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sábado 12 de junho de 2021 às 16:13h

O que pode estar por trás da indicação do ex-prefeito Crivella para embaixada na África do Sul

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Fazer esquecer “a dor de ontem” talvez seja a principal missão de Crivella em sua possível volta à África, onde a Igreja Universal do Reino de Deus que ele ajudou a fincar vive uma gigantesca crise.

O ex-prefeito do Rio de Janeiro foi preso preventivamente e afastado do cargo no ano passado acusado de chefiar um esquema de propina. Agora, foi indicado pelo presidente Jair Bolsonaro para a embaixada do Brasil na África do Sul.

Conforme matéria da BBC News, a indicação ainda depende de uma resposta positiva do país e da aprovação do Senado brasileiro.

A tensão da Universal nos últimos meses se deu em Angola. Segundo a Procuradoria-Geral da República (PGR) e o Serviço de Investigação Criminal do país disseram à BBC News Brasil, há provas fartas e contundentes contra quatro integrantes da igreja, denunciados sob acusação de crimes como lavagem de dinheiro, evasão de divisas e associação criminosa.

A igreja refutou todas as acusações, as classificou de “fake news” e disse que os quatro membros acusados ainda não conseguiram acesso à investigação formal. “Nem a Universal, nem seus bispos e pastores praticaram crimes em Angola”, disse à BBC News Brasil.

Crivella, que morou na África do Sul com a família nos anos 1990, foi fundamental para a ampliação da Universal, ou IURD (Igreja Universal do Reino de Deus), no país e nos países vizinhos.

Na opinião especialistas entrevistados pela BBC News Brasil, o movimento de Bolsonaro visa a controlar duas crises: a da Universal no continente africano e, especialmente, a do presidente com a Universal.

A indicação do governo tem uma “dupla função”, diz a antropóloga Jacqueline Moraes Teixeira, professora no Programa de Pós Graduação em Educação da USP e pesquisadora do Cebrap. A primeira, é ter Crivella para “tentar de alguma maneira apaziguar possíveis levantes de outros países no continente africano” no contexto da Universal.

A segunda está relacionada à aliança do próprio governo com a Universal. “Mantê-la como apoio é fundamental para o governo Bolsonaro batalhar a sua estabilização e seu crescimento na disputa pelo voto evangélico nas eleições em 2022”, afirma Teixeira.

Crise 1

Alguns anos depois da fundação da Universal em 1977, o bispo Edir Macedo começou um projeto de expansão internacional da igreja. No continente africano, essa ampliação começou em Angola, por volta de 1991. Na África do Sul, por volta de 1993.

Crivella, sobrinho de Macedo, foi enviado ao país como missionário para tocar a expansão, que se dava por meio da compra de espaços em lugares onde há maior movimentação de pessoas, abertura de templos e investimento em mídia.

“Era super importante ter alguém de confiança que realmente investisse nesse projeto de transnacionalização. Foi Crivella quem produziu esse primeiro processo de organização, elaboração e gestão do crescimento institucional da IURD pelos outros países da África e dentro da África do Sul”, diz Teixeira.

“Em 1994, cheguei com minha esposa e três filhos na cidade de Durban. Saíamos pelas ruas dando folhetos, convidando as pessoas para a reunião na igreja”, diz Crivella em um vídeo publicado em seu canal do YouTube em 2009. Ele está ao lado da esposa, mostrando o templo da Universal na cidade que fica no leste da África do Sul. “E logo ela [a igreja] começou a encher. Era uma lojinha pequena dentro do mercado indiano. Deus abençoou e se transformou numa grande catedral.”

A data de chegada de Crivella no país coincide com o fim do Apartheid, o regime de segregação racial na África do Sul. A ideia inicial da Universal, diz lana van Wyk, professora de antropologia da Universidade de Stellenbosch, na África do Sul, era atingir os falantes de português, pessoas vindas de países lusófonos vizinhos – tanto que os primeiros cultos em Joanesburgo, maior cidade do país, eram nessa língua. Wyk é autora do livro The Universal Church of the Kingdom of God in South Africa (A Igreja Universal do Reino de Deus na África do Sul).

“Mas, de forma inesperada, atraiu um grupo grande de pessoas negras. A igreja saiu, então, de um bairro predominantemente branco e se imiscuiu em regiões com população negra”, afirma Wyk.

