Polícia não vê indícios de ação em grupo ou vínculo com a creche. Governo federal libera verba para maior presença policial em escolas e anuncia monitoramento online para tentar identificar ameaça de ataques semelhantes. A cidade de Blumenau, em Santa Catarina, sepulta nesta quinta-feira (6) os corpos de três meninos e de uma menina de 5 a 7 anos de idade assassinados na quarta-feira por um homem que invadiu a creche onde elas estavam e as atacou com uma machadinha e um canivete.
Outras quatro crianças ficaram feridas – três de 5 anos de idade e uma de 3 anos de idade. Elas seguem internadas, mas não correm risco de morrer.
O que se sabe
O autor do ataque tem 25 anos e, segundo as autoridades locais, chegou ao local em uma moto, pulou o muro da escola, cometeu o crime e fugiu da mesma forma.
Em seguida, entregou-se à polícia, que pediu a quebra de sigilo telefônico e telemático (comunicações pela internet) do agressor e ainda investiga o motivo do crime. O Ministério Público de Santa Catarina também acompanha a investigação.
O delegado-geral da Polícia Civil de Santa Catarina, Ulisses Gabriel, afirmou que os elementos disponíveis indicavam que o ataque seria um caso isolado, que não teria coautores ou relação com jogos envolvendo outras pessoas.
A polícia também afirmou que o agressor não teria tido um motivo específico para escolher aquela creche como alvo dos ataques. “Foi aleatório, ele estaria numa academia ali nas proximidades e depois achou por bem escolher essa escola como alvo”, disse Ronnie Esteves, delegado da Divisão de Investigação Criminal de Blumenau.
O homem já tinha quatro passagens pela polícia. A primeira é de novembro de 2016, após uma briga em uma casa noturna. Em março de 2021, por esfaquear seu padrasto e, quatro meses depois, por porte de cocaína. Em dezembro de 2022, ele quebrou o portão da casa do padrasto e esfaqueou um cão.
Ele irá responder por quatro homicídios triplamente qualificados e quatro tentativas de homicídio.
O que não se sabe
A motivação do crime ainda não está clara. A polícia de Santa Catarina e o Ministério Público esperam que a quebra do sigilo telefônico e telemático do agressor possa ajudar a esclarecer o que o levou a atacar as crianças.
Uma informação falsa circulou na cidade de Blumenau na quinta-feira de que o agressor teria sido motivado por um jogo online no qual os participantes competiriam por quem “mata mais crianças”, e que outros ataques semelhante estariam ocorrendo no estado.
Esse boato provocou apreensão e corrida dos pais às escolas para buscar seus filhos e foi desmentido pela polícia de Santa Catarina, que disse que os indícios até o momento apontam para uma ação isolada e sem relação com um jogo.
Diversos veículos de mídia decidiram não divulgar o nome ou outras informações sobre o agressor, pois pesquisas indicam que dar exposição e visibilidade a esse tipo de criminoso pode estimular outras pessoas a fazer o mesmo, em um efeito de contágio.
Como as autoridades reagiram
As aulas na rede municipal de Blumenau e estadual de Santa Catarina foram suspensas nesta quinta-feira e serão retomadas na próxima semana. O governador do estado, Jorginho Mello (PL), decretou luto oficial de três dias.
A Polícia Militar do estado sugeriu aumentar a presença da corporação nas escolas, com a presença de policiais em atividades do Programa Educacional de Resistência às Drogas e à Violência (Proerd) no início dos turnos escolares e o reforço da segurança com profissionais aposentados.
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva definiu o ataque como uma “monstruosidade”. “Não há dor maior que a de uma família que perde seus filhos ou netos, ainda mais em um ato de violência contra crianças inocentes e indefesas. Meus sentimentos e preces para as famílias das vítimas e comunidade de Blumenau diante da monstruosidade ocorrida na creche Bom Pastor”, afirmou no Twitter.
O ministro da Justiça e Segurança Pública, Flávio Dino, afirmou que o governo federal vai destinar aos Estados e municípios R$ 150 milhões para reforçar o patrulhamento policial em escolas da rede municipal e estadual de ensino.
Dino também anunciou que irá criar, em âmbito federal, um grupo emergencial de monitoramento da internet, inclusive da deep web, com 50 policiais para tentar identificar outras ameaças de ataques a escolas.
O ministro da Educação, Camilo Santana, anunciou a criação de um grupo de trabalho interministerial para elaborar políticas públicas para combater o aumento da violência em escolas, cuja primeira reunião seria nesta quinta-feira.
Ataques mais frequentes
Especialistas e autoridades também discutem o que tem levado ao aumento da frequência de ataques violentos em escolas do país.
O crime em Blumenau ocorreu pouco mais de uma semana depois de outro atentado contra uma escola de São Paulo, onde um adolescente de 13 anos, estudante do 8º ano do ensino fundamental, invadiu uma sala de aula com uma faca e matou uma professora.
Um levantamento feito no final do ano passado pelo governo de transição identificou 16 ataques em escolas, sendo o primeiro em 2002, em Salvador. Até o momento, esses crimes deixaram 41 mortos e 76 feridos.
Um estudo feito por pesquisadores da Unicamp e da Unesp mapeou 13 ataques de 2002 a julho de 2022, e mais dez ataques de agosto de 2022 até esta quarta-feira. “Em oito meses, nós tivemos dez ataques contra escolas, quase o mesmo número registrado anteriormente em 20 anos”, disse a pesquisadora Cleo Garcia ao jornal Folha de S.Paulo.
Especialistas apontam diversos fatores para esses ataques, entre eles o avanço da intolerância e do extremismo, e valorização da “cultura de violência”, a organização de grupos de ódio na internet e o aumento da frequência de problemas de saúde mental.