Horas antes da Câmara dos Deputados aprovar o texto-base da reforma da Previdência, na quarta-feira (10), o líder da bancada do PDT, André Figueiredo (CE), subiu à tribuna para fazer um discurso criticando os deputados de seu próprio partido que pretendiam votar à favor do projeto enviado pelo governo. Figueiredo chamou os colegas de “futuros traidores” e “vendilhões da Pátria”.
“Nós somos do trabalhismo de João Goulart (1919-1976), quando a reforma era a reforma agrária, que garantia terras para quem precisava. Era a reforma urbana, que defendia a moradia digna. Nós somos do PDT de (Leonel) Brizola e de Darcy Ribeiro, que fizeram uma revolução pela educação. Não somos os vendilhões da pátria (…). Que não venham os deputados de outros partidos elogiar os futuros traidores do PDT e do PSB, porque esses dois partidos têm história”, disse.
Figueiredo seguiu o discurso fazendo um apelo aos colegas, para que não traíssem a orientação dos partidos. Mas foi em vão: no fim do dia, 8 dos 27 deputados do PDT, o equivalente a 30% da bancada, votaram à favor da reforma. A mesma decisão foi adotada por 11 dos 32 deputados do PSB mais (34% da bancada)
Em comparação, os deputados do PT, do PC do B e do PSOL votaram todos contra a Reforma da Previdência desenhada pelo ministro da Economia, Paulo Guedes, e modificada pela Comissão Especial da casa. A única deputada atual da Rede Sustentabilidade, Joenia Wapichana (RR), votou contra.
Das oito “traições” do PDT, nenhuma causou tanta comoção quanto a de Tábata Amaral (SP). A jovem de 25 anos foi eleita deputada federal na primeira disputa eleitoral de que participou, no ano passado. Sua candidatura foi apoiada pelo Movimento Acredito, que buscava a renovação da política, e teve mais de 250 mil votos. Tábata graduou-se em Ciência Política na Universidade Harvard (EUA), e ganhou os holofotes em março deste ano, quando protagonizou um debate com o ex-ministro da Educação, Ricardo Vélez, em audiência na Comissão de Educação da Câmara.
Depois da votação, Tábata sofreu críticas de André Figueiredo e do presidente do PDT, Carlos Lupi. Em uma rede social, Lupi disse que o PDT definirá as punições para os “traidores” na semana que vem. Assim como o PSB, o PDT “fechou questão” contra a reforma – o que significa que houve uma decisão formal do comando da sigla sobre o assunto. Figueiredo disse à BBC News Brasil que as punições serão definidas pelo Conselho de Ética do partido.
“Eu conversei individualmente com cada um dos deputados. Mostrando o quão importante era a bancada sair unida do processo. Resolveram tomar suas decisões, e evidentemente que (isso) terá consequências”, disse Figueiredo. “O partido não pode dar a mesma atenção a quem segue a orientação partidária e a quem diverge num tema como esse”, disse ele.
Em relação a Tábata Amaral, Figueiredo disse que ela tinha entre seus eleitores muitos integrantes “da classe média e da classe alta de São Paulo”, que a teriam pressionado a defender a reforma. “Mas pelo que a gente viu, ela está sofrendo muito nas redes sociais”, disse.
A deputada paulista realmente sofreu perdas no mundo virtual. Na noite de quarta-feira (10), antes da votação, ela tinha cerca de 653 mil seguidores no Instagram. Na tarde de quinta (11), este número já tinha caído para 632 mil – ou seja, 20 mil seguidores a menos.
Em 2003, o PDT rompeu com o governo do ex-presidente Lula (PT) por discordar da reforma previdenciária do petista; em 2012, o partido foi contra a proposta de Dilma para mudar as aposentadorias dos servidores públicos.
“O PDT tem uma longa história contra a retirada de direitos de aposentados. Não temos problemas em discutir uma reforma; o Ciro (Gomes, candidato presidencial do PDT em 2018) apresentou uma proposta. Mas o que não aceitamos é tirar direitos de quem está na base da pirâmide”, disse Figueiredo.
Tábata Amaral passou a tarde e a noite de quinta-feira evitando jornalistas. Ela reagiu às críticas com um vídeo no Instagram.
