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O presidente Lula em discurso na cúpula dos Brics, em Joanesburgo — Foto: James Oatway/Reuters
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sábado 26 de agosto de 2023 às 17:47h

O que muda com a entrada de novos países no Brics, segundo especialistas

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Discutida há meses, a ampliação do número de membros do Brics foi oficializada nesta semana. O bloco, que reúne economias emergentes e do qual o Brasil faz parte, se prepara para sair de cinco para 11 integrantes. Especialistas ouvidos pelo g1 afirmam que, entre outros pontos, a decisão traz mais reflexos políticos do que econômicos.

A expansão foi anunciada ao término da 15ª cúpula de líderes do bloco, na África do Sul. Brasil (B), Rússia (R), Índia (I), China (C) e África do Sul (S de South Africa) convidaram seis nações para o bloco:

  • Argentina
  • Egito
  • Irã
  • Arábia Saudita
  • e Emirados Árabes Unidos

Os seis países convidados terão que cumprir condições estabelecidas pelos fundadores e devem se juntar ao grupo a partir de 1º de janeiro de 2024. As informações são Guilherme Mazui e Rafael Holanda, do g1.

Um dos fundadores do bloco, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) defende a ampliação do grupo. Para ele, a mudança ajuda a influenciar negociações com economias mais desenvolvidas, a exemplo dos Estados Unidos e de países da Europa.

Na avaliação de especialistas, porém, o alargamento do Brics, com base nos países convidados, pode representar aumento da influência geopolítica da China, o que não assegura melhora no comércio exterior brasileiro.

Redução do poder brasileiro

Uma das primeiras consequências da expansão do bloco, de acordo com especialistas, deverá ser a perda de influência do Brasil em decisões no grupo.

Isso porque, na prática, mais do que dobrar o número de participantes vai reduzir o peso individual de cada país nas discussões internas.

“Para o Brasil, que sempre defendeu a importância do Sul Global, interessa que se amplie o Brics, apesar da perda de força interna. Quando você amplia o grupo [de cinco para 11 países], a força da voz do Brasil diminui”, avalia Lia Valls Pereira, pesquisadora associada Fundação Getulio Vargas (FGV-Ibre).

Lia Valls diz, ainda, que a ampliação fortalece a posição da China no cenário político global, além de atender a diferentes interesses dos atuais integrantes do grupo.

Segundo ela, a entrada do Irã, por exemplo, contempla a Rússia. Enquanto o Brasil patrocinou a adesão da Argentina, seu principal parceiro comercial na América do Sul.

O pesquisador Renato de Almeida Vieira e Silva relembra que a diplomacia brasileira era contrária à expansão, em uma tentativa de assegurar o peso do país no bloco.

Nos últimos meses, porém, o governo cedeu por desejar o apoio da China em uma eventual entrada definitiva no Conselho de Segurança da Organização das Nações Unidas (ONU).

Silva analisa também que, a partir de 2024, o Brasil precisará ter “jogo de cintura” para equilibrar o discurso internacional e o alinhamento — a nível do Brics — a ditaduras criticadas pela falta de direitos de mulheres, como Arábia Saudita.

“Vai exigir maior jogo de cintura participar de um grupo no qual alguns posicionamentos possam contrariar aquilo que o país defende nos demais fóruns internacionais, como questões ligados às liberdades individuais e democráticas, direitos humanos e sociais, costumes”, diz o pesquisador.

Influência chinesa

Os novos integrantes do Brics favorecem o projeto da China para ampliar sua influência geopolítica no mundo. Internamente, o país já é a principal potência do grupo, composto por países periféricos e emergentes que têm interesse em investimentos do gigante asiático.

Doutor em Relações Internacionais pela Universidade de Lisboa, Igor Lucena avalia que a China deseja liderar um bloco capaz de fazer o contraponto ao G7 — grupo reúne as principais economias do mundo.

O ex-diplomata Paulo Roberto de Almeida afirma que a posição não favorece o Brasil.

“O grupo Brics ganha em descoordenação, pois é evidente que não existem convergências automáticas entre eles. A China sempre foi o país preeminente, no BRIC, no BRICS e agora no BRICS+. O Brasil se revela caudatário de uma grande potência, que quer constituir um grupo antiocidental. Ou seja, o Brasil não ganha nada com isso”, pontua.
Renato de Almeida Vieira e Silva diz que a ampliação pode ser entendida como um indicador de maior pressão da China sobre os demais membros do Brics.

“É possível que muitas das decisões que vierem a ser tomadas no grupo tenderão mais aos interesses de Pequim, o que pode não estar em linha com a política externa brasileira. O Brasil, de alguma maneira no formato original do Brics, servia de contraponto à China e Rússia em suas posições antiocidentais, o que, com a ampliação de países participantes, pode não se alinhar aos interesses e posições que o Brasil historicamente defende”, afirma.

Comércio internacional

Para os especialistas ouvidos pelo g1, a ampliação do bloco não deve ter impacto imediato na relação comercial entre os países.

O ex-diplomata Paulo Roberto de Almeida a expansão argumenta que a decisão é “basicamente política”.

“Do ponto de vista comercial, os Brics não existem, pois não possuem nenhum acordo comercial entre eles. No plano do comércio, só muda alguma coisa se os governos fizerem acordos preferenciais, ou se os particulares explorarem novos mercados”, explica.

Em uma análise histórica, Igor Lucena destaca que China e Índia apresentaram crescimento econômico mais robusto, em comparação aos demais membros do Brics. Segundo ele, o resultado não tem relação direta com a formação do bloco.

“É uma falácia dizer que a entrada de novos players no Brics vai mudar de fato características econômicas e de investimentos entre esses países. Esses players têm problemas econômicos e políticos dos mais diversos. A agenda comercial não muda e dificilmente a gente vai ver um sentido de médio ou longo prazo”, afirma Lucena.

No âmbito do Brasil, Lia Valls avalia que, com exceção da Argentina, os futuros integrantes do bloco não têm participação expressiva no comércio exterior brasileiro. A pesquisadora pontua, ainda, que há espaço para crescimento.

“Vai haver mais aproximação. O Brics em si não é acordo de comércio. A ampliação pode criar um ambiente mais favorável para investimento, favorecer a cooperação. Isso é interessante”, afirma.

Banco do Brics

Lia Valls Pereira considera que a expansão do bloco pode aumentar a capacidade de investimento do Novo Banco de Desenvolvimento (NBD), conhecida como “Banco do Brics”. A instituição atualmente é comandada pela ex-presidente Dilma Rousseff.

O banco financia projetos variados e poderá ser um vetor para investimentos em infraestrutura e transição energética.

O Planalto, por exemplo, espera receber recursos de países do Brics — em especial da China e dos fundos árabes — na nova versão do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC).

O professor Renato de Almeida Vieira e Silva também acredita que a nova formação do Brics poderá se tornar uma alavanca do comércio no bloco.

Segundo ele, o grupo ampliado pode favorecer a criação de uma câmara de compensação de pagamentos de importações e exportações, com o objetivo de reduzir o peso do dólar nas transações entre os países.

O ex-diplomata Paulo Roberto de Almeida avalia que há benefícios nesta estratégia.

“Sempre existem benefícios em desenvolver laços econômicos e comerciais com quaisquer países, dentro das regras normais do sistema multilateral de comércio, e usando moedas conversíveis, de maneira a potencializar a amplitude dos pagamentos externos”, afirma.

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