140km, e se estende por uma profundidade de 3900 metros. O leque submarino associado ao cânion tem início na porção superior do talude continental, a uma profundidade de 500 metros, e se estende até o sopé do talude continental.
A área total do leque submarino é de 2.800 km2. Alguns autores defendem que o cânion começou a se formar no início do Quaternário, ou seja, dois milhões de anos atrás.
Um levantamento recente utilizando uma técnica chamada multi-feixe (para a medição da profundidade dos oceanos, lagos e rios) permitiu visualizar com grande clareza a geomorfologia atual da porção superior do cânion do São Francisco e suas vizinhanças.
O cânion tem um desnível de até 800 metros entre o seu talvegue (porção mais profunda) e a superfície do fundo do mar (Para fins de comparação, a profundidade máxima do Grand Canyon nos Estados Unidos é de 1.829 metros). A largura deste talvegue varia entre 60 metros, na sua porção mais estreita, até 1km. O interior do cânion, principalmente onde ele corre na superfície do leque submarino, é marcado por uma série de terraços laterais ao talvegue que mostram os sucessivos estágios de incisão do mesmo.
O cânion do São Francisco está conectado no continente a um sistema fluvial (o próprio Rio São Francisco) e, no oceano, a um leque submarino. Isso sugere que existe uma relação direta entre o desenvolvimento do cânion e leque submarino e o aporte de sedimentos fluviais.
A pura e simples escavação do cânion submarino não é suficiente para produzir um volume de sedimentos capaz de construir um leque submarino. Assim, o desenvolvimento do cânion do São Francisco e seu leque submarino parecem estar intrinsecamente associados ao desaguar do Rio São Francisco na região.
A reorganização da drenagem continental foi um fator crucial no desenvolvimento de alguns dos maiores complexos de leques submarinos, como o do rio Amazonas e rio Congo. O mesmo pode ter acontecido com o Rio São Francisco. Alguns pesquisadores já sugeriram que o São Francisco originalmente desaguava na região Norte do Brasil, e foi posteriormente capturado pelo recuo erosivo das cabeceiras da bacia de drenagem de um rio que desaguava na região leste. Esse seria o motivo de ele estar no Nordeste hoje.
Esta captura também explicaria por que o curso do São Francisco é, de maneira geral, orientado sul-norte e “dobra” para leste na altura de Sobradinho. À partir do momento que o Rio São Francisco passou a desaguar na sua desembocadura atual, houve um aumento no volume de sedimentos siliciclásticos (aqueles oriundos do continente) para a região, o que favoreceu a expansão e incisão do cânion, além do desenvolvimento do leque submarino associado.
No entorno da cabeceira do cânion existe uma área relativamente rebaixada que, segundo os registros sísmicos disponíveis, está presente na região desde os estágios iniciais de desenvolvimento do cânion. Essa área armazena sedimentos trazidos pelo Rio São Francisco durante os períodos de nível de mar alto, liberando-os para o cânion durante os períodos de mar baixo.
Nas áreas marginais a essa área rebaixada predomina uma sedimentação carbonática. Nos períodos de nível de mar baixo, a exposição sub-aérea favorece a cimentação desses carbonatos. Essas variações do nível do mar no período Quaternário estão diretamente relacionadas ao avanço e recuo de geleiras no hemisfério norte. Elas provocaram variações de mais 100 metros, em ciclos de 40 mil a 100 mil anos. Assim, o baixo batimétrico (o nome técnico da área rebaixada) é uma feição que se perpetua no tempo e favorece o transporte dos sedimentos trazidos pelo rio para o mar profundo.