“Meu voto pela Reforma da Previdência é um voto de consciência. Não é um voto vendido, não é um voto por dinheiro de emendas. É um voto que segue as minhas convicções e tudo que estudei até aqui”, diz ela.
“Ao tomar essa decisão, eu olho para o futuro do país. E não para o próximo processo eleitoral. Quem me conhece, sabe da minha luta pelos mais pobres. Sabe da minha trajetória. E hoje a Previdência tira dinheiro de quem menos tem e transfere para os mais ricos. Ela aumenta a desigualdade em um quinto, e é um impasse para o desenvolvimento do país. Ser de esquerda não pode significar ser contra um projeto que de fato pode tornar o Brasil mais inclusivo e mais desenvolvido”, prossegue.
A reforma seria “um passo importante, aquele que é possível, para que a gente possa crescer de forma fiscalmente responsável, para então distribuir renda”, continua a deputada.
Na votação de quinta, o líder do PSL, Delegado Waldir (GO), aproveitou para ironizar a “infidelidade” dos deputados de esquerda.
“Eu queria fazer um apelo aos presidentes dos partidos de oposição: por favor, não punam os deputados que vão votar com o Brasil, com as pessoas mais pobres”, disse.
“Por favor, não punam. E, se por acaso algum parlamentar for punido, eu garanto que em qualquer dos partidos do Centro, no PSL, tem portas abertas e vagas abertas para eles migrarem para o Brasil”, disse Waldir.
No PSB, pedidos de expulsões
Na bancada do PSB, o dia não foi nada tranquilo. A votação da noite anterior foi discutida pelos deputados numa reunião que começou por volta das 10h da manhã e se estendeu até por volta das 15h. Um deputado socialista disse que o encontro foi “tenso”. Outro afirmou que houve “muita lavação de roupa suja” na reunião.
Enquanto uma parte dos deputados defendeu a expulsão dos 11 que votaram a favor da reforma, outros se mostraram solidários aos colegas. A bancada socialista também deve escolher nesta sexta-feira (12) um novo líder para suceder Tadeu Alencar (PE), cujo mandato está chegando ao fim.
Antes da votação, na terça-feira (9), alguns dos deputados que tinham a intenção de votar a favor da reforma se encontraram com o presidente do partido, Carlos Siqueira.
Segundo pessoas próximas, o mais provável para estes deputados é a expulsão: o presidente do Conselho de Ética do PSB, Alexandre Navarro, convocou uma reunião do colegiado para esta segunda-feira, às 10h30. Depois de ouvir os deputados e os dirigentes partidários que pediram a expulsão, o Conselho de Ética fará uma recomendação sobre o assunto. A decisão final é do Diretório Nacional do partido.
Sem punições no centro e na direita
Nos partidos de centro e de direita, que estavam apoiando a reforma, também houve algumas “traições” – mas menos que no PDT e no PSB. No PP, por exemplo, três dos 39 deputados votaram contra, ignorando a orientação do líder da legenda, Arthur Lira (AL). No PRB, dois dos 31 deputados se recusaram a votar pela reforma; e no PSDB, uma deputada votou contra (Tereza Nelma, de Alagoas).
A lista de como votou cada deputado pode ser conferida no site da Câmara.
Das legendas grandes, com mais de 10 deputados, só o MDB, o DEM e o PTB entregaram 100% dos votos para o projeto de Reforma da Previdência. Seja por causa de “traições”, ou por conta de alguns deputados que não apareceram para votar.
No PP, por exemplo, não deve haver qualquer punição – o partido não “fechou questão” formalmente em torno da reforma.
“O partido não fechou questão. No meu caso, (votar contra) foi um compromisso que eu fiz na campanha, no meu Estado. Disse que era contra a reforma. Então chegar agora e mudar não era possível. Essa foi a minha palavra durante a campanha”, disse à BBC News Brasil o deputado Eduardo “Dudu” da Fonte (PP-PB).
No PSDB, que fechou questão, o caso de Tereza Nelma será avaliado pela Executiva Nacional. Mas pessoas dentro da legenda acham a expulsão improvável: o mais plausível é que Nelma sofra sanções na próxima eleição, em 2022.