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quinta-feira 3 de novembro de 2022 às 05:37h

O que os EUA pós-Trump podem ensinar ao Brasil depois de derrota de Bolsonaro

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Às vezes faz lembrar um remake. Depois de quatro anos de um governo turbulento, o presidente não reconhece de maneira clara que perdeu a reeleição. Aconteceu em 2020 nos Estados Unidos, com Donald Trump, e acontece em 2022 no Brasil, com Jair Bolsonaro (PL).

O “Trump dos trópicos”, como a imprensa internacional por vezes chama o brasileiro, repete a cartilha do republicano desde sua eleição, em 2018 e mantém a aposta agora. Nos dois casos, apoiadores também foram às ruas carregando bandeiras em atos golpistas que rejeitam o resultado das urnas.

A sequência de semelhanças indica caminhos possíveis para os próximos anos no Brasil. Spoiler: Trump ainda é uma das figuras mais relevantes da cena política americana, a sociedade permanece polarizada, núcleos radicalizados se espalharam e o terrorismo doméstico se tornou ameaça iminente.

Nos EUA, a transição de governo começou caótica, com acesso dificultado à equipe do presidente eleito Joe Biden, e teve seu seu momento mais marcante em 6 de janeiro de 2021. Para evitar que o Congresso certificasse o resultado, uma multidão de trumpistas invadiu o Capitólio, no mais grave ataque recente à democracia do país, que terminou com cinco mortes —a ação foi definida pela comissão legislativa que a investiga como tentativa de golpe de Estado.

“A experiência americana mostra que a polarização vai seguir no Brasil, como seguiu nos EUA. Bolsonaro teve uma votação muito grande e não vai desaparecer, assim como Trump”, avalia James Green, professor da Universidade Brown.

Assim como o republicano se consolidou em 2020, Bolsonaro é a segunda pessoa mais votada da história do Brasil, com 58,2 milhões de votos recebidos no último domingo —atrás apenas de Lula, que teve 60,3 milhões nesta eleição e 58,3 milhões em 2006.

Green defende que é preciso mirar as investigações que o governo americano tem promovido em diferentes instâncias em relação à gestão anterior, como a invasão do Capitólio ou os documentos secretos que Trump levou sem autorização da Casa Branca.

“Mesmo que isso não convença nenhum eleitor de Trump [a mudar de opinião], é fundamental esclarecer o que aconteceu”, afirma. “O discurso da vitória de Lula foi de conciliação, assim como o de Biden quando ganhou. Mas não pode haver um freio nas investigações em nome da unidade da nação ou da governabilidade no Congresso.”

Nos EUA, a resistência ao 6 de Janeiro envolveu uma ação orquestrada, segundo articuladores envolvidos com o processo na época. Empresários e executivos de grandes empresas passaram a mandar recados a Trump de que não o apoiariam caso levasse a cabo uma tentativa de golpe, contou em entrevista recente à Folha o articulador político Michael Podhorzer.

Sindicatos e órgãos da sociedade civil também resolveram não convocar protestos de rua para não transformar a defesa da democracia em uma disputa entre direita e esquerda e não correr o risco de o presidente mobilizar forças de segurança contra os manifestantes para “pacificar” o país. Por fim, Trump também não conseguiu o apoio do comando militar na sua contestação das urnas.

“É normal que haja protestos. Mas atos como os que aconteceram nos EUA, fomentados por figuras públicas que se apropriam das emoções do povo e incentivam a violência, são uma ameaça real nos nossos tempos. É o que vi nos EUA e o que vejo no Brasil hoje”, diz Melvyn Levitsky, embaixador dos EUA no Brasil entre 1994 e 1998. “São mobilizações encampadas por líderes políticos irresponsáveis.”

O hoje professor de política internacional da Universidade de Michigan aponta que a contestação dos resultados é “perturbadora, depois de todos os esforços que o Brasil fez ao final da ditadura militar para trazer a democracia de volta”.

Depois que ficou claro que não seria possível evitar a derrota eleitoral, Trump não foi à posse de Biden, na primeira vez que um presidente não prestigiou o sucessor desde Andrew Johnson, em 1869 —excluindo Richard Nixon, que renunciou. Em 20 de janeiro de 2021, o republicano pegou um helicóptero na Casa Branca horas antes da cerimônia e foi direto para sua casa na Flórida. Coube ao vice, Mike Pence, representar o governo.

No Brasil, especula-se que Bolsonaro também não passaria a faixa presidencial a Lula em uma cerimônia pública, designando a missão ao vice Hamilton Mourão. Foi Mourão, aliás, quem primeiro reconheceu a derrota, ao parabenizar na segunda-feira (31) Geraldo Alckmin (PSB) pela eleição a vice-presidente.

Dois anos depois de tomar aquele helicóptero em direção a Mar-a-Lago, porém, Trump permanece uma força imensa na política americana. A prova mais recente está nas midterms, eleições legislativas que ocorrerão na próxima terça-feira (8). Dos seis deputados republicanos que votaram por seu impeachment e buscavam a reeleição, quatro não passaram nem da fase das primárias.

Donald Trump, então no poder nos EUA, ao lado de Jair Bolsonaro em visita do presidente brasileiro a Mar-a-Lago – Tom Brenner – 7.mar.20/Reuters

O exemplo mais concreto foi o de Liz Cheney, que participa da comissão de investigação do 6 de Janeiro. Filha Dick Cheney, vice-presidente no governo George W. Bush, ela perdeu a definição pela candidatura em Wyoming após intensa campanha contrária de Trump.

Nesse bombardeio, o ex-presidente recuperou até uma palavra que andava esquecida na política do país: “rino”, acrônimo em inglês para “republicanos só no nome”, que virou uma espécie de selo para identificar “impuros” —ou seja, que não concordam com o ex-presidente.

Dois anos após as alegações falsas de que a eleição foi roubada, 64% dos republicanos ainda acreditam que houve fraudes, segundo pesquisa recente do jornal The Washington Post —parcela significativa deles vai concorrer nas midterms.

Em discurso nesta quarta (2), Biden alertou para o fato de haver candidatos “disputando todos os níveis de cargos nos EUA que não se comprometem a aceitar os resultados das eleições” das quais participam. “Esse é o caminho para o caos. Não tem precedentes. É ilegal e antiamericano. Você não pode amar seu país apenas quando vence.”

Muitos dos apoiadores de Trump se radicalizaram, e o terrorismo doméstico se tornou uma das maiores ameaças à segurança, segundo o próprio governo americano.

O episódio mais recente ocorreu na última sexta (28), quando um homem invadiu a casa da presidente da Câmara, Nancy Pelosi, durante a madrugada, e agrediu o marido da democrata. David DePape, preso sob a acusação de tentativa de homicídio, divulgava teorias da conspiração em um blog pessoal.

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