Em setembro de 2019, o presidente Jair Bolsonaro disparou um “I love you” para Donald Trump. O então líder americano correspondeu: “Bom te ver de novo”. O flerte presidencial — fora do campo íntimo, afetivo e amoroso — tinha como um dos objetivos seduzir os Estados Unidos a apoiarem o ingresso do Brasil à Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), um seleto clube de 38 países focados no comércio internacional. Parece que deu certo, em partes. Desde então, o clima mudou, Trump deixou a Casa Branca e Bolsonaro sua frio com a provável derrota nas urnas em outubro, mas o Brasil segue firme no processo de entrada ao grupo.
Em setembro deste ano, o governo federal pretende enviar o memorando inicial de adesão à OCDE, o que deve, se aprovado, dar acesso a linhas de financiamento de melhor qualidade e atrair grandes fundos a projetos de saneamento e infraestrutura, entre muitos outros benefícios. É como se o Brasil ganhasse um selo de qualidade junto ao mercado global de crédito, embora esteja hoje pior do que nos últimos anos.
O problema é que para compor a organização e vencer a tentativa de outros cinco países (Argentina, Bulgária, Croácia, Peru e Romênia) de entrar no bloco, o Brasil terá de superar seus próprios obstáculos. A OCDE é conhecida por defender a democracia representativa, a economia de mercado e as políticas de proteção da natureza, temas em que o Brasil virou pária mundial sob a gestão Bolsonaro. Não se sabe sequer se o Brasil terá democracia após as eleições de outubro. Até agora, no entanto, o País cumpriu 43% da lista de exigências da organização. Aparentemente, é pouco. Mas é quase o dobro dos 25% da Argentina, segunda colocada.
I LOVE YOU Admirador de Donald Trump, Jair Bolsonaro se aproximou dos Estados Unidos para cavar um espaço na OCDE. (Crédito:Jim Watson)
Se houver a chancela de todos os países-membros no processo de entrada, o Brasil terá também de ser avaliado por comissões temáticas quanto ao cumprimento de recomendações da OCDE em diversos setores, como meio ambiente, saúde, responsabilidade fiscal e combate à lavagem de dinheiro, processo que poderá levar de três a cinco anos.
Vários fundos de investimentos estrangeiros possuem regras internas que dificultam a aplicação de recursos em nações que não integram a OCDE, por exemplo. Por isso, a entrada no clube pode significar novas oportunidades de negócios, segundo Leonardo Trevisan, doutor em ciência política pela Universidade de São Paulo (USP) e professor da Escola Superior de Propaganda e Marketing (ESPM), em São Paulo. “A entrada do País à OCDE deve aprimorar a qualidade das estatísticas sobre o Brasil, já que a própria OCDE produz relatórios robustos e confiáveis sobre seus países-membros”, afirmou Trevisan.
CONCESSÕES A possível entrada do Brasil é resultado, segundo especialistas, às concessões feitas pelo País aos países desenvolvidos, especialmente os Estados Unidos. Entre os gestos do lado brasileiro estão a eliminação de visto para americanos (assim como para Austrália, Canadá e Japão), a renúncia ao tratamento diferenciado que o Brasil tinha em negociações na Organização Mundial do Comércio (OMC). No campo militar, o Itamaraty soltou uma nota em apoio aos investimentos americanos na luta contra o terrorismo na mesma semana em que os americanos mataram o general iraniano Qasem Soleimani, no Iraque, em janeiro de 2020.
Fora do campo político e diplomático, a entrada do Brasil à OCDE representará mais trabalho para os próximos governos. Se entrar, o Brasil seria obrigado a desembolsar grandes contribuições proporcionais ao PIB em pagamentos compulsórios à organização ou aos membros que solicitarem contribuições voluntárias. Internamente, o País pode perder parte da autonomia de gestão em algumas áreas, uma vez que teria de seguir orientações sobre o grau de interferência do Estado na economia e práticas relacionadas ao controle de taxa de juros, de câmbio e tributação de capital estrangeiro. Mas curioso mesmo seria Lula ocupar a vaga no clubinho tão almejado por Bolsonaro.