Das 16 ações em tramitação no Tribunal Superior Eleitoral (TSE) que podem afastar Jair Bolsonaro (PL) de disputar cargos políticos por oito anos, apenas uma está de acordo com a colunista Malu Gaspar, do O Globo, em estágio mais avançado, já na fase de coleta de depoimentos: a que trata da infame reunião do então chefe do Executivo com embaixadores no Palácio da Alvorada.
Até agora, só o ex-chanceler Carlos França já prestou depoimento – mantido sob sigilo – ao TSE, em 19 de dezembro. Na ocasião, a equipe da coluna apurou que França negou qualquer ilicitude e disse que apenas cumpriu sua missão institucional de promover o encontro de Bolsonaro com representantes diplomáticos, ocorrida em julho do ano passado, durante a pré-campanha.
Naquela reunião, Bolsonaro reiterou ao longo de 50 minutos ataques infundados às urnas eletrônicas – um sistema de votação usado pelos eleitores brasileiros desde 1996, até hoje sem nenhuma acusação de fraude comprovada.
Ao final do depoimento de Carlos França, o PDT, autor da ação, pediu ao ex-chanceler que informasse ao TSE o staff que o acompanhou naquela reunião, conforme ata da audiência obtida pela equipe da coluna.
No próximo dia 8, o senador Ciro Nogueira (PP-PI), ex-ministro da Casa Civil de Bolsonaro, e o almirante Flávio Rocha, ex-secretário especial de assuntos estratégicos da Presidência, devem ser ouvidos pela Justiça Eleitoral. Todos são testemunhas.
As demais 15 ações que investigam a fracassada campanha de Bolsonaro à reeleição ainda estão em fase inicial.
A mais recente delas foi aberta na semana passada – a que trata do uso por Bolsonaro do Palácio da Alvorada para atos de campanha. Todos esses processos estão sob a relatoria Benedito Gonçalves, corregedor-geral da Justiça Eleitoral, que tem dado ritmo célere às investigações em curso, inclusive já submetendo aos colegas questões preliminares que poderiam levar à anulação dos casos mais à frente.
O objetivo é reduzir o espaço de manobra se Bolsonaro quiser apontar alguma questão processual para implodir as investigações.
Em dezembro do ano passado, por exemplo, o TSE rejeitou uma questão apresentada pela defesa de Bolsonaro, que alegava que a Corte era incompetente para julgar a ação da reunião com embaixadores no Palácio da Alvorada. Para a defesa do PL, o evento não tinha caráter eleitoral e, portanto, não deveria ser investigado no âmbito do TSE. O argumento foi rechaçado por todos os ministros.
A acusação mais frequente contra Bolsonaro nessas 16 ações é a de abuso de poder político (crime apontado em 12 processos), seguido de abuso de poder econômico (9 ações) e uso indevido dos meios de comunicação (6), segundo mapeamento feito pela equipe da coluna.
Na maioria delas, o ex-chefe do Executivo é investigado por mais de um crime.
Metade dessas ações foi apresentada pela coligação da campanha de Lula à presidência, formada por PT, PV, PC do B, PSB, Solidariedade, Rede, PSOL, Agir, PROS e Avante. As demais são movidas pelo PDT, que entrou com seis ações, e pela campanha da candidata derrotada Soraya Thronicke (União Brasil), autora de duas delas.
O PT avalia que os recentes fatos políticos – os atentados terroristas de 8 de janeiro, a minuta achada na casa de Anderson Torres e a postagem golpista de Jair Bolsonaro contra o resultado das eleições – enfraquecem o ex-presidente e tornam mais fácil sua condenação pelo TSE. Integrantes do tribunal e até mesmo adversários de Bolsonaro concordam com essa análise.
Foi na ação sobre a reunião com embaixadores, movida pelo PDT, que Benedito Gonçalves, atendeu a um pedido da legenda e decidiu incluir a minuta golpista encontrada na casa do ex-ministro da Justiça Anderson Torres.
Agora, o partido pretende usar o documento para reforçar as acusações de abuso de poder político e uso indevido dos meios de comunicação, em uma estratégia antecipada pela coluna de que adversários de Bolsonaro pretendem incluir os fatos políticos deste ano (a minuta, os atentados terroristas e uma publicação golpista do ex-mandatário contra o resultado das urnas) para turbinar os processos.
Se Bolsonaro for condenado pelo TSE e acabar declarado inelegível, fica impedido de disputar eleições por oito anos. O prazo da inelegibilidade conta a partir das eleições onde ocorreram os desvios de conduta – no caso, o pleito de 2022 –, e não considerando a data do julgamento no TSE, ainda sem data definida.
Enquanto os adversários têm pressa para julgar Bolsonaro, o ex-presidente conta com o fator tempo a seu favor. Em maio, o ministro Ricardo Lewandowski, considerado um voto certo pela condenação, se aposenta e deixa o tribunal, sendo substituído por Kassio Nunes Marques, indicado ao STF por Bolsonaro.
Em novembro, chega ao fim o mandato do ministro Benedito Gonçalves, que será sucedido por Raul Araújo, nome mais palatável aos bolsonaristas.
Araújo proibiu a manifestação política de artistas durante o Lollapalooza, mandou Lula retirar do ar vídeos em que chamava Bolsonaro de “genocida” e deu o único voto contrário à multa de R$ 22,9 milhões imposta por Alexandre de Moraes ao PL, partido de Bolsonaro, por litigância de má-fé, ao contestar de forma irresponsável o resultado do segundo turno.