Ela lembra da presença de Crivella no país. “Grandes multidões de pessoas compareciam a seus sermões. Ele tinha uma reputação de homem forte de Deus, com histórico de milagres.”

Para ela, a Universal se aproveitou do momento pós-Apartheid, em que havia sentimento de esperança no país, para angariar membros. Com seu discurso de prosperidade, deslumbrou os sul africanos desejosos de mobilidade social e integração racial. “O momento em que a igreja entrou na África do Sul foi bem escolhido. Foi num tempo de muita esperança de mudança política e econômica”, diz Wyk.

“Quando a Universal chegou, as pessoas pensavam que finalmente poderiam ‘usar’ o poder de Deus para mudar suas vidas de maneira prática. O Deus da igreja poderia os tornar ricos e saudáveis.”

Hoje, segundo o site da Universal da África do Sul, há 309 igrejas no país – menos que as 320 contabilizadas por Wyk na época em que publicou seu livro, em 2014. Segundo ela, a igreja vem perdendo força na região, com membros migrando para outras denominações pentecostais ligadas à figura de profetas.

Ao lado das movimentações em Angola, essa hemorragia de membros forma um cenário preocupante para a Universal no continente. Bispos e pastores angolanos divulgaram há dois anos um manifesto com acusações públicas contra os brasileiros da igreja, iniciando um processo de “reforma” em Angola.

Para Teixeira, a presença de Crivella, “como toda a experiência que teve na África do Sul, seria uma forma de ajudar na mediação dos conflitos e pensar na contenção de danos dessa crise gravíssima” no continente.

Voltar à África também deve cumprir um desejo antigo de Crivella, segundo ele próprio já expressou. Em junho de 2014, em entrevista ao jornal da Universal, a Folha Universal (n° 1.160, ano 22), Crivella disse não ter sido “fácil viver na África em um tempo de guerra política no fim do apartheid”. “Mas agradeço muito a Deus por ter me dado a honra de ter passado por aquelas dificuldades, que apenas nos fizeram mais fortes.”

Quando questionado se tinha vontade de se tornar político, Crivella responde: “Confesso que não queria. Não queria mesmo. O que eu sonhava era voltar para a África ou qualquer que fosse o país.”

O sonho virou também conveniência: com a nomeação, o ex-prefeito do Rio passa a ter foro privilegiado, e o processo a que responde é transferido para o Supremo Tribunal Federal.

Crise 2

O envio de Crivella para a África do Sul também cai como uma luva para Bolsonaro, que foi cobrado por lideranças da Universal pela omissão do Itamaraty diante da crise em Angola.

Para o teólogo evangélico Fábio Py, professor do programa de pós-graduação em políticas sociais da Universidade Estadual do Norte Fluminense, a “jogada” de Bolsonaro é uma maneira de afagar a crise entre ele e a igreja, que já cobrou diversas vezes posicionamento do presidente em relação às tensões no continente africano.

Culto da Universal (IURD) em Angola
Igreja Universal do Reino de Deus iniciou suas operações em Angola em 1992 e tem mais de 300 templos no país

“Bolsonaro percebe que não consegue resolver a questão de Angola porque entra em questão nacional do país. Para dar outro caminho, ele abre possibilidade de Crivella assumir a relação Brasil-África do Sul”, afirma. “É uma jogada para não perder o apoio do Macedo.”

Para ele, com a indicação, Bolsonaro age para não “desamarrar a igreja Universal” de si. “Até porque está começando a pintar 2022. Bolsonaro começa a se armar por conta de Lula”, diz. O presidente não quer “perder a Universal, sua estrutura e o processo de propaganda da Universal” visando às eleições.

A igreja é representada no Congresso pelo partido Republicanos, aliado do governo.

Além disso, o eleitorado evangélico tem um peso significativo para o presidente – e uma pesquisa Datafolha divulgada no dia 12 de maio apontou o ex-presidente Lula (PT) e Bolsonaro empatados no primeiro e segundo turnos entre o eleitorado evangélico. Indica que o atual presidente precisa se mexer para não perder votos com essa parcela de eleitores.

Para Teixeira, o discurso ostensivo por parte de lideranças da Universal sobre a falta “de apoio e resguardo” do Itamaraty é o que fez o governo se mexer. “É como se o governo Bolsonaro não estivesse correspondendo ao apoio da igreja, o que pode fazer com que ela repense o apoio eleitoral”, diz. “A aliança estaria em risco.”